Outra imagem
nítida, que consigo evocar, mostra-me a passear com o meu pai à
beira-mar. É uma tarde fria de domingo, em pleno Inverno. Junto à
praia, numa zona frente à rua 23 e para os lados do bairro
piscatório, vêem-se protecções metálicas, guindastes e
gigantescos camiões carregados de não menos gigantescos blocos de
granito, que os olhitos de um miúdo tornam ainda maiores. «Estes camiões chamam-se Euclides - explica-me
o meu pai - e são para transportar pedra para o mar.»
A certa altura, o
meu pai interrompe bruscamente o passeio e diz-me baixinho: «Olha
para ali. Vês aquele senhor de chapéu na cabeça a observar as
obras?»
Olhei e vi. Vi uma
figura que voltei a encontrar anos mais tarde, já estudante, a
falar a todos os portugueses, com um sotaque beirão e num timbre de
voz muito peculiar, através da caixa mágica que surgira em
Portugal pouco tempo antes.
Procurei imagens
fotográficas entre os arquivos do meu pai que correspondessem à
evocação anterior. Nada encontrei. Pudera! Tínhamos saído do
café da esplanada que estava aberto todo o ano e que ficava situado mesmo em
frente ao local onde se realizava, anualmente, do outro lado da linha
do comboio, uma feira popular e onde, mais tarde, veio a ser
construído um enorme café, que ainda hoje existe. Tínhamos saído
os dois para aproveitar uma aberta e dar um passeio junto ao mar.
Por isso, o meu pai não trazia nenhuma das máquinas
fotográficas que possuía. E mesmo que a trouxesse, não lhe valeria de nada, porque, certamente, não o deixariam
aproximar dessa alta individualidade da nação, que resolvera fazer
uma inspecção anónima ao decurso das obras de defesa de Espinho.
Não encontrei
fotografias desse passeio. Mas encontrei outras da mesma altura, que
mostram o decurso das obras de defesa que eu próprio fui
observando, durante vários meses, sempre que vinha com os colegas
brincar para a beira-mar. Infelizmente, o meu pai não teve o
cuidado de registar a data. Mas a avaliar pelo meu tamanho, numa
fotografia tirada no extremo oposto, em frente à piscina de
Espinho, deverá ter sido por volta de 1950.
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