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Conceito de linguística; linguagem; linguagem humana e
linguagem animal; diferenças entre a linguagem humana e a
linguagem animal; os factores da comunicação; as funções da
linguagem; conceitos de língua, fala ou acto de fala e
discurso. Textos complementares e sugestões de trabalho. |
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Antes de iniciarmos o estudo de cada
um dos conceitos apresentados, parece-nos que a melhor maneira de
abrirmos este capítulo será o de transcrevermos algumas palavras de
Júlia Kristeva[1]
acerca da importância de toda esta matéria:
Fazer da linguagem um objecto privilegiado de reflexão,
de ciência e de filosofia, eis um gesto cujo alcance ainda não foi
completamente avaliado. Com efeito, embora a linguagem se tenha tornado
um objecto de reflexão específico há já muitos séculos, a ciência
linguística, essa, é muito recente. Quanto à concepção da linguagem como
chave do homem e da história social, como via de acesso às leis do
funcionamento da sociedade, essa talvez constitua uma das mais
importantes características da nossa época. Pois trata-se realmente de
um fenómeno novo: a linguagem, cuja prática o homem sempre dominou ─ que
constitui um todo com o homem e com a sociedade, aos quais está
intimamente ligada ─, essa linguagem, agora mais do que em qualquer
outro momento da história, é isolada e como que colocada à distância
para ser captada enquanto objecto de conhecimento particular,
susceptível de nos dar acesso não apenas às leis do seu próprio
funcionamento, mas também a tudo o que releva da ordem do social.
A LINGUÍSTICA: ORIGEM E OBJECTO
A transcrição anterior permite-nos, desde logo, encontrar
uma boa definição para linguística. É uma ciência que tem por objecto
privilegiado de estudo a linguagem. É uma ciência recente que procura
tornar objecto de reflexão uma actividade exercida pelo homem desde
tempos remotos
─
a linguagem. Interessa, no entanto, à linguística não qualquer tipo de
linguagem, mas apenas e essencialmente a chamada linguagem verbal,
isto é, o sistema de comunicação que se serve das palavras, já que
existem muitos outros de que o homem se serve para comunicar.
As origens da linguística remontam à
Antiguidade. Certamente que desde que o Homem fala se terá debruçado ou
reflectido no fenómeno da linguagem. Começou, todavia, a ser estudado na
Grécia Antiga de maneira mais sistemática, quer com Sócrates, quer
essencialmente com Aristóteles e Platão (século V a. C.), para não
referirmos outros nomes também célebres, como é, por exemplo, o caso de
Lucrécio, filósofos que reflectem sobre as origens da própria linguagem.
Leiam-se, por exemplo, os três textos a seguir transcritos,
respectivamente de Platão, de Lucrécio e de Vendryes, tendo o cuidado de
reflectir sobre eles, procurando identificar os temas e os assuntos
neles versados. Relativamente ao primeiro, preste-se igualmente atenção
ao método de exposição das ideias, o chamado método dialéctico, baseado
essencialmente no recurso ao diálogo.
texto 1
A origem da linguagem humana
SÓCRATES –Desagrada-te que o nome seja
definido como uma representação do objecto?
CRÁTILO - Certamente que não.
SÓCRATES - Mas não crês que temos razão
em dizer que, de entre os nomes, uns são compostos de nomes mais antigos
e outros são primitivos?
CRÁTILO - Sim.
SÓCRATES - Mas se os nomes primitivos
devem ser representações de certas coisas, tens tu qualquer outro meio
de efectuar essas representações através de palavras o mais parecidas
possível com os objectos que devem representar? Ou então preferes que o
meio preconizado por Hermógenes e muitos outros, que pretendem que os
nomes são convenções e que eles representam os objectos para aqueles que
fizeram essas convenções, após terem previamente tomado conhecimento das
coisas, que é a convenção que constitui a justeza do nome, e que é
completamente indiferente que se tenha estabelecido essa convenção tal
como é presentemente, ou que, pelo contrário, se chame grande ao que
hoje chamamos pequeno e pequeno ao que hoje chamamos grande? Qual dos
dois meios preferes?
CRÁTILO - De qualquer modo, Sócrates, é
absolutamente preferível representar o que se quer representar por meio
de uma imitação parecida do que por qualquer outro meio.
SÓCRATES - Está bem dito. Mas, para que
o nome seja parecido com o objecto, não será necessário que as letras
com que se formará os nomes primitivos sejam naturalmente parecidos com
os objectos? Eu explico-me. Ter-se-ia composto o quadro de que
falávamos há pouco à semelhança dum objecto real, se a natureza não
fornecesse para compor os quadros cores parecidas com os objectos que a
pintura imita? Ou seria isso impossível?
CRÁTILO - Seria impossível.
SÓCRATES -Do mesmo modo os nomes nunca
poderão ser parecidos com nenhum objecto, a menos que os elementos que
os compõem tenham uma semelhança natural com as coisas de que são as
imitações, e estes elementos que devem servir para os compor sejam as
letras?
CRÁTILO - Sim.
PLATÃO, Crátilo
[2]
texto 2
A
linguagem como expressão emocional de tipo animal
Quanto aos diversos sons da linguagem,
foi a natureza que levou os homens a emiti-los, foi a necessidade que
fez nascer os nomes das coisas; mais ou menos como quando vemos a
criança obrigada a recorrer ao gesto pela sua incapacidade de se
exprimir com a língua, que o leva a designar com o dedo os objectos
presentes. Todo o ser tem, com efeito, o sentimento do uso que pode
fazer das suas faculdades.
Pensar que o homem tenha podido dar a
cada coisa o seu nome e que os outros aprenderam com ele os primeiros
elementos da linguagem é verdadeira loucura. Se este pôde designar cada
objecto por um nome, emitir os diversos sons da linguagem, porquê supor
que os outros não tivessem podido fazer ao mesmo tempo o mesmo que ele?
Além disso, se os outros não tivessem usado igualmente entre eles a
palavra, donde viria a noção da sua utilidade? De quem recebeu ele o
privilégio de ser o primeiro a saber o que queria fazer e disso ter uma
clara visão? Para mais um único homem não poderia constranger toda uma
multidão e, domando a sua resistência, obrigá-la a aceitar aprender os
nomes de cada objecto...
Enfim, se o género humano, na posse da
voz e da língua, designou, seguindo as suas diversas impressões, os
objectos por nomes diversos, haverá aí alguma coisa de estranho? Os
rebanhos, privados da palavra, e mesmo as espécies selvagens, emitem
gritos diferentes, de acordo com o medo, a dor ou a alegria que os
penetra, como é fácil de verificar através de exemplos familiares.
Assim, quando a cólera faz rosnar
surdamente os cães molossos e, arreganhando as beiças, lhes põe a
descoberto os dentes duros, os sons com que nos ameaça a raiva são
completamente distintos dos latidos com que, em seguida, enchem os
espaços... Não nos parecem igualmente diferentes os relinchos, quando
no meio dos cavalos se ergue o potro fogoso, atingido, na flor da
idade, pelo Amor, o seu cavaleiro alado, e quando, com as narinas
dilatadas, estremece pronto para a luta, ou quando qualquer outra emoção
sacode os seus membros e o faz relinchar?
LUCRÉCIO, De la nature, Paris, 1948, pp. 88-90 (Tradução livre da
nossa autoria)[3]
texto 3
A origem da
linguagem. Factores que contribuíram para a sua criação
Neste antepassado longínquo, cujo
cérebro era ainda impróprio para o raciocínio, a linguagem deve ter
começado por ser puramente emotiva. Teria sido originariamente um
simples canto ritmando a marcha ou o trabalho das mãos, um grito como o
do animal exprimindo a dor ou a alegria, manifestando um receio ou um
apetite. Depois, este grito, provido de um valor simbólico, teria sido
considerado como um sinal, capaz de ser repetido por outros; e o homem,
encontrando ao seu alcance este processo cómodo, tê-lo-ia utilizado para
comunicar com os seus semelhantes, prevenir ou provocar um acto. Antes
de ser um meio de raciocinar, a linguagem deve ter sido um meio de
acção, e um dos mais eficazes de que o homem pôde dispor. Uma vez
despertada na mente a consciência do sinal, nada mais restava do que
desenvolver esta invenção maravilhosa. Ao mesmo tempo que o cérebro se
desenvolvia, ia-se também aperfeiçoando o aparelho vocal. No interior
dos primeiros agrupamentos humanos, a fixação da linguagem operava-se de
acordo com as leis que regiam toda a sociedade. Em particular, nas
cerimónias colectivas, as mesmas manifestações vocais ou corais
impunham-se a todos os membros do grupo. Os elementos do grito ou do
canto encontravam-se assim providos de um valor simbólico que cada
indivíduo retinha para seu uso pessoal. E, pouco a pouco, graças à
multiplicidade crescente de permutas sociais, ficaria finalmente
constituído na sua riqueza incomparável este aparelho complicado que
serve para exprimir os sentimentos e os pensamentos, todos os
sentimentos e todos os pensamentos.
Esta hipótese, apesar de impossível de
demonstrar, não deixa de apresentar verosimilhança. Ela tem sobretudo o
interesse de fazer compreender de que modo a linguagem foi um produto
natural da actividade humana, um resultado da adaptação das faculdades
do homem às necessidades sociais. Basta partir da consciência do signo.
Uma vez feita esta aquisição, toda a linguagem se desenvolve por via de
diferenciações sucessivas.
J. VENDRYES, Le langage.
Introduction linguistique à l'histoire. Paris, La Renaissance du
Livre, 1929, pp. 16-17.
Os três textos transcritos reflectem sobre a
linguagem e as suas origens, mas abordam problemas distintos. O diálogo
travado entre Sócrates e Crátilo incide essencialmente sobre o problema
da convencionalidade do signo linguístico. Embora fosse preferível
representar os objectos por sons que lhes fossem idênticos, tal como
numa pintura se representam os objectos através das formas e das cores,
obtendo-se deste modo um retrato fiel do objecto, a verdade é que, no
domínio da linguagem, os objectos não podem ser representados por sons
que lhes sejam equivalentes pelo simples facto de constituírem entidades
físicas totalmente diferentes dos objectos. Daí a arbitrariedade do
signo linguístico. É indiferente baptizar um objecto com um nome ou com
outro qualquer. O que é importante, isso sim, é estabelecer-se a
convenção entre um som e um determinado objecto. Deste modo, como afirma
Platão pela boca de Sócrates, «os nomes são convenções e estes
representam os objectos de acordo com essas convenções».
Vejamos um exemplo concreto para melhor
compreendermos o problema da convencionalidade do signo linguístico.
Quando, há alguns anos, foi descoberto um produto que hoje todos
conhecemos por insulina, esse produto não tinha qualquer nome.
Havia que lhe conferir uma etiqueta linguística. O seu descobridor
pensou em chamar-lhe «ilheuzina. Mas o nome não soava bem. Talvez
recorrendo ao Latim fosse possível dar-lhe um nome mais aceitável, um
nome mais sonante. «Ilheuzina» estava relacionado com 'ilha/ilhéu'. Se
em Latim ilha se designa por INSULA(M), por que não dar o nome de
INSULINA ao novo produto, aproveitando o étimo latino e a terminação do
primeiro nome atribuído? E deste modo surgiu o nome pelo qual hoje
todos nós conhecemos um produto vital para muita gente
─
a insulina.
Os dois textos seguintes reflectem sobre a génese
da linguagem. Segundo Lucrécio, os diversos sons da linguagem são um
produto natural, tendo sido a necessidade de comunicar que levou o
Homem a nomear os objectos. Por outro lado, apresenta-nos a linguagem
como um fenómeno social. Vendryes procura também explicar, de uma
maneira verosímil, a origem da linguagem nas sociedades humanas.
Inicialmente, seria um simples canto ou um simples grito para exprimir a
dor ou a alegria. Depois, nas cerimónias colectivas, as mesmas
manifestações sociais ou corais ter-se-ão imposto a todos os elementos,
adquirindo valor simbólico, retendo cada um o seu valor para uso
pessoal. Com as permutas sociais, a linguagem ter-se-á desenvolvido, ao
mesmo tempo que também as capacidades intelectuais, até atingir a forma
e complexidade actual. Portanto, a linguagem humana terá sido um produto
natural da actividade do homem e o resultado da adaptação das faculdades
humanas às necessidades sociais.
A linguística, tal como hoje a concebemos, só
começou a formar-se a partir do século XVIII e a ter a sua forma actual
no princípio do século XX, desenvolvendo-se independentemente na Europa
e na América, com concepções radicalmente diferentes, sem que tivessem
conhecimento uns dos outros.
Embora se apresentem as origens da linguística na
Antiguidade Clássica, aceita-se, actualmente, que o pai da moderna
linguística é Ferdinand de Saussure, a quem se ficaram a dever os
primeiros trabalhos com rigor científico. Podemos dizer que a
linguística nasce em 1916, com a publicação do famoso Cours de
linguistique générale de Saussure.
LINGUAGEM
Muito se tem escrito sobre se a linguagem,
actividade que visa a comunicação, é atributo exclusivo dos
seres humanos ou se, pelo contrário, é inerente a todos os seres vivos.
Actualmente, e como no-lo atestam diversos trabalhos de pesquisa desenvolvidos nas últimas
décadas, tem-se chegado à conclusão que a linguagem é uma actividade
realizada por diferentes espécies animais, especialmente pelas mais
evoluídas, sobretudo entre aquelas em que a vida social está bastante
desenvolvida e estruturada. Leiam-se, a título documental, os excertos
transcritos em nota, extraídos de obras de pesquisa e de artigos
comummente difundidos nos órgãos de comunicação social, que nos revelam
constatações e experiências levadas a cabo com certas espécies animais
no domínio da comunicação, entre elas e, inclusivamente, com os seres
humanos[4].
Uma vez que a linguagem não é exclusivo do Homem,
teremos de a considerar sob dois aspectos: a) - de uma maneira ampla;
b) - de uma maneira restrita.
De maneira ampla, em sentido lato, poderemos
definir linguagem como uma actividade realizada pelos seres vivos que
tem por objectivo a comunicação; no sentido restrito, isto é, aplicado
exclusivamente ao homem, poderemos dizer que a linguagem é uma
actividade humana cultural e finalística. É uma actividade cultural na
medida em que se enquadra num conjunto de actividades realizadas pelo
homem como participante numa comunidade ou sociedade, conjunto esse a
que se dá o nome de cultura. É finalística uma vez que tem em vista uma
finalidade bem precisa, um fim determinado
─
a comunicação.
Vejamos ainda outras definições correntes de
linguagem, que confirmam e completam tudo quanto anteriormente dissemos:
Conjunto complexo de processos decorrentes de uma
actividade psíquica e social, que torna possível a aquisição e o emprego
de uma língua qualquer[5].
Todo o sistema de sinais que serve de meio de
comunicação entre os indivíduos.
Poderíamos ainda apresentar muitas outras
definições de linguagem. Parece-nos, no entanto, que tudo quanto foi
dito é mais do que suficiente para ficarmos com uma noção precisa deste
conceito[6].
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Figura 7: Existem duas
grandes classes ou tipos de linguagem
– a linguagem humana
e a linguagem animal. |
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Se a linguagem é uma actividade realizada pelos
seres vivos, que tipos poderemos então considerar? Essencialmente,
poderemos considerar dois tipos: a linguagem animal e a linguagem
humana. E dentro desta última podemos encontrar uma enormíssima
diversidade de linguagens: a linguagem dos gestos, dos sinais de
trânsito, de fumo, dos tan-tans dos tambores no meio da selva, a
linguagem das cores, da música, etc., etc., etc., e, sobretudo, a mais
importante de todas, a linguagem verbal.
Temos, portanto, a considerar, de um lado, a
linguagem animal; do outro, a linguagem humana. Embora seja esta última
a que essencialmente nos interessa, convirá reflectir um pouco acerca de
ambas e ver em que medida se diferenciam. Alguma vez teremos visto os
animais irem à escola para aprenderem a sua linguagem, tal como os seres
humanos para aumentarem não só a sua competência linguística, mas também
a sua bagagem cultural? Todos nós verificámos já que uma criança só ao
fim de certo tempo começa a pronunciar as primeiras palavras, ao passo
que qualquer animal, após o nascimento, vem já dotado da linguagem que
empregará ao longo de toda a sua existência. Por outro lado, dentro de
uma mesma espécie animal, os comportamentos e formas de comunicação são
sempre os mesmos, ao passo que, para a espécie humana, os comportamentos
são os mais variados e, no domínio da comunicação, cada país apresenta,
no geral, a sua língua específica, dificultando a comunicação entre os
homens. Para completar toda esta série de diferenças, verificamos ainda
que a linguagem animal é extremamente limitada, ao passo que o homem é
capaz de exprimir praticamente tudo o que pretende: desejos, emoções,
ordens, informações, pensamentos, etc.
Sistematizando tudo quanto dissemos relativamente
às linguagens animal e humana, poderemos obter o quadro da figura 8,
apresentado nesta página..
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Figura 8: Quadro com as
diferenças entre a linguagem animal e a linguagem humana. |
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Ainda acerca das diferenças entre a linguagem
humana e a linguagem animal, convirá referir que o grau de variabilidade
da linguagem humana é de tal modo elevado, que esta difere não só de
país para país, mas também, dentro de uma mesma língua, a variabilidade
se verifica quer no plano diacrónico, quer no plano sincrónico. Embora
todos os sujeitos falantes de um país utilizem, em regra, o mesmo código
linguístico, há a considerar toda uma série de variedades regionais que,
embora nem sempre impossibilitem a comunicação, são sentidas como
diferenças. Por outro lado, a língua é como que um organismo vivo em
permanente evolução, o que significa que, ao longo dos anos, uma língua
vai sofrendo alterações profundas. Há palavras que nascem e entram na
moda, enquanto outras saem da circulação, acabando por cair no
esquecimento. E só não se perdem definitivamente porque ficam registadas
nas obras e nos dicionários. Noutros casos, determinados vocábulos,
embora se mantenham em uso através dos tempos, vão sofrendo alterações a
nível semântico, adquirindo, por vezes, sentidos totalmente diferentes
dos originais.
FACTORES DA COMUNICAÇÃO
Interessa à
linguística, bem como a todos nós, neste momento, essencialmente
uma espécie de linguagem
─ a chamada linguagem verbal, falada ou
articulada. Sendo a linguagem um sistema de comunicação, para que
haja comunicação terá de existir um determinado número de factores ou
elementos sem os quais ela não poderá processar-se. Constituem esses
factores, respectivamente, dois sujeitos
─
emissor e receptor
─, um sistema de linguagem comum ou código, um
contacto imediato ou diferido entre os dois sujeitos, para que possa
haver transmissão e recepção, uma mensagem e um contexto.
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Figura 9: Situação de
comunicação mais frequente, de tipo bilateral, com alternância de
posições entre o emissor e o receptor. |
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Esta comunicação pode ser unilateral ou bilateral e
pode ainda ser imediata ou diferida. Significa isto que, embora a
comunicação se processe sempre no sentido do emissor para o receptor, a
verdade é que os sujeitos falantes podem alternar os seus estatutos de
emissor/receptor. Se A é sempre o emissor e B o receptor, a
comunicação será unilateral. Se os dois sujeitos falantes
trocam de posição, assumindo alternadamente os estatutos de emissor e de
receptor, teremos uma comunicação bilateral, estabelecendo-se
deste modo o diálogo. E se a comunicação se processa no mesmo período de
tempo entre o emissor e o receptor, diremos que a comunicação é
imediata. No caso de uma mensagem registada sobre um suporte
qualquer
─ por meio de gravação (fita magnética ou disco) ou
de registo escrito (carta, p. ex.)
─
em que o contacto entre emissor e receptor só se estabelece passado
algum tempo, estaremos na presença de uma comunicação diferida.
Há um caso específico de comunicação que se
processa apenas num sentido, não havendo alternância de estatuto
emissor/receptor. Trata-se do caso particular da difusão, em que
existe um emissor, um meio de comunicação ou canal de comunicação
─
neste caso dos órgãos de informação: imprensa, rádio, televisão
─
e um número indefinido de receptores
─
os leitores ou os auditores ou espectadores.
Vejamos de maneira pormenorizada os diferentes
esquemas possíveis de comunicação. O esquema mais frequente é aquele que
corresponde à permuta de mensagens verbais entre dois elementos
─
emissor e receptor
─, verificando-se nesta situação de diálogo uma
permuta dos estatutos de emissor/receptor, de acordo com o esquema
representado na figura 9. Nesta situação, o emissor codifica a
mensagem, transmite-a mediante a realização de um acto de fala e,
em seguida, uma vez recebida pelo sujeito receptor, é por ele
descodificada. No momento seguinte, inverte-se a polaridade. O que
anteriormente era receptor passa agora a desempenhar a função de
emissor. Codifica uma mensagem, transmite-a e esta é recebida e
descodificada pelo sujeito que, de emissor que era, passou agora a
receptor. E esta situação de alternância do estatuto emissor/receptor
mantém-se sucessivamente enquanto durar a situação de diálogo.
Outro esquema de comunicação frequente e já atrás
referido é o da chamada difusão. Neste caso, exceptuando-se
pequenos casos pontuais e que não constituem mais do que a excepção que
vem confirmar a regra, a situação de comunicação é unilateral, isto é,
verifica-se apenas num único sentido, não havendo alternância dos
estatutos de emissor/receptor. A mensagem produzida pelo emissor é
recebida por um número indeterminado de receptores através de um canal
ou meio de comunicação, que pode ser variável. Esse meio de comunicação
por difusão é normalmente constituído pelos órgãos de comunicação
social: a rádio, a televisão e a imprensa. Veja-se o esquema apresentado
na figura 10.
Figura 10: Esquema da difusão.
Além dos dois esquemas de comunicação referidos,
poderemos ainda considerar os casos da comunicação em grupo, cujo
conhecimento é importante, especialmente quando nos encontramos em
situações de comunicação em grupo. É que se a comunicação entre duas
pessoas à partida pode não oferecer grandes dificuldades, o mesmo já não
se poderá dizer quando o número de intervenientes aumenta.
Podemos considerar diferentes tipos de situação
de comunicação em grupo:
1 -
situação em que um emissor se dirige a um grupo de receptores;
2 -
situação de comunicação em cadeia;
3 -
situação de comunicação em cadeia a nível de grupos por escalões;
4 -
situação de um receptor e vários emissores.
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A primeira situação em grupo,
documentada pela figura 11, é aquela em que um emissor tem de se
dirigir a um grupo de receptores. É o caso da conferência, do
discurso, da palestra, e de muitas outras situações idênticas. Neste
caso, à medida que vai aumentando o número de receptores, maiores
serão as dificuldades surgidas na comunicação. |
Figura 11:
Situação em que um emissor fala para vários receptores. |
Numa situação destas, atendendo ao
elevado número de receptores e à respectiva variabilidade das suas
competências linguísticas, maior terá de ser o cuidado do emissor na
codificação e na transmissão da mensagem. À partida, o emissor terá de ter sempre em
mente a preocupação de se fazer entender por todos, pelo que terá de ter
cuidado não só com o registo de língua a utilizar, mas com todo um
conjunto de condições que permitam uma boa audição e atenção do
ouvinte. A este respeito, é de toda a conveniência recordar o que se
disse no capítulo II, páginas 44-46, relativamente ao problema da
leitura em voz alta.
A segunda situação
─
a da comunicação em cadeia
─ verifica-se quando um emissor se dirige a um
receptor, o qual, por sua vez, transmite a mensagem a outro, e assim
sucessivamente. Esta situação de comunicação em cadeia, documentada pelo
esquema da figura 12, ocorre com grande frequência no dia-a-dia. É
aquela em que a mensagem corre o maior risco de deturpação,
correspondendo ao velho ditado popular «quem conta um conto
acrescenta-lhe um ponto»[7].
Figura 12: Situação de comunicação em cadeia.
Quando numa situação de relação profissional, a
nível de uma empresa, se torna necessário este tipo de comunicação, esta
processa-se normalmente em grupos por escalões, de acordo com o esquema
apresentado na figura 13. «A» envia ao grupo «B» determinada
mensagem; um dos elementos do grupo «B» envia-a, por sua vez, ao grupo
do escalão «C»; um dos elementos deste escalão envia-a para o escalão
seguinte; e assim sucessivamente. Como é fácil de deduzir, se a mensagem
for de tipo oral, o risco de perda ou alteração do conteúdo informativo
é grande. Isto será evitado se a mensagem for enviada por escrito a cada
um dos escalões e se cada um a reproduzir rigorosamente de acordo com o
original.
Figura 13: Esquema da comunicação em grupo por
escalões.
Habitualmente, quando há que recorrer a este tipo
de comunicação em cadeia por escalões, é feito um controlo da mensagem
junto do último elo da cadeia, a que se dá o nome de feed-back, e
cujo objectivo é o de permitir saber se a mensagem final coincide com a
original.
Figura 14: Situação de comunicação em que há
um receptor e vários emissores.
A última situação referida é aquela em que há
apenas um receptor e vários emissores, segundo um esquema totalmente
oposto ao da figura 11 e documentado na figura 14. Esta situação ocorre
quando há um grupo de várias pessoas que se dirigem a uma só. É a
situação com que cada um de nós nos deparamos diariamente. Cada cidadão
recebe por dia um elevado número de mensagens, provenientes das mais
diversas fontes
─
rádio, televisão, jornais, cartazes, conversas com os amigos, etc. Desse
elevado número, que constitui um excesso de informação do mundo moderno,
apenas se consegue reter e restituir, no máximo, umas 10 a 15 mensagens.
E mesmo assim, para reter este número, é necessário que as mensagens
tenham obtido junto do receptor um razoável impacto, susceptível de o
levar a memorizá-las[8].
De todos os esquemas da comunicação possíveis de
apresentar, vamo-nos agora centrar no apresentado por Roman JAKOBSON e,
a partir dele, efectuar uma breve análise dos diferentes factores da
comunicação. Observe-se o esquema da figura 15.
Figura 15: Esquema da comunicação segundo R.
Jakobson.
Para se poder estabelecer a comunicação, tem de
haver um conjunto de elementos constituídos por dois sujeitos, um
emissor (destinador ou remetente), que produz e emite uma
determinada mensagem, e um receptor (ou destinatário), a
quem ela é dirigida. Mas para que a comunicação se processe
efectivamente entre um e outro, sendo a mensagem efectivamente recebida
e descodificada pelo receptor, é necessário que ambos estejam dentro do
mesmo contexto, isto é, ambos devem conhecer os referentes
situacionais, devem utilizar um mesmo código e deve haver entre
eles um canal de comunicação e um efectivo contacto. Se
falhar qualquer um destes elementos ou factores, ocorre uma situação de
ruído na comunicação, que pode ir desde a incompreensão total da
mensagem a uma deficiente interpretação da mesma, com inevitável
deformação do conteúdo transmitido.
De uma maneira mais sistematizada, vejamos como
definir cada um dos diferentes factores da comunicação:
Emissor
─
também designado pelas expressões destinador ou remetente, é aquele que
produz e emite uma mensagem;
Receptor
─
é aquele a quem é dirigida a mensagem. É também designado por
destinatário. A comunicação só se verificará se a mensagem chegar ao
receptor e se este for capaz de a descodificar, isto é, de compreender a
mensagem;
Mensagem
─
constitui o conteúdo da comunicação. É a informação transmitida no acto
da comunicação, a qual pode ser produzida oralmente ou por escrito;
Contexto
─
o contexto ou referente situacional é o conjunto de condições ou
situação em que se gera a mensagem. Esse conjunto de condições ou
referentes situacionais pode ser de natureza temporal, espacial, etc.
Contacto ou canal da comunicação
─ Habitualmente considera-se o contacto como
equivalente do canal de comunicação. No entanto, há uma certa diferença
entre estes dois conceitos. O canal de comunicação é o meio que assegura
a comunicação, através do qual ela se processa. Este canal poderá ir
desde o ar, através do qual se propagam as ondas sonoras produzidas pela
cadeia fónica, até aos suportes onde a mensagem é registada e que
veiculam a mensagem entre o emissor e o receptor. É o facto de a
mensagem poder ser registada sobre vários tipos de suporte que faz com
que a comunicação possa ser imediata ou diferida. O contacto consiste na
efectiva recepção da mensagem pelo receptor. Só quando ele toma
conhecimento efectivo da mensagem é que o contacto se estabelece.
Código
─
é o sistema de comunicação utilizado, o qual terá de ser comum ao
emissor e ao receptor para que possa haver efectivo contacto, efectiva
compreensão das mensagens. Esse código é normalmente a língua, que
constitui o sistema de comunicação linguística comum ao emissor e ao
receptor.
Deveremos ainda acrescentar aos seis factores da
comunicação uma outra noção importante e já atrás referida
─
a de ruído. Acontece que numa situação normal de comunicação há
uma tendência permanente para a degradação da mensagem. Segundo
trabalhos de pesquisa sobre este problema, verifica-se em média uma
degradação de cerca de 20 %. Esta perda de informação é devida a
diversos factores, que podem ir desde uma deficiente codificação ou
descodificação da mensagem, isto é, factores de natureza psicolinguística, a factores de natureza fisiológica e de natureza
psicológica, a que se poderão juntar as condições físicas do local onde
se processa a comunicação. No sentido linguístico, diz-se que há
ruído sempre que ocorre qualquer situação que impossibilita uma
perfeita recepção ou descodificação da mensagem recebida, que pode ir
desde a não recepção da mensagem pelo receptor até à sua deficiente
descodificação, provocada, por exemplo, pelo facto de um vocábulo ser
mal interpretado ou ser completamente desconhecido.
É para evitar eventuais ruídos na comunicação que,
frequentemente, os sujeitos falantes recorrem a uma linguagem
redundante ou, mais frequentemente, à metalinguagem, como
sucede nestes textos quando, após um conceito ou definição, dizemos
«isto é» e, em seguida, damos uma nova definição do mesmo conceito. No
entanto, o conceito de redundância é mais complexo do que o exemplo que
acabámos de dar, pelo que se aconselha a leitura atenta dos textos
transcritos[9].
A situação de ruído na comunicação pode
verificar-se a vários níveis, devido a uma perturbação afectando
qualquer um dos factores indicados no esquema entre o emissor e o
receptor. Pode gerar-se devido aos dois sujeitos não se encontrarem
dentro do mesmo contexto ou por uma deficiência no contacto ou no canal
de comunicação ou ainda por desconhecimento do código. Portanto, para
que a mensagem seja plenamente recebida, plenamente entendida, é
necessário que emissor e receptor estejam dentro da mesma situação,
possuam o mesmo código e haja entre eles um efectivo contacto ou
recepção da mensagem.[10]
A linguagem realiza-se por meio de um sistema de
sinais duplos, uma vez que o signo linguístico comporta sempre
dois aspectos: um aspecto físico, constituído por uma cadeia de
sons, e um aspecto representativo ou significativo, na
medida em que aponta para um significado ou conceito. Vejamos um caso
concreto, por exemplo, o signo ou significante LIVRO. Este significante
é constituído por uma cadeia de sons, pela sequência das sílabas LI e
VRO, que pronunciamos e que é captada pelo receptor. A esta cadeia
sonora está associado, na nossa mente, um objecto com uma determinada
forma e função. É o objecto a que foi dado o nome de LIVRO.[11]
A comunicação pode ser encarada sob dois planos de
realização: o plano do oral e o plano do escrito ou, como
também é correntemente designado, o código oral e o código
escrito. Entre estas duas formas de realização ou códigos há
diferenças bastante acentuadas, que passaremos a enumerar:
●
1
─
Enquanto no código oral a emissão e a recepção são sucessivas, no código
escrito o espaço entre a emissão e a recepção é mais longo, podendo ir
desde horas a vários dias ou anos;
●
2
─
O código oral contém poucas descrições, enquanto o escrito as apresenta
em maior número;
●
3
─
Enquanto o código oral emprega pausas e entoações, o código escrito
emprega, para as substituir e facilitar a comunicação, sinais de
pontuação;
●
4
─
O código oral emprega frequentemente gestos, expressões faciais,
entoações, acentos de intensidade, enquanto o código escrito é obrigado
a recorrer às descrições para suprir essas características;
●
5
─
De uma maneira geral, o código oral é menos extenso e o código escrito
mais extenso;
●
6
─
O código oral é menos reflectido, mais espontâneo, e o código escrito é
mais reflectido e, portanto, menos espontâneo. Daqui resultará também
que o código oral poderá apresentar maior número de desvios em relação à
norma linguística, enquanto o escrito terá tendência para reduzir e
eliminar esses desvios;
●
7
─
O código oral permite uma alternância imediata entre os sujeitos na
situação de emissor/receptor, enquanto na realização escrita essa
alternância se torna praticamente impossível ou, quando existente,
extremamente demorada.[12]
[1] –
JULIA KRISTEVA, História da linguagem, Col. Signos, Nº 6,
Edições 70, 1983, pág. 13.
[2]
–
PLATÃO, Cratyle, Ed. Garnier Flammarion, pp. 462-463.
Platão, autor do primeiro texto transcrito, foi um célebre filósofo
grego (428-347 a. C..), discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles.
O seu nome verdadeiro era Arístocles. Platão era uma alcunha, devida
ao seu físico. Plato, em grego, significa 'de ombros largos'.
Da sua obra chegaram até nós 27 diálogos.
Após a morte de Sócrates, seu mestre, Platão, procura eternizar-lhe
os ensinamentos. Ao contrário dos sofistas, que procuravam
ensinar a triunfar na vida pública sem olharem aos meios, Sócrates
convidava à AUTOGNOSE, tendo em vista alcançar a verdadeira
perfeição
─
a da alma.
Fundou nos jardins da casa de Academus a sua escola, que tomou o
nome de ACADEMIA. Platão reunia-se aqui com os seus discípulos para
estudar Filosofia, Ciências, Matemática e Geometria. A escola
subsistiu por vários séculos, até 529 d. C., ano em que o imperador
romano Justiniano a mandou encerrar.
Dos seus discípulos o mais célebre terá sido Aristóteles.
Algumas das principais obras de Platão: República, As Leis,
Timeu, Fedro, Banquete, Crítias, Protágoras e Apologia (consultem-se
as enciclopédias, p. ex., "Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura-Verbo", vol. 15, cols. 272-281 e enciclopédia "Conhecer", pp. 749-747).
Sócrates, personagem principal no diálogo de Platão, foi um
filósofo ateniense (470-399 a. C.), filho do escultor Sofronisco e
da parteira Fenareta. Casado com Xantipa, de quem teve filhos, nunca
saiu de Atenas a não ser em serviço militar.
Figura bastante controversa, ensinava na ágora ('praça
pública'). Foram seus discípulos Platão, Xenofonte e Aristóteles.
Foi acusado de corromper a juventude com as suas ideias e de
introduzir deuses novos na cidade. Julgado em tribunal, foi
condenado à morte pela cicuta. Além da ágora, utilizava os
ginásios para interrogar quem lhe aparecia, sobretudo os jovens,
numa procura conjunta da verdade.
Não deixou obra escrita. Os seus ensinamentos eram ministrados
oralmente. No entanto, é referido em diversas obras: As Nuvens,
de Aristófanes; Apologia de Sócrates, Banquete,
Memoráveis, de Xenofonte; em toda a obra de Platão, excepto nas
Leis; Metafísica, Ética a Nicómano de
Aristóteles.
[3] –
Caro Tito LUCRÉCIO (99/95 a. C.
─
55/51 a. C.) foi um poeta latino de cuja vida nada se sabe. Foi
autor de um poema didáctico De rerum natura, considerado
dentro do seu género como uma das obras mais significativas da
literatura universal.
O De rerum natura
compõe-se de seis livros, que se podem agrupar em três séries de
dois:
- a primeira, trata da teoria atomista da vida na generalidade;
- a segunda tem por tema a alma e o conhecimento;
- a terceira, trata do sistema do universo, da génese e da morte dos
mundos.
Acerca do conteúdo da obra deste autor, leia-se a síntese de M.
Antunes, na "Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura-Verbo", vol.
12, cols. 633-636.
[4] –
Leia atentamente os dois textos transcritos, procurando efectuar uma
síntese das informações mais importantes neles contidas para a
matéria em estudo. Leia também o texto 3, mais recente, extraído da
revista Science et Vie, apresentado nas sugestões de trabalho
do capítulo II, páginas 79 a 81.
texto 1
O papel da
comunicação na tomada de uma decisão
colectiva entre as abelhas
Imediatamente
após terem constituído um novo enxame, as abelhas reúnem-se à volta
da rainha e formam um «cacho», que fica, na maior parte do tempo,
suspenso numa árvore dos arredores. É então às exploradoras que
incumbe a tarefa de descobrir para a jovem colónia um abrigo
apropriado: uma árvore oca, uma cavidade arranjada num rochedo ou
num muro, uma colmeia vazia, e assim sucessivamente. As emissárias
partem às dezenas em todas as direcções e não será necessário muito
tempo para que uma ou outra abelha descubra, aqui ou ali, um lugar
que mereça ser tido em conta, ainda que a quilómetros de distância.
No regresso, as exploradoras, cujas pesquisas foram coroadas pelo
sucesso, dançam sobre o cacho formado pelo enxame e indicam deste
modo a direcção e a distância a que os abrigos se encontram,
exactamente como fazem as encarregadas das provisões para a
localização de uma colheita. Em seguida, observa-se um número
crescente de danças no enxame; umas indicam uma pequena distância,
outras uma maior; estas uma tal direcção, outras uma outra, cada uma
de acordo com o habitat descoberto.
É curioso constatar que o vigor com que a dança convida as
obreiras a juntar-se-lhe está em relação com as características do
lugar. Do mesmo modo que, relativamente a uma colheita abundante e
muito doce, as danças são plenas de vitalidade e conseguem
sensibilizar toda a colónia e também se tornam mais fracas se o
néctar possui menos qualidades, também as exploradoras, apoiando-se
em normas muito rigorosas, dançam tanto mais vigorosamente quanto o
abrigo por elas descoberto responde às necessidades da colónia. E
aqui entram em jogo muitos factores: dimensões da cavidade
encontrada, o facto da sua entrada ser protegida do vento, a
ausência de correntes de ar no interior, eventual odor agradável
para as abelhas, e sabe Deus que mais!
Então, em algumas horas ou, por vezes, em alguns dias, produz-se um
facto notável. As bailarinas mais animadas são seguidas por um
número cada vez maior de companheiras que foram explorar o local
assinalado e que
─
após se terem "de visu" convencido das suas qualidades
─
se põem também elas a dançar e a fazer a sua propaganda. Acontece
mesmo que dançarinas que, até então, procuravam arranjar aderentes à
sua causa, acabam por se deixar levar pelo turbilhão de uma
exploradora mais bem sucedida e se deixam converter, a ponto de irem
visitar o novo abrigo e acabarem por fazer também o recrutamento
para a sua rival. Muitas exploradoras, não podendo defender a sua
descoberta com tanto ardor, cessam pura e simplesmente de dançar a
partir do momento em que as coisas atingem este estádio. A pouco e
pouco chega-se a uma unificação: todas dançam ao mesmo ritmo e
segundo a mesma direcção e, a partir do momento em que se atinge
este estádio, o cacho do enxame desloca-se e voa, conduzido por
centenas de obreiras que já conhecem o caminho para o objectivo que
recolheu, de entre todos, o maior número de sufrágios.
Traduzido de K. von FRISCH, Vie et moeurs des abeilles,
Paris, 1956, pp. 169-170
texto 2
Os golfinhos entram
na conversa
Até há alguns anos pensava-se que os peixes eram completamente
mudos. No entanto, os cientistas chegaram à conclusão de que muitos
sons emitidos pelos animais marinhos são por eles bem entendidos,
embora o ouvido humano não os perceba. Por outro lado, os golfinhos,
segundo estudos de cientistas soviéticos, empregam nas «conversas»
entre si mais de 800 sinais, enquanto o homem no dia-a-dia utiliza
apenas 500 a 700 palavras.
A variedade de sons no mundo aquático não é inferior aos que se
registam numa floresta, conforme concluiu o Laboratório Bioacústico
do Instituto de Morfologia Evolutiva e Ecologia Animal A. N.
Severtsov, da Academia das Ciências da URSS.
No entanto, são os golfinhos, cetáceos mamíferos, e não os peixes,
os animais marinhos mais «comunicativos»; e daí que os
investigadores se interessem especialmente por eles. Está hoje
provado que os cetáceos têm um órgão de audição perfeito capaz de
captar oscilações que vão desde os infra-sons até aos ultra-sons,
muito para além dos limites do ouvido humano.
A voz do golfinho foi pela primeira vez registada pelo biólogo
norte-americano F. Wood, em 1951. A partir dessa altura muitas e
importantes descobertas foram feitas, das quais resultou a hipótese
da possível capacidade dos golfinhos conversarem conscientemente com
o homem. Seguiram-se anos de desapontamento, chegando-se à conclusão
que as possibilidades de contacto tinham sido exageradas.
Nova vaga de esperanças surgiu com golfinhos «falantes». De
acordo com cientistas americanos, em 15 meses, o golfinho «Elvar»
aprendeu a reproduzir sons semelhantes à fala humana. A frequência
desses sons era mais alta do que a de um adulto, homem ou mulher, e
pareciam-se mais com a voz de uma criança –
primeiro o seu palrar e depois palavras separadas. Mas esse «falar»
assemelhava-se ao de um papagaio.
«No tamanho e no número de convulsões do cérebro, o golfinho
difere pouco do homem», diz Ievgeny Romanenko, chefe do Laboratório
de Bioacústica do Instituto Severtsov.
«Presentemente, o Instituto chegou à conclusão de que os golfinhos,
ao "conversarem" entre si, usam mais de 800 sinais diferentes. Este
número é impressionante, se tivermos em conta que, regra geral, o
homem necessita entre 500 a 700 palavras para a comunicação diária.
Registamos «frases» completas dos golfinhos em diferentes
circunstâncias.
«Os estudos sobre golfinhos são cheios de interesse. Foi, por
exemplo, observado que, quando dois golfinhos nadam juntos, trocam
entre si um complicado conjunto de sons. Se o experimentador
interfere na sua «conversa», eles reagem.
Muito do que se conhece dos golfinhos continua inexplicado. O
volume de dados ainda é insuficiente para traçar conclusões finais.
Os estudos do Laboratório Bioacústico do Instituto Severtsov
continuam. Um grupo do Instituto está presentemente na regular
expedição de Verão. Espera-se que ela contribua para desvendar os
mistérios do mais maravilhoso dos animais do Oceano.
Extraído de "O Primeiro de Janeiro" de 7 de Agosto de 1979.
NOTA:
Sobre o problema da comunicação entre os animais há vários artigos
em diversas revistas. Veja-se, por exemplo, o artigo de YVELINE
LEROY, Les signaux de communication, in: Science et Vie,
Hors Série Nº 125, 1978, pp. 24-36.
[5] –
TATIANA SLAMA-CASACU, Langage et contexte, Haia, pág. 20.
[6] –
Como última definição de linguagem, leia-se o texto extraído do já
citado Dictionnaire de Linguistique, pág. 274, que apresenta
a característica de restringir a linguagem à espécie humana:
«A linguagem é a capacidade específica da espécie humana
de comunicar por meio de um sistema de sinais vocais (ou língua)
pondo em jogo uma técnica corporal complexa e supondo a existência
de uma função simbólica e de centros nervosos geneticamente
especializados. Este sistema de sinais vocais utilizado por um grupo
social (ou comunidade linguística) determinado constitui uma língua
particular. Pelos problemas que põe, a linguagem é objecto de
análises muito diversas, implicando relações múltiplas: a relação
entre o sujeito e a linguagem, que é o domínio da
psicolinguística, entre a linguagem e a sociedade, que é o
domínio da sociolinguística, entre a função simbólica e o
sistema que constitui a língua, entre a língua como um todo e as
partes que a constituem, entre a língua como sistema universal e as
línguas que dela são formas particulares, entre a língua particular
como forma comum a um grupo social e as diversas realizações desta
língua pelos locutores, tudo isto sendo o domínio da linguística.
Estes diversos domínios estão necessária e estreitamente ligados uns
com os outros. (...)
In: Dictionnaire de linguistique, Librairie Larousse,
1973, p. 274.
[7] –
Leia-se o texto humorístico a seguir apresentado,
que documenta uma situação de comunicação em cadeia em que a
mensagem inicialmente transmitida foi altamente deturpada:
Eclipse do Sol
O coronel ao subcomandante:
–
Amanhã, às nove horas, haverá um eclipse do Sol, coisa que não
acontece todos os dias. Todos os homens devem deixar o alojamento e
formar na rua, em frente ao quartel, de uniforme de faxina, para
verem esse raro fenómeno, que explicarei a eles. Em caso de chuva,
não conseguiremos ver coisa alguma e, então, leve os homens para o
ginásio.
O subcomandante ao capitão:
–
Por ordem do coronel, amanhã às nove horas, haverá um eclipse do
Sol. Se chover, vocês não conseguirão vê-lo da rua em frente ao
quartel e, por isso, de uniforme de faxina, o eclipse do Sol terá
lugar no ginásio, coisa que não acontece todos os dias.
O capitão ao tenente:
–
Por ordem do coronel de uniforme de faxina, amanhã às nove da manhã,
o eclipse do Sol terá lugar no ginásio. O coronel dará ordem se
chover, coisa que não acontece todos os dias.
O tenente ao sargento:
–
Amanhã às nove horas, o coronel de uniforme de faxina vai eclipsar o
Sol no ginásio, como acontece todos os dias se o dia está bonito; se
chove, então na rua em frente ao quartel.
O sargento ao cabo:
–
Amanhã, às nove horas, o eclipse do coronel de uniforme de faxina
terá lugar por causa do Sol; se chover no ginásio, coisa que não
acontece todos os dias, vocês deixarão o alojamento e formarão na
rua em frente ao quartel.
Comentários entre os soldados:
–
Amanhã, se chover, parece que o Sol vai eclipsar o coronel no
ginásio. É pena que isso não aconteça todos os dias.
[8] –
Consulte-se o trabalho de J. Martins LAMPREIA, Técnicas de
Comunicação. Publicidade, propaganda, relações públicas,
Colecção Saber, Nº 140, Mem Martins, Publicações Europa-América,
1988, capº. II, pp. 21-29, acerca dos diferentes esquemas de
comunicação em grupo. Segundo este Autor, quotidianamente o homem da
cidade recebe, «em média, 1500 mensagens diárias, das mais diversas
proveniências (...) das quais apenas conseguirá memorizar umas 100 e
restituir 10 a 15, no máximo.» (p. 28)
[9] –
Leiam-se atentamente os dois textos teóricos a seguir transcritos
acerca dos conceitos de ruído e de redundância:
Texto 1
Quando há identidade de código entre A e B, a comunicação pode
instaurar-se. No entanto, a transmissão da mensagem pode sofrer
perturbações capazes de dificultar uma boa intercompreensão. Essas
perturbações afectam o canal de comunicação com muita frequência,
sob diferentes formas parasitárias: ora B recebe mal a mensagem
porque A pronunciou mal uma palavra, ora porque outra voz se superpôs momentaneamente à de A ou porque B estava desatento, etc.
Designa-se pelo termo ruído todo o fenómeno que se superpõe,
em graus e níveis diversos, à mensagem em sua transmissão.
Correlativamente, para compensar as perdas de informação devidas
ao ruído, para fazer com que um sinal mal percebido recupere o seu
valor em outro ponto da mensagem, a língua proporciona ao emissor um
procedimento específico, designado pelo nome de redundância:
não se trata da redundância de tipo retórico pela qual a mesma ideia
é retomada em formas variadas, mas de um desdobramento de marcas,
por exemplo de tipo gramatical. Na frase «A menina loira é charmosa.»,
a marca do feminino aparece cinco vezes: no artigo a, no substantivo «menina», no adjectivo adjunto «loira», e duas vezes no adjectivo
predicativo «charmosa» (terminação e abertura da vogal tónica).
Diremos que a informação "feminino" está marcada cinco vezes na
mensagem: fenómeno de redundância... In: E. GENOUVRIER e J. PEYTARD,
Linguística e ensino do português, Coimbra, Livraria Almedina,
1974, pp. 23-28.
Texto 2
Designamos por ruídos todos esses fenómenos que perturbam
de algum modo a transmissão da mensagem, afectando a sua clareza. O
ruído pode situar-se a vários níveis, por exemplo, no canal de
comunicação, sendo constituído por todo o tipo de interferências
sonoras ou visuais. (...)
O ruído pode produzir-se ainda motivado por um conhecimento
deficiente do código. (...)
No entanto, para compensar este risco de perda de informação
suscitada por um ruído, a língua possui um recurso próprio: a
redundância, entendida como todo o elemento que, na mensagem,
não é portador de nenhuma informação suplementar, apenas reforçando
a que ela já contém. As redundâncias surgem de formas diversas:
─
sintácticas (marcas de pessoa ou de género)
ex.: Eles partem sozinhos.
─
a marca do plural surge três vezes.
─
gestuais: juntar o gesto à palavra é redundante.
ex.: se se disser. «Vai-te embora!» estendendo-se o braço, o gesto
reforça o conteúdo da mensagem.
─
entoações: tal como o gesto, a entoação sublinha a informação da
mensagem.
In: Ana Maria Serra LOURENÇO, Língua Portuguesa, Colecção
Textos Pré-Universitários, 1979, 1º volume, p. 5.
[10] –
Leia atentamente o texto transcrito e procure identificar os
diferentes factores da comunicação:
São quinze e quarenta e cinco. Junto à paragem, o autocarro espera
pela hora da partida. No passeio, quase encostados ao autocarro, o
João e o Miguel conversam animadamente acerca da escola.
De repente, o Miguel lembra-se que são horas de ir para casa e que a
mãe lhe recomendara para não se demorar. Aflito, com medo de algum ralhete da mãe, despede-se à pressa do amigo e, ainda a olhar para
ele, diz-lhe adeus e atravessa a rua, passando pela frente do
autocarro e sem olhar para um e outro lado, como mandam as boas
regras da segurança.
Muito aflito, com receio que aconteça alguma coisa ao amigo, o João
berra-lhe:
–
Cuidado, nunca atravesses desse modo a rua, porque não vês o
trânsito. O perigo espreita a todo o momento.
[11] –
Para complemento da noção de SIGNO LINGUÍSTICO, leiam-se os
dois textos a seguir transcritos:
Texto 1
O signo linguístico une não uma coisa e um nome, mas um conceito e
uma imagem acústica. Esta última não é o som material, puramente
físico, mas a marca psíquica desse som, a sua representação,
fornecida pelo testemunho dos sentidos; é sensorial e se, por vezes,
lhe chamamos «material» é neste sentido e por oposição ao outro
termo da associação, o conceito, geralmente mais abstracto.
O carácter psíquico das nossas imagens acústicas surge bem claro
quando observamos a nossa própria linguagem. Sem mover os lábios nem
a língua, podemos falar connosco ou recitar mentalmente um poema. É
porque as palavras da língua são para nós imagens acústicas que não
devemos falar dos «fonemas» que as compõem. Este termo, que implica
uma ideia de acção vocal, só convém à palavra pronunciada, à
realização na fala da imagem anterior. Falando dos sons e das
sílabas de uma palavra, evitamos esse mal-entendido, desde
que nos lembremos de que se trata da imagem acústica.
(...)
Chamamos signo à combinação do conceito e da imagem
acústica; mas no uso corrente este termo designa geralmente só a
imagem acústica, por exemplo uma palavra (arbor, etc.).
Esquecemo-nos de que se chamamos signo a arbor é porque
encerra o conceito de «árvore» de tal forma que a ideia da parte
sensorial implica uma noção da totalidade.
A ambiguidade desapareceria se designássemos as três noções a que
nos referimos por meio de nomes relacionados uns com os outros mas
que estabelecessem oposição. Propomos manter a palavra signo
para designar o total e substituir conceito e imagem
acústica respectivamente por significado e
significante; estes dois termos têm a vantagem de marcar a
oposição que os separa entre si e que os distingue do total de que
fazem parte. Quanto ao signo, se o aceitamos é porque não
sabemos como o substituir, uma vez que a língua comum não sugere
nenhum outro.
O signo linguístico assim definido possui duas
características primordiais. Ao enunciá-las assentaremos os
princípios de qualquer estudo deste nível.
Primeiro princípio: a arbitrariedade do signo
O laço que une o significante ao significado é arbitrário, ou
melhor, uma vez que entendemos por signo o total resultante da
associação dum significante a um significado: o signo
linguístico é arbitrário.
Assim, a ideia de «pé» não está ligada por nenhuma relação à cadeia
de sons [p] + [ε]
que lhe serve de significante; podia ser tão bem representada por
qualquer outra: provam-no as diferenças entre as línguas e a própria
existência de línguas diferentes: o significado «rua» tem como
significante [ru ] dum lado da fronteira e [ka e] do outro.
O princípio da arbitrariedade do signo não é constestado por
ninguém; mas é muitas vezes mais fácil descobrir uma verdade do que
conceder-lhe o lugar que lhe compete. O princípio enunciado acima
domina toda a linguística da língua; as suas consequências são
inesgotáveis. É certo que nem todas aparecem com igual evidência a
uma primeira abordagem; só as descobrimos depois de várias
tentativas e só então alcançamos a importância primordial do
princípio.
Aproveitemos para afirmar que, quando a semiologia estiver
organizada, ela terá de decidir se o seu campo abarca também os
modos de expressão que assentam em signos naturais
─
como a pantomima. Ainda que os acolha, o seu principal objecto
continuará a ser o conjunto dos sistemas baseados na arbitrariedade
do signo. Com efeito, qualquer meio de expressão recebido numa
sociedade assenta, em princípio, num hábito colectivo ou, o que
resulta no mesmo, numa convenção. As formas de cortesia, por exemplo,
dotadas muitas vezes de uma certa expressividade natural (pensemos
nos Chineses, que saudavam o imperador inclinando-se nove vezes até
ao chão), são igualmente fixadas por uma regra; é essa regra que as
torna obrigatórias, e não o valor intrínseco que elas possam ter.
Podemos, portanto, dizer que os sinais puramente arbitrários
realizam melhor do que os outros o ideal do processo semiológico; é
por isso que a língua, o mais complexo e o mais difundido dos
sistemas de expressão, é também o mais característico de todos;
neste sentido, a linguística pode tornar-se o padrão geral de toda a semiologia, ainda que a língua seja apenas um sistema particular.
Há quem se sirva da palavra símbolo para designar o signo
linguístico, ou mais exactamente aquilo a que chamamos significante.
Não podemos esquecer os inconvenientes de tal designação, sobretudo
por causa do nosso primeiro princípio. O símbolo nunca é
completamente arbitrário; ele não é vazio; há sempre um rudimento de
ligação natural entre o significante e o significado. O símbolo da
justiça, a balança, não podia ser substituído por qualquer outro,
por um carro, por exemplo.
A palavra arbitrário exige também uma precisão. Ela não
deve dar a ideia de que o significante depende da livre escolha do
sujeito falante (veremos mais à frente que não está em poder do
indivíduo alterar o signo desde que ele tenha sido aceite por um
grupo linguístico); queremos dizer que ele é imotivado, isto é,
arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem, na
realidade, qualquer ligação natural.
Assinalemos, antes de terminar, duas objecções que poderiam ser
feitas a este primeiro princípio:
1ª –
Poder-se-ia partir das onomatopeias para dizer que a escolha
do significante não é sempre arbitrária. Mas elas nunca são
elementos orgânicos num sistema linguístico. O seu número é, aliás,
bem menor do que se julgava. Palavras como fr. fouet e port.
gemer podem impressionar certos ouvidos com uma sonoridade
sugestiva; mas para vermos que não têm essa característica desde a
sua origem basta recuarmos até às formas latinas (fouet deriva de
FAGUS, 'faia', gemer vem de GEMERE
─
com oclusiva inicial); a qualidade dos seus sons actuais, ou antes a
que lhes é atribuída, é um resultado casual da evolução fonética.
Quanto às onomatopeias autênticas (como glu-glu, tic-tac,
etc.) não só são pouco numerosas como a sua escolha é de certo modo
arbitrária, pois são a imitação aproximada e já meio convencional de
certos ruídos (compare-se o português ão-ão, o francês ouaoua
e o alemão wauwau). Além disso, uma vez introduzidas na
língua, elas são mais ou menos arrastadas na evolução fonética,
morfológica, etc., que sofrem as outras palavras (cfr. franc.
pigeon, port. cegonha, derivados de pipio,
ciconia, palavras onomatopaicas em latim): prova evidente de
que perderam qualquer coisa do seu carácter original para aceitarem
o do signo linguístico em geral, que é imotivado.
2ª – As exclamações, muito próximas das onomatopeias, dão
lugar a observações análogas e não são igualmente perigosas para a
nossa tese. Tentaram ver nelas expressões espontâneas da realidade,
ditadas, por assim dizer, pela natureza. Mas para a maior parte
delas pode-se afirmar que não há uma ligação necessária entre o
significante e o significado. Basta comparar duas línguas para ver
como estas expressões variam de uma para outra (por exemplo, ao
português ai! corresponde o alemão au!). Sabemos ainda
que muitas exclamações começaram por ser palavras com sentido
determinado (cfr. credo!, homessa!, etc.).
Em resumo, as onomatopeias e as exclamações são de importância
secundária e a sua origem simbólica é em parte contestável.
Ferdinand de SAUSSURE, Curso de linguística geral, Lisboa,
Publicações D. Quixote, 1971, pp. 122-127.
Texto 2
São sinais convencionais a luz verde no código do trânsito, o
gesto do sinaleiro fazendo deter-se ou permitindo avançar
automobilistas ou peões, a «palavra» (significante) homem ou
árvore. São igualmente sinais convencionais os gestos de
cortesia e cumprimento
─
levantar-se, tirar o chapéu, apertar a mão -, os de aplauso (bater
palmas) ou desagrado (pateada), etc., etc..
Pela mesma propriedade que os caracteriza, é fácil também
compreender que os sinais naturais são sinais para todos os homens e
significam ou têm a capacidade de significar o mesmo para todos, ao
contrário do que se dá com os sinais convencionais que, por isso
mesmo que nascem de uma convenção, de um acordo (explícito ou tácito)
entre vários homens, só são válidos para os indivíduos que
constituem uma certa comunidade e entre os quais precisamente se
estabeleceu a convenção. Daí que a cor do luto, que é para nós o
preto, seja para outros povos (chinês, por exemplo) o branco; que o
gesto de afirmação seja para nós o movimento repetido da cabeça de
cima para baixo, e o de negação o movimento lateral, precisamente o
contrário do que é válido para um turco; que o significante
árvore signifique para nós o conceito "árvore (=planta lenhosa
de porte elevado)" e nada signifique para um inglês, um alemão ou
um russo, que para um significado fundamentalmente idêntico dispõem
de outros sinais
─
tree, baum, djerjevo.
HERCULANO DE CARVALHO, Teoria da linguagem, Coimbra,
Atlântida Editora, 1970, vol. I, pp. 118-119.
[12] –
Texto transcrito de uma ENTREVISTA OCASIONAL,
registada em fita magnética:
ELE - Boa tarde...
ELA - Boa tarde...
ELE - ...importa-se de responder a umas perguntas que eu lhe vou
fazer?
ELA - Faz favor de dizer.
ELE - Em primeiro lugar, qual o seu nome?
ELE - Maria Antonieta.
ELE - Desculpe, gosta de cinema?
ELA - Um bocado.
ELE - Que género de filmes é que ... costuma ver?
ELA - Propriamente assim género... não tenho assim nenhum definido.
ELE - Pois, mas...
ELA - Assim, pelo título... às vezes lá... assim mais empolgante.
ELE - ... Mas costuma ir frequentemente ao cinema?
ELA - Não, não, as massas não chegam para isso.
ELE - Qual foi o último filme que viu?
ELA - Oh! ... já não me lembro do nome!
ELE - Qual é o espectáculo que prefere habitualmente?
ELA - Cinema..., televisão..., de vez em quando uma revistita,
mais nada.
ELE - Costuma ver frequentemente a televisão?
ELA - Não, nas horas vagas, quando há assim um bocadinho... de tempo
mais livre.
ELE - Que programas é que costuma ver?
ELA - Geralmente, assim uns cinemazitos... umas conferências de
imprensa, ... hum... o que há.
ELE - Muito obrigado. Boa tarde.
ELA - Boa tarde. Nada que agradecer.
COMENTÁRIO AO TEXTO:
Como é lógico, a transcrição está longe de reproduzir fielmente o
registo magnético. Além de se ter perdido a entoação das frases,
vários aspectos são indicados apenas de uma maneira demasiado
convencional, recorrendo aos sinais de pontuação; por exemplo, as
hesitações e os momentos de pausa são indicados por meio de
reticências. Para termos uma transcrição mais rigorosa do diálogo,
teríamos de recorrer a pequenos excertos descritivos antes da fala
de cada interlocutor. Ao longo do texto, encontramos diversas marcas
de oralidade, tais como hesitações, frases sintacticamente mal
construídas, abuso de diminutivos, etc.
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