No Aniversário do Nascimento

de Eduardo Cerqueira

 

Por vezes, embora não muito frequentemente, pessoas há que nos gravam uma marca que perdura ao longo das nossas vidas. Uma delas foi precisamente o senhor Cerqueira, forma carinhosa e quase familiar com que tratávamos uma conhecida figura aveirense, o Senhor Eduardo Cerqueira.

Tal como dissemos em Setembro de 1983, altura em que ele deixou de estar fisicamente entre nós, os nossos hábitos rotineiros alteraram-se significativamente, levando-nos a trocar o espaço do Café Palácio, onde regularmente nos encontrávamos, por outro que não nos trouxesse à memória a sua ausência.

As primeiras marcas que este vulto aveirense nos gravou começaram ainda nos tempos da meninice, numa altura em que, em Aveiro, os Cafés Arcada e Avenida eram pontos de encontro de diversas pessoas, para uns momentos de convívio e amena cavaqueira.

Por alturas da década de 1950, era o senhor Cerqueira aquela figurava enigmática e simpática que intrigava e prendia a atenção de um fedelho de sete ou oito anos de idade. Era ele que exercia uma espécie de força magnética, uma enorme força que atraía e acalmava o miúdo traquina que corria por entre as mesas e cadeiras do Café Arcada. Fazia-o sossegar e intrigava-o, com aquele pedaço de vidro circular que retirava do olho direito e voltava a colocar lentamente no lugar, para grande admiração do catraio que o observava atentamente.

Anos mais tarde, transformado o miúdo num adulto com obrigações profissionais na cidade, Eduardo Cerqueira transformou-se no amigo mais velho e sabedor, a quem todos nós recorríamos quando pretendíamos saber coisas acerca da nossa terra. Era ele que nos falava dos aveirenses de outras épocas. Era ele que nos contava as tradições e costumes de antanho. Era ele que nos contava histórias passadas entre as paredes da Secundária Homem Cristo, onde exercíamos a nossa profissão educadora, falando-nos do então chamado Liceu Vasco da Gama, onde a sineta para as aulas era um varão metálico percutido com um martelo pelo senhor Maia, o chefe do pessoal menor, e onde tivera por companheiro de carteira outra figura não menos célebre de Aveiro, o seu amigo Arlindo Vicente. Era ele que nos guiava nos passeios de descoberta pelos diferentes espaços da nossa cidade e área envolvente. Era ele que nos dava a ler para apreciação e correcção as longas tiras de papel em que redigia os artigos para publicação.

Mais recentemente, voltámos a encontrar-nos com Eduardo Cerqueira, não já fisicamente, mas espiritualmente, quando nos lançámos ao trabalho de recuperar para as novas tecnologias da comunicação e da informação todo o valioso espólio referente a uma excelente publicação que a nossa região possuiu, a revista “Aveiro e o seu Distrito”, e para a qual ele escreveu um total de doze artigos.

Quem foi, pois, esta ilustre figura aveirense que tanto nos marcou de forma positiva, funcionando, quiçá, como um excelente émulo a seguir?

 

Nascido em 5 de Setembro de 1909 (faz hoje cento e dois anos) na Rua de Domingos Carrancho, na freguesia da Vera Cruz, Eduardo Cerqueira frequentou, concluído o ensino primário, sucessivamente o Liceu Vasco da Gama, hoje a Secundária Homem Cristo, e, mais tarde, concluído o ciclo liceal, os primeiros anos da Faculdades de Ciências e de Farmácia, na cidade do Porto, que viria a deixar pouco tempo depois com os cursos por concluir, para ingressar no funcionalismo público, em 1933. Foi trabalhar durante três anos para a cidade da Guarda, regressando definitivamente a Aveiro em 1936, já casado com D. Armanda Lourenço da Costa.

Radicado definitivamente em Aveiro como funcionário da Junta Autónoma das Estradas, começa desde cedo a dedicar-se ao jornalismo, sendo correspondente e colaborador de vários jornais e revistas da época: “O Primeiro de Janeiro”, “Diário de Notícias”, “O Século”, “Arquivo do Distrito de Aveiro”, “Aveiro e o seu Distrito”, “Boletim” da ADERAV, bem como de diferentes periódicos regionais, tais como “Correio do Vouga” e “O litoral”.

Em 1959, por altura das Festas do Milenário da Cidade, Eduardo Cerqueira faz parte da Comissão Executiva.

Em 15 de Março de 1971, assumiu as funções de Presidente da Junta Autónoma do Porto de Aveiro, cargo que ocupou durante seis anos.

A partir de 1976 e praticamente quase até ao final da vida, Eduardo Cerqueira é um dos elementos mais colaboradores de um movimento associativo nascido então para a defesa do património natural e cultural da região de Aveiro, colaborando em diversas iniciativas, quer com artigos escritos para o boletim desta nova associação, quer orientando grupos em visitas de descoberta do património aveirense.

A 14 de Novembro de 1982, é agraciado pela Câmara Municipal de Aveiro com a «Medalha de Prata da Cidade».

Deixa de estar fisicamente entre nós na madrugada do mesmo dia em que nasceu, ou seja, em 5 de Setembro de 1983, volvidos setenta e quatro anos de vida activa sempre aberta a todas as iniciativas que tivessem a ver com a sua cidade natal.

Para um conhecimento mais aprofundado de quem foi esta ilustre figura aveirense, que permanecerá para sempre na lembrança das gerações que tiveram o grato prazer de partilhar com ele parte da sua vida, remetemos os leitores interessados para os textos publicados em sua homenagem no Boletim n.º 10 da ADERAV, publicado em Dezembro de 1983, ou para o espólio aveirense consultável num espaço comunitário da Internet dedicado a Aveiro e à sua região, intitulado «Aveiro e Cultura». Aqui encontrarão não apenas uma síntese biográfica mais completa do que esta que acabámos de esboçar, como também uma relação bibliográfica de toda a produção escrita de Eduardo Cerqueira, incluindo o último escrito de natureza autobiográfica produzido expressamente para o citado boletim.

Aveiro, 5 de Setembro de 2011

Henrique J. C. de Oliveira

 

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