Acesso à hierarquia superior.

Henrique J. C. de Oliveira, Gramática da Comunicação, Col. Textos ISCIA, Aveiro, FEDRAVE, Vol. I, 1993, 311 pp., Vol. II, 1995, 328 pp.


III

Linguística
Linguagem, língua, fala e discurso
 

 

Conceito de linguística; linguagem; linguagem humana e linguagem animal; diferenças entre a linguagem humana e a linguagem animal; os factores da comunicação; as funções da linguagem; conceitos de língua, fala ou acto de  fala e discurso. Textos complementares e sugestões de trabalho.

 

Antes de iniciarmos o estudo de cada um dos conceitos apresentados, parece-nos que a melhor maneira de abrirmos este capítulo será o de transcrevermos algumas palavras de Júlia Kristeva[1] acerca da importância de toda esta matéria:

Fazer da linguagem um objecto privilegiado de reflexão, de ciência e de filosofia, eis um gesto cujo alcance ainda não foi completamente avaliado. Com efeito, embora a linguagem se tenha tornado um objecto de reflexão específico há já muitos séculos, a ciência linguística, essa, é muito recente. Quanto à concepção da linguagem como chave do homem e da história social, como via de acesso às leis do funcionamento da sociedade, essa talvez constitua uma das mais importantes características da nossa época. Pois trata-se realmente de um fenómeno novo: a linguagem, cuja prática o homem sempre dominou ─ que constitui um todo com o homem e com a sociedade, aos quais está intimamente ligada ─, essa linguagem, agora mais do que em qualquer outro momento da história, é isolada e como que colocada à distância para ser captada enquanto objecto de conhecimento particular, susceptível de nos dar acesso não apenas às leis do seu próprio funcionamento, mas também a tudo o que releva da ordem do social.

 

A LINGUÍSTICA: ORIGEM E OBJECTO

A transcrição anterior permite-nos, desde logo, encontrar uma boa definição para linguística. É uma ciência que tem por objecto privilegiado de estudo a linguagem. É uma ciência recente que procura tornar objecto de reflexão uma actividade exercida pelo homem desde tempos remotos a linguagem. Interessa, no entanto, à linguística não qualquer tipo de linguagem, mas apenas e essencialmente a chamada linguagem verbal, isto é, o sistema de comunicação que se serve das palavras, já que existem muitos outros de que o homem se serve para comunicar.

As origens da linguística remontam à Antiguidade. Certamente que desde que o Homem fala se terá debruçado ou reflectido no fenómeno da linguagem. Começou, todavia, a ser estudado na Grécia Antiga de maneira mais sistemática, quer com Sócrates, quer essencialmente com Aristóteles e Platão (século V a. C.), para não referirmos outros nomes também célebres, como é, por exemplo, o caso de Lucrécio, filósofos que reflectem sobre as origens da própria linguagem. Leiam-se, por exemplo, os três textos a seguir transcritos, respectivamente de Platão, de Lucrécio e de Vendryes, tendo o cuidado de reflectir sobre eles, procurando identificar os temas e os assuntos neles versados. Relativamente ao primeiro, preste-se igualmente atenção ao método de exposição das ideias, o chamado método dialéctico, baseado essencialmente no recurso ao diálogo.

 

texto 1
A origem da linguagem humana

SÓCRATES –Desagrada-te que o nome seja definido como uma representação do objecto?

CRÁTILO - Certamente que não.

SÓCRATES - Mas não crês que temos razão em dizer que, de entre os nomes, uns são compostos de nomes mais antigos e outros são primitivos?

CRÁTILO - Sim.

SÓCRATES - Mas se os nomes primitivos devem ser representações de certas coisas, tens tu qualquer outro meio de efectuar essas representações através de palavras o mais parecidas possível com os objectos que devem representar? Ou então preferes que o meio preconizado por Hermógenes e muitos outros, que pretendem que os nomes são convenções e que eles representam os objectos para aqueles que fizeram essas convenções, após terem previamente tomado conhecimento das coisas, que é a convenção que constitui a justeza do nome, e que é completamente indiferente que se tenha estabelecido essa convenção tal como é presentemente, ou que, pelo contrário, se chame grande ao que hoje chamamos pequeno e pequeno ao que hoje chamamos grande? Qual dos dois meios preferes?

CRÁTILO - De qualquer modo, Sócrates, é absolutamente preferível representar o que se quer representar por meio de uma imitação parecida do que por qualquer outro meio.

SÓCRATES - Está bem dito. Mas, para que o nome seja parecido com o objecto, não será necessário que as letras com que se formará os nomes primitivos sejam naturalmente parecidos com os objectos?  Eu explico-me. Ter-se-ia composto o quadro de que falávamos há pouco à semelhança dum objecto real, se a natureza não fornecesse para compor os quadros cores parecidas com os objectos que a pintura imita? Ou seria isso impossível?

CRÁTILO - Seria impossível.

SÓCRATES -Do mesmo modo os nomes nunca poderão ser parecidos com nenhum objecto, a menos que os elementos que os compõem tenham uma semelhança natural com as coisas de que são as imitações, e estes elementos que devem servir para os compor sejam as letras?

CRÁTILO - Sim.

PLATÃO, Crátilo [2]

texto 2

 A linguagem como expressão emocional de tipo animal

Quanto aos diversos sons da linguagem, foi a natureza que levou os homens a emiti-los, foi a necessidade que fez nascer os nomes das coisas; mais ou menos como quando vemos a criança obrigada a recorrer ao gesto pela sua incapacidade de se exprimir com a língua, que o leva a designar com o dedo os objectos presentes. Todo o ser tem, com efeito, o sentimento do uso que pode fazer das suas faculdades.

Pensar que o homem tenha podido dar a cada coisa o seu nome e que os outros aprenderam com ele os primeiros elementos da linguagem é verdadeira loucura. Se este pôde designar cada objecto por um nome, emitir os diversos sons da linguagem, porquê supor que os outros não tivessem podido fazer ao mesmo tempo o mesmo que ele? Além disso, se os outros não tivessem usado igualmente entre eles a palavra, donde viria a noção da sua utilidade? De quem recebeu ele o privilégio de ser o primeiro a saber o que queria fazer e disso ter uma clara visão? Para mais um único homem não poderia constranger toda uma multidão e, domando a sua resistência, obrigá-la a aceitar aprender os nomes de cada objecto...

Enfim, se o género humano, na posse da voz e da língua, designou, seguindo as suas diversas impressões, os objectos por nomes diversos, haverá aí alguma coisa de estranho? Os rebanhos, privados da palavra, e mesmo as espécies selvagens, emitem gritos diferentes, de acordo com o medo, a dor ou a alegria que os penetra, como é fácil de verificar através de exemplos familiares.

Assim, quando a cólera faz rosnar surdamente os cães molossos e, arreganhando as beiças, lhes põe a descoberto os dentes duros, os sons com que nos ameaça a raiva são completamente distintos dos latidos com que, em seguida, enchem os espaços...  Não nos parecem igualmente diferentes os relinchos, quando no meio  dos cavalos se ergue o potro fogoso, atingido, na flor da idade, pelo Amor, o seu cavaleiro alado, e quando, com as narinas dilatadas, estremece pronto para a luta, ou quando qualquer outra emoção sacode os seus membros e o faz relinchar?
LUCRÉCIO, De la nature, Paris, 1948, pp. 88-90 (Tradução livre da nossa autoria)[3]


texto 3

A origem da linguagem. Factores que contribuíram para a sua criação

Neste antepassado longínquo, cujo cérebro era ainda impróprio para o raciocínio, a linguagem deve ter começado por ser puramente emotiva. Teria sido originariamente um simples canto ritmando a marcha ou o trabalho das mãos, um grito como o do animal exprimindo a dor ou a alegria, manifestando um receio ou um apetite. Depois, este grito, provido de um valor simbólico, teria sido considerado como um sinal, capaz de ser repetido por outros; e o homem, encontrando ao seu alcance este processo cómodo, tê-lo-ia utilizado para comunicar com os seus semelhantes, prevenir ou provocar um acto. Antes de ser um meio de raciocinar, a linguagem deve ter sido um meio de acção, e um dos mais eficazes de que o homem pôde dispor.  Uma vez despertada na mente a consciência do sinal, nada mais restava do que desenvolver esta invenção maravilhosa.  Ao mesmo tempo que o cérebro se desenvolvia, ia-se também aperfeiçoando o aparelho vocal. No interior dos primeiros agrupamentos humanos, a fixação da linguagem operava-se de acordo com as leis que regiam toda a sociedade. Em particular, nas cerimónias colectivas, as mesmas manifestações vocais ou corais impunham-se a todos os membros do grupo. Os elementos do grito ou do canto encontravam-se assim providos de um valor simbólico que cada indivíduo retinha para seu uso pessoal. E, pouco a pouco, graças à multiplicidade crescente de permutas sociais, ficaria finalmente constituído na sua riqueza incomparável este aparelho complicado que serve para exprimir os sentimentos e os pensamentos, todos os sentimentos e todos os pensamentos.

Esta hipótese, apesar de impossível de demonstrar, não deixa de apresentar verosimilhança. Ela tem sobretudo o interesse de fazer compreender de que modo a linguagem foi um produto natural da actividade humana, um resultado da adaptação das faculdades do homem às necessidades sociais. Basta partir da consciência do signo. Uma vez feita esta aquisição, toda a linguagem se desenvolve por via de diferenciações sucessivas.

J. VENDRYES, Le langage. Introduction linguistique à l'histoire. Paris, La Renaissance du Livre, 1929, pp. 16-17.

 

Os três textos transcritos reflectem sobre a linguagem e as suas origens, mas abordam problemas distintos. O diálogo travado entre Sócrates e Crátilo incide essencialmente sobre o problema da convencionalidade do signo linguístico. Embora fosse preferível representar os objectos por sons que lhes fossem idênticos, tal como numa pintura se representam os objectos através das formas e das cores, obtendo-se deste modo um retrato fiel do objecto, a verdade é que, no domínio da linguagem, os objectos não podem ser representados por sons que lhes sejam equivalentes pelo simples facto de constituírem entidades físicas totalmente diferentes dos objectos. Daí a arbitrariedade do signo linguístico. É indiferente baptizar um objecto com um nome ou com outro qualquer. O que é importante, isso sim, é estabelecer-se a convenção entre um som e um determinado objecto. Deste modo, como afirma Platão pela boca de Sócrates, «os nomes são convenções e estes representam os objectos de acordo com essas convenções».

Vejamos um exemplo concreto para melhor compreendermos o problema da convencionalidade do signo linguístico. Quando, há alguns anos, foi descoberto um produto que hoje todos conhecemos por insulina, esse produto não tinha qualquer nome. Havia que lhe conferir uma etiqueta linguística. O seu descobridor pensou em chamar-lhe «ilheuzina. Mas o nome não soava bem. Talvez recorrendo ao Latim fosse possível dar-lhe um nome mais aceitável, um nome mais sonante. «Ilheuzina» estava relacionado com 'ilha/ilhéu'. Se em Latim ilha se designa por INSULA(M), por que não dar o nome de INSULINA ao novo produto, aproveitando o étimo latino e a terminação do primeiro nome atribuído? E deste modo surgiu o nome pelo  qual  hoje todos  nós conhecemos  um  produto vital  para  muita  gente a insulina.

Os dois textos seguintes reflectem sobre a génese da linguagem. Segundo Lucrécio, os diversos sons da linguagem são um produto natural,  tendo sido a necessidade de comunicar que levou o Homem a nomear os objectos. Por outro lado, apresenta-nos a linguagem como um fenómeno social. Vendryes procura também explicar, de uma maneira verosímil, a origem da linguagem nas sociedades humanas. Inicialmente, seria um simples canto ou um simples grito para exprimir a dor ou a alegria. Depois, nas cerimónias colectivas, as mesmas manifestações sociais ou corais ter-se-ão imposto a todos os elementos, adquirindo valor simbólico, retendo cada um o seu valor para uso pessoal. Com as permutas sociais, a linguagem ter-se-á desenvolvido, ao mesmo tempo que também as capacidades intelectuais, até atingir a forma e complexidade actual. Portanto, a linguagem humana terá sido um produto natural da actividade do homem e o resultado da adaptação das faculdades humanas às necessidades sociais.

 

A linguística, tal como hoje a concebemos, só começou a formar-se a partir do século XVIII e a ter a sua forma actual no princípio do século XX, desenvolvendo-se independentemente na Europa e na América, com concepções radicalmente diferentes, sem que tivessem conhecimento uns dos outros.

Embora se apresentem as origens da linguística na Antiguidade Clássica, aceita-se, actualmente, que o pai da moderna linguística é Ferdinand de Saussure, a quem se ficaram a dever os primeiros trabalhos com rigor científico. Podemos dizer que a linguística nasce em 1916, com a publicação do famoso Cours de linguistique générale de Saussure.

 

 

LINGUAGEM

Muito se tem escrito sobre se a linguagem, actividade que    visa a comunicação, é atributo exclusivo dos seres humanos ou se, pelo contrário, é inerente a todos os seres vivos. Actualmente, e como no-lo atestam diversos trabalhos de pesquisa desenvolvidos nas últimas décadas, tem-se chegado à conclusão que a linguagem é uma actividade realizada por diferentes espécies animais, especialmente pelas mais evoluídas, sobretudo entre aquelas em que a vida social está bastante desenvolvida e estruturada. Leiam-se, a título documental, os excertos transcritos em nota, extraídos de obras de pesquisa e de artigos comummente difundidos nos órgãos de comunicação social, que nos revelam constatações e experiências levadas a cabo com certas espécies animais no domínio da comunicação, entre elas e, inclusivamente, com os seres humanos[4].

Uma vez que a linguagem não é exclusivo do Homem, teremos de a considerar sob dois aspectos: a) - de uma maneira ampla; b) - de uma maneira restrita.

De maneira ampla, em sentido lato, poderemos definir linguagem como uma actividade realizada pelos seres vivos que tem por objectivo a comunicação; no sentido restrito, isto é, aplicado exclusivamente ao homem, poderemos dizer que a linguagem é uma actividade humana cultural e finalística. É uma actividade cultural na medida em que se enquadra num conjunto de actividades realizadas pelo homem como participante numa comunidade ou sociedade, conjunto esse a que se dá o nome de cultura. É finalística uma vez que tem em vista uma finalidade bem precisa, um fim determinado a comunicação.

Vejamos ainda outras definições correntes de linguagem, que confirmam e completam tudo quanto anteriormente dissemos:

Conjunto complexo de processos decorrentes de uma actividade psíquica e social, que torna possível a aquisição e o emprego de uma língua qualquer[5].

Todo o sistema de sinais que serve de meio de comunicação entre os indivíduos.

Poderíamos ainda apresentar muitas outras definições de linguagem.  Parece-nos, no entanto, que tudo quanto foi dito é mais do que suficiente para ficarmos com uma noção precisa deste conceito[6].

   
 

Figura 7: Existem duas grandes classes ou tipos de linguagem – a linguagem humana e a linguagem animal.

 

Se a linguagem é uma actividade realizada pelos seres vivos, que tipos  poderemos então considerar? Essencialmente, poderemos considerar dois tipos: a linguagem animal e a linguagem humana. E dentro desta última podemos encontrar uma enormíssima diversidade de linguagens: a linguagem dos gestos, dos sinais de trânsito, de fumo, dos tan-tans dos tambores no meio da selva, a linguagem das cores, da música, etc., etc., etc., e, sobretudo, a mais  importante de todas, a linguagem verbal.

Temos, portanto, a considerar, de um lado, a linguagem animal; do outro, a linguagem humana. Embora seja esta última a que essencialmente nos interessa, convirá reflectir um pouco acerca de ambas e ver em que medida se diferenciam. Alguma vez teremos visto os animais irem à escola para aprenderem a sua linguagem, tal como os seres humanos para aumentarem não só a sua competência linguística, mas também a sua bagagem cultural? Todos nós verificámos já que uma criança só ao fim de certo tempo começa a pronunciar as primeiras palavras, ao passo que qualquer animal, após o nascimento, vem já dotado da linguagem que empregará ao longo de toda a sua existência. Por outro lado, dentro de uma mesma espécie animal, os comportamentos e formas de comunicação são sempre os mesmos, ao passo que, para a espécie humana, os comportamentos são os mais variados e, no domínio da comunicação, cada país apresenta, no geral, a sua língua específica, dificultando a comunicação entre os homens. Para completar toda esta série de diferenças, verificamos ainda que a linguagem animal é extremamente limitada, ao passo que o homem é capaz de exprimir praticamente tudo o que pretende: desejos, emoções, ordens, informações, pensamentos, etc.

Sistematizando tudo quanto dissemos relativamente às linguagens animal e humana, poderemos obter o quadro da figura 8, apresentado nesta página..

   
  Figura 8: Quadro com as diferenças entre a linguagem animal e a linguagem humana.  

Ainda acerca das diferenças entre a linguagem humana e a linguagem animal, convirá referir que o grau de variabilidade da linguagem humana é de tal modo elevado, que esta difere não só de país para país, mas também,  dentro de uma mesma língua, a variabilidade se verifica quer no plano diacrónico, quer no plano sincrónico. Embora todos os sujeitos falantes de um país utilizem, em regra, o mesmo código linguístico, há a considerar toda uma série de variedades regionais que, embora nem sempre impossibilitem a comunicação, são sentidas como diferenças. Por outro lado, a língua é como que um organismo vivo em permanente evolução, o que significa  que, ao longo dos anos, uma língua vai sofrendo alterações profundas. Há palavras que nascem e entram na moda, enquanto outras saem da circulação, acabando por cair no esquecimento. E só não se perdem definitivamente porque ficam registadas nas obras e nos dicionários.  Noutros casos, determinados vocábulos, embora se mantenham em uso através dos tempos, vão sofrendo alterações a nível semântico, adquirindo, por vezes, sentidos totalmente diferentes dos originais.

 

FACTORES DA COMUNICAÇÃO

Interessa à linguística, bem como a todos    nós, neste momento, essencialmente uma espécie de linguagem a chamada linguagem verbal, falada ou articulada. Sendo a linguagem um sistema de comunicação, para que haja comunicação terá de existir um determinado número de factores ou elementos sem os quais ela não poderá processar-se. Constituem esses factores, respectivamente, dois sujeitos emissor e receptor , um sistema de linguagem comum ou código, um contacto imediato ou diferido entre os dois sujeitos, para que possa haver transmissão e recepção, uma mensagem e um contexto.

   
  Figura 9: Situação de comunicação mais frequente, de tipo bilateral, com alternância de posições entre o emissor e o receptor.  

Esta comunicação pode ser unilateral ou bilateral e pode ainda ser imediata ou diferida. Significa isto que, embora a comunicação se processe sempre no sentido do emissor para o receptor, a verdade é que os sujeitos falantes podem alternar os seus estatutos de emissor/receptor. Se A é sempre o emissor e B o receptor, a comunicação será unilateral. Se os dois sujeitos falantes trocam de posição, assumindo alternadamente os estatutos de emissor e de receptor, teremos uma comunicação bilateral, estabelecendo-se deste modo o diálogo. E se a comunicação se processa no mesmo período de tempo entre o emissor e o receptor, diremos que a comunicação é imediata. No caso de uma mensagem registada sobre um suporte qualquer por meio de gravação (fita magnética ou disco) ou de registo escrito (carta, p. ex.) em que o contacto entre emissor e receptor só se estabelece passado algum tempo, estaremos na presença de uma comunicação diferida.

Há um caso específico de comunicação que se processa apenas num sentido, não havendo alternância de estatuto emissor/receptor. Trata-se do caso particular da difusão, em que existe um emissor, um meio de comunicação ou canal de comunicação neste caso dos órgãos de informação: imprensa, rádio, televisão e um número indefinido de receptores os leitores ou os auditores ou espectadores.

Vejamos de maneira pormenorizada os diferentes esquemas possíveis de comunicação. O esquema mais frequente é aquele que corresponde à permuta de mensagens verbais entre dois elementos emissor e receptor , verificando-se nesta situação de diálogo uma permuta dos estatutos de emissor/receptor, de acordo com o esquema representado na figura 9.  Nesta situação, o emissor codifica a mensagem, transmite-a mediante a realização de um acto de fala e, em seguida, uma vez recebida pelo sujeito receptor, é por ele descodificada. No momento seguinte, inverte-se a polaridade. O que anteriormente era receptor passa agora a desempenhar a função de emissor. Codifica uma mensagem, transmite-a e esta é recebida e descodificada pelo sujeito que, de emissor que era, passou agora a receptor. E esta situação de alternância do estatuto emissor/receptor mantém-se sucessivamente enquanto durar a situação de diálogo.

Outro esquema de comunicação frequente e já atrás referido é o da chamada difusão. Neste caso, exceptuando-se pequenos casos pontuais e que não constituem mais do que a excepção que vem confirmar a regra, a situação de comunicação é unilateral, isto é, verifica-se apenas num único sentido, não havendo alternância dos estatutos de emissor/receptor. A mensagem produzida pelo emissor é recebida por um número indeterminado de receptores através de um canal ou meio de comunicação, que pode ser variável. Esse meio de comunicação por difusão é normalmente constituído pelos órgãos de comunicação social: a rádio, a televisão e a imprensa. Veja-se o esquema apresentado na figura 10.


Figura 10: Esquema da difusão.

Além dos dois esquemas de comunicação referidos, poderemos ainda considerar os casos da comunicação em grupo, cujo conhecimento é importante, especialmente quando nos encontramos em situações de comunicação em grupo.  É que se a comunicação entre duas pessoas à partida pode não oferecer grandes dificuldades, o mesmo já não se poderá dizer quando o número de intervenientes aumenta.

 

Podemos considerar diferentes tipos de situação de comunicação em grupo:

1 - situação em que um emissor se dirige a um grupo de receptores;

2 - situação de comunicação em cadeia;

3 - situação de comunicação em cadeia a nível de grupos por escalões;

4 - situação de um receptor e vários emissores.

 

A primeira situação em grupo, documentada pela figura 11, é aquela em que um emissor tem de se dirigir a um grupo de receptores. É o caso da conferência, do discurso, da palestra, e de muitas outras situações idênticas. Neste caso, à medida que vai aumentando o número de receptores, maiores serão as dificuldades surgidas na comunicação.

Figura 11: Situação em que um emissor fala para vários receptores.

Numa situação destas, atendendo ao elevado número de receptores e à respectiva variabilidade das suas competências linguísticas, maior terá de ser o cuidado do emissor na codificação e na transmissão da mensagem. À partida, o emissor terá de ter sempre em mente a preocupação de se fazer entender por todos, pelo que terá de ter cuidado não só com o registo de língua a utilizar, mas com todo um conjunto de condições que permitam uma boa audição e atenção do ouvinte.  A este respeito, é de toda a conveniência recordar o que se disse no capítulo II, páginas 44-46, relativamente ao problema da leitura em voz alta.

A segunda situação a da comunicação em cadeia verifica-se quando um emissor se dirige a um receptor, o qual, por sua vez, transmite a mensagem a outro, e assim sucessivamente. Esta situação de comunicação em cadeia, documentada pelo esquema da figura 12, ocorre com grande frequência no dia-a-dia. É aquela em que a mensagem corre o maior risco de deturpação, correspondendo ao velho ditado popular «quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto»[7].


Figura 12: Situação de comunicação em cadeia.

Quando numa situação de relação profissional, a nível de uma empresa, se torna necessário este tipo de comunicação, esta processa-se normalmente em grupos por escalões, de acordo com o esquema apresentado na figura 13. «A»  envia ao grupo «B»  determinada mensagem;  um dos elementos do grupo «B»  envia-a, por sua vez, ao grupo do escalão «C»;  um dos elementos deste escalão envia-a para o escalão seguinte; e assim sucessivamente. Como é fácil de deduzir, se a mensagem for de tipo oral, o risco de perda ou alteração do conteúdo informativo é grande. Isto será evitado se a mensagem for enviada por escrito a cada um dos escalões e se cada um a reproduzir rigorosamente de acordo com o original.


Figura 13: Esquema da comunicação em grupo por escalões.

Habitualmente, quando há que recorrer a este tipo de comunicação em cadeia por escalões, é feito um controlo da mensagem junto do último elo da cadeia, a que se dá o nome de feed-back, e cujo objectivo é o de permitir saber se a mensagem final coincide com a original.


Figura 14: Situação de comunicação em que há um receptor e vários emissores.

A última situação referida é aquela em que há apenas um receptor e vários emissores, segundo um esquema totalmente oposto ao da figura 11 e documentado na figura 14. Esta situação ocorre quando há um grupo de várias pessoas que se dirigem a uma só. É a situação com que cada um de nós nos deparamos diariamente. Cada cidadão recebe por dia um elevado número de mensagens, provenientes das mais diversas fontes rádio, televisão, jornais, cartazes, conversas com os amigos, etc. Desse elevado número, que constitui um excesso de informação do mundo moderno, apenas se consegue reter e restituir, no máximo, umas 10 a 15 mensagens. E mesmo assim, para reter este número, é necessário que as mensagens tenham obtido junto do receptor um razoável impacto, susceptível de o levar a memorizá-las[8].

De todos os esquemas da comunicação possíveis de apresentar, vamo-nos agora centrar no apresentado por Roman JAKOBSON e, a partir dele, efectuar uma breve análise dos diferentes factores da comunicação.  Observe-se o esquema da figura 15.

Figura 15: Esquema da comunicação segundo R. Jakobson.

Para se poder estabelecer a comunicação, tem de haver um conjunto de elementos constituídos por dois sujeitos, um emissor (destinador ou remetente), que produz e emite uma determinada mensagem, e um receptor  (ou destinatário), a quem ela é dirigida. Mas para que a comunicação se processe efectivamente entre um e outro, sendo a mensagem efectivamente recebida e descodificada pelo receptor, é necessário que ambos estejam dentro do mesmo contexto, isto é, ambos devem conhecer os referentes situacionais, devem utilizar um mesmo código e deve haver entre eles um canal de comunicação e um efectivo contacto. Se falhar qualquer um destes elementos ou factores, ocorre uma situação de ruído na comunicação, que pode ir desde a incompreensão total da mensagem a uma deficiente interpretação da mesma, com inevitável deformação do conteúdo transmitido.

De uma maneira mais sistematizada, vejamos como definir cada um dos diferentes factores da comunicação: 

Emissor também designado pelas expressões destinador ou remetente,  é aquele que produz e emite uma mensagem;

Receptor é aquele a quem é dirigida a mensagem. É também designado por destinatário. A comunicação só se verificará se a mensagem chegar ao receptor e se este for capaz de a descodificar, isto é, de compreender a mensagem;

Mensagem constitui o conteúdo da comunicação. É a informação transmitida no acto da comunicação, a qual pode ser produzida oralmente ou por escrito;

Contexto o contexto ou referente situacional é o conjunto de condições ou situação em que se gera a mensagem. Esse conjunto de condições ou referentes situacionais pode ser de natureza temporal, espacial, etc.

Contacto ou canal da comunicação Habitualmente considera-se o contacto como equivalente do canal de comunicação. No entanto, há uma certa diferença entre estes dois conceitos. O canal de comunicação é o meio que assegura a comunicação, através do qual ela se processa. Este canal poderá ir desde o ar, através do qual se propagam as ondas sonoras produzidas pela cadeia fónica, até aos suportes onde a mensagem é registada e que veiculam a mensagem entre o emissor e o receptor. É o facto de a mensagem poder ser registada sobre vários tipos de suporte que faz com que a comunicação possa ser imediata ou diferida. O contacto consiste na efectiva recepção da mensagem pelo receptor. Só quando ele toma conhecimento efectivo da mensagem é que o contacto se estabelece.

Código é o sistema de comunicação utilizado, o qual terá de ser comum ao emissor e ao receptor para que possa haver efectivo contacto, efectiva compreensão das mensagens. Esse código é normalmente a língua, que constitui o sistema de comunicação linguística comum ao emissor e ao receptor.

 

Deveremos ainda acrescentar aos seis factores da comunicação uma outra noção importante e já atrás referida a de ruído. Acontece que numa situação normal de comunicação há uma tendência permanente para a degradação da mensagem. Segundo trabalhos de pesquisa sobre este problema, verifica-se em média uma degradação de cerca de 20 %. Esta perda de informação é devida a diversos factores, que podem ir desde uma deficiente codificação ou descodificação da mensagem, isto é, factores de natureza psicolinguística, a factores de natureza fisiológica e de natureza psicológica, a que se poderão juntar as condições físicas do local onde se processa a comunicação. No sentido linguístico, diz-se que há ruído sempre que ocorre qualquer situação que impossibilita uma perfeita recepção ou descodificação da mensagem recebida, que pode ir desde a não recepção da mensagem pelo receptor até à sua deficiente descodificação, provocada, por exemplo, pelo facto de um vocábulo ser mal interpretado ou ser completamente desconhecido.

É para evitar eventuais ruídos na comunicação que, frequentemente, os sujeitos falantes recorrem a uma linguagem redundante ou, mais frequentemente, à metalinguagem, como sucede nestes textos quando, após um conceito ou definição, dizemos «isto é» e, em seguida, damos uma nova definição do mesmo conceito. No entanto, o conceito de redundância é mais complexo do que o exemplo que acabámos de dar, pelo que se aconselha  a leitura atenta dos textos transcritos[9].

A situação de ruído na comunicação pode verificar-se a vários níveis, devido a uma perturbação afectando qualquer um dos factores indicados no esquema entre o emissor e o receptor. Pode gerar-se devido aos dois sujeitos não se encontrarem dentro do mesmo contexto ou por uma deficiência no contacto ou no canal de comunicação ou ainda por desconhecimento do código. Portanto, para que a mensagem seja plenamente recebida, plenamente entendida, é necessário que emissor e receptor estejam dentro da mesma situação, possuam o mesmo código e haja entre eles um efectivo contacto ou recepção da mensagem.[10]

A linguagem realiza-se por meio de um sistema de sinais duplos,  uma vez que o signo linguístico comporta sempre dois aspectos: um aspecto físico, constituído por uma cadeia de sons, e um aspecto representativo ou significativo, na medida em que aponta para um significado ou conceito.  Vejamos um caso concreto, por exemplo, o signo ou significante LIVRO. Este significante é constituído por uma cadeia de sons, pela sequência das sílabas LI e VRO, que pronunciamos e que é captada pelo receptor. A esta cadeia sonora está associado, na nossa mente, um objecto com uma determinada forma e função. É o objecto a que foi dado o nome de LIVRO.[11]

A comunicação pode ser encarada sob dois planos de realização: o plano do oral e o plano do escrito ou, como também é correntemente designado, o código oral e o código escrito. Entre estas duas formas de realização ou códigos há diferenças bastante acentuadas, que passaremos a enumerar:

1 Enquanto no código oral a emissão e a recepção são sucessivas, no código escrito o espaço entre a emissão e a recepção é mais longo, podendo ir desde horas a vários dias ou anos; 

2 O código oral contém poucas descrições, enquanto o escrito as apresenta em maior número;

3 Enquanto o código oral emprega pausas e entoações, o código escrito emprega, para as substituir e facilitar a comunicação, sinais de pontuação;

4 O código oral emprega frequentemente gestos, expressões faciais, entoações, acentos de intensidade, enquanto o código escrito é obrigado a recorrer às descrições para suprir essas características;

5 De uma maneira geral, o código oral é menos extenso e o código escrito mais extenso;

6 O código oral é menos reflectido, mais espontâneo, e o código escrito é mais reflectido e, portanto, menos espontâneo. Daqui resultará também que o código oral poderá apresentar maior número de desvios em relação à norma linguística, enquanto o escrito terá tendência para reduzir e eliminar esses desvios;

7 O código oral permite uma alternância imediata entre os sujeitos na situação de emissor/receptor, enquanto na realização escrita essa alternância se torna praticamente impossível ou, quando existente, extremamente demorada.[12]


[1] JULIA KRISTEVA, História da linguagem, Col. Signos, Nº 6, Edições 70, 1983, pág. 13.

[2] PLATÃO, Cratyle, Ed. Garnier Flammarion, pp. 462-463. Platão, autor do primeiro texto transcrito, foi um célebre filósofo grego (428-347 a. C..), discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles. O seu nome verdadeiro era Arístocles. Platão era uma alcunha, devida ao seu físico. Plato, em grego, significa 'de ombros largos'. Da sua obra chegaram até nós 27 diálogos.

Após a morte de Sócrates, seu mestre, Platão, procura eternizar-lhe os ensinamentos. Ao contrário dos sofistas, que procuravam ensinar a triunfar na vida pública sem olharem aos meios, Sócrates convidava à AUTOGNOSE, tendo em vista alcançar a verdadeira perfeição a da alma.

Fundou nos jardins da casa de Academus a sua escola, que tomou o nome de ACADEMIA. Platão reunia-se aqui com os seus discípulos para estudar Filosofia, Ciências, Matemática e Geometria. A escola subsistiu por vários séculos, até 529 d. C., ano em que o imperador romano Justiniano a mandou encerrar.

 

Dos seus discípulos o mais célebre terá sido Aristóteles.

 

Algumas das principais obras de Platão: República, As Leis, Timeu, Fedro, Banquete, Crítias, Protágoras e Apologia (consultem-se as enciclopédias, p. ex., "Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura-Verbo", vol. 15, cols. 272-281 e enciclopédia "Conhecer", pp. 749-747).

 

Sócrates, personagem principal no diálogo de Platão, foi um filósofo ateniense (470-399 a. C.), filho do escultor Sofronisco e da parteira Fenareta. Casado com Xantipa, de quem teve filhos, nunca saiu de Atenas a não ser em serviço militar.

 

Figura bastante controversa, ensinava na ágora ('praça pública'). Foram seus discípulos Platão, Xenofonte e Aristóteles. Foi acusado de corromper a juventude com as suas ideias e de introduzir deuses novos na cidade. Julgado em tribunal, foi condenado à morte pela cicuta. Além da ágora, utilizava os ginásios para interrogar quem lhe aparecia, sobretudo os jovens, numa procura conjunta da verdade.

 

Não deixou obra escrita. Os seus ensinamentos eram ministrados oralmente. No entanto, é referido em diversas obras: As Nuvens, de Aristófanes; Apologia de Sócrates, Banquete, Memoráveis, de Xenofonte; em toda a obra de Platão, excepto nas LeisMetafísica, Ética a Nicómano de Aristóteles.

 

[3] Caro Tito LUCRÉCIO (99/95 a. C. 55/51 a. C.) foi um poeta latino de cuja vida nada se sabe. Foi autor de um poema didáctico De rerum natura, considerado dentro do seu género como uma das obras mais significativas da literatura universal.

 O De rerum natura compõe-se de seis livros, que se podem agrupar em três séries de dois:

- a primeira, trata da teoria atomista da vida na generalidade;

- a segunda tem por tema a alma e o conhecimento;

- a terceira, trata do sistema do universo, da génese e da morte dos mundos.

Acerca do conteúdo da obra deste autor, leia-se a síntese de M. Antunes, na "Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura-Verbo", vol. 12, cols. 633-636.

 

[4] Leia atentamente os dois textos transcritos, procurando efectuar uma síntese das informações mais importantes neles contidas para a matéria em estudo. Leia também o texto 3, mais recente, extraído da revista Science et Vie, apresentado nas sugestões de trabalho do capítulo II, páginas 79 a 81.

texto 1

O papel da comunicação na tomada de uma decisão colectiva  entre as abelhas

Imediatamente após terem constituído um novo enxame, as abelhas reúnem-se à volta da rainha e formam um «cacho», que fica, na maior parte do tempo, suspenso numa árvore dos arredores. É então às exploradoras que incumbe a tarefa de descobrir para a jovem colónia um abrigo apropriado: uma árvore oca, uma cavidade arranjada num rochedo ou num muro, uma colmeia vazia, e assim sucessivamente. As emissárias partem às dezenas em todas as direcções e não será necessário muito tempo para que uma ou outra abelha descubra, aqui ou ali, um lugar que mereça ser tido em conta, ainda que a quilómetros de distância. No regresso, as exploradoras, cujas pesquisas foram coroadas pelo sucesso, dançam sobre o cacho formado pelo enxame e indicam deste modo a direcção e a distância a que os abrigos se encontram, exactamente como fazem as encarregadas das provisões para a localização de uma colheita. Em seguida, observa-se um número crescente de danças no enxame; umas indicam uma pequena distância, outras uma maior; estas uma tal direcção, outras uma outra, cada uma de acordo com o habitat descoberto.

É curioso constatar que o vigor com que a dança convida as obreiras a juntar-se-lhe está em relação com as características do lugar. Do mesmo modo que, relativamente a uma colheita abundante e muito doce, as danças são plenas de vitalidade e conseguem sensibilizar toda a colónia e também se tornam mais fracas se o néctar possui menos qualidades, também as exploradoras, apoiando-se em normas muito rigorosas, dançam tanto mais vigorosamente quanto o abrigo por elas descoberto responde às necessidades da colónia. E aqui entram em jogo muitos factores: dimensões da cavidade encontrada, o facto da sua entrada ser protegida do vento, a ausência de correntes de ar no interior, eventual odor agradável para as abelhas, e sabe Deus que mais!

Então, em algumas horas ou, por vezes, em alguns dias, produz-se um facto notável. As bailarinas mais animadas são seguidas por um número cada vez maior de companheiras que foram explorar o local assinalado e que após se terem "de visu" convencido das suas qualidades se põem também elas a dançar e a fazer a sua propaganda. Acontece mesmo que dançarinas que, até então, procuravam arranjar aderentes à sua causa, acabam por se deixar levar pelo turbilhão de uma exploradora mais bem sucedida e se deixam converter, a ponto de irem visitar o novo abrigo e acabarem por fazer também o recrutamento para a sua rival. Muitas exploradoras, não podendo defender a sua descoberta com tanto ardor, cessam pura e simplesmente de dançar a partir do momento em que as coisas atingem este estádio.  A pouco e pouco chega-se a uma unificação: todas dançam ao mesmo ritmo e segundo a mesma direcção e, a partir do momento em que se atinge este estádio, o cacho do enxame desloca-se e voa, conduzido por centenas de obreiras que já conhecem o caminho para o objectivo que recolheu, de entre todos, o maior número de sufrágios.

Traduzido de K. von FRISCH, Vie et moeurs des abeilles,  Paris, 1956, pp. 169-170

 

texto 2 

Os golfinhos entram na conversa

Até há alguns anos pensava-se que os peixes eram completamente mudos. No entanto, os cientistas chegaram à conclusão de que muitos sons emitidos pelos animais marinhos são por eles bem entendidos, embora o ouvido humano não os perceba. Por outro lado, os golfinhos, segundo estudos de cientistas soviéticos, empregam nas «conversas» entre si mais de 800 sinais, enquanto o homem no dia-a-dia utiliza apenas 500 a 700 palavras.

A variedade de sons no mundo aquático não é inferior aos que se registam numa floresta, conforme concluiu o Laboratório Bioacústico do Instituto de Morfologia Evolutiva e Ecologia Animal A. N. Severtsov, da Academia das Ciências da URSS.

No entanto, são os golfinhos, cetáceos mamíferos, e não os peixes, os animais marinhos mais «comunicativos»; e daí que os investigadores se interessem especialmente por eles. Está hoje provado que os cetáceos têm um órgão de audição perfeito capaz de captar oscilações que vão desde os infra-sons até aos ultra-sons, muito para além dos limites do ouvido humano.

A voz do golfinho foi pela primeira vez registada pelo biólogo norte-americano F. Wood, em 1951. A partir dessa altura muitas e importantes descobertas foram feitas, das quais resultou a hipótese da possível capacidade dos golfinhos conversarem conscientemente com o homem. Seguiram-se anos de desapontamento, chegando-se à conclusão que as possibilidades de contacto tinham sido exageradas.

Nova vaga de esperanças surgiu com golfinhos «falantes». De acordo com cientistas americanos, em 15 meses, o golfinho «Elvar» aprendeu a reproduzir sons semelhantes à fala humana. A frequência desses sons era mais alta do que a de um adulto, homem ou mulher, e pareciam-se mais com a voz de uma criança – primeiro o seu palrar e depois palavras separadas. Mas esse «falar» assemelhava-se ao de um papagaio.

«No tamanho e no número de convulsões do cérebro, o golfinho difere pouco do homem», diz Ievgeny Romanenko, chefe do Laboratório de Bioacústica do Instituto Severtsov.

«Presentemente, o Instituto chegou à conclusão de que os golfinhos, ao "conversarem" entre si, usam mais de 800 sinais diferentes. Este número é impressionante, se tivermos em conta que, regra geral, o homem necessita entre 500 a 700 palavras para a comunicação diária. Registamos «frases» completas dos golfinhos em diferentes circunstâncias.

«Os estudos sobre golfinhos são cheios de interesse. Foi, por exemplo, observado que, quando dois golfinhos nadam juntos, trocam entre si um complicado conjunto de sons. Se o experimentador interfere na sua «conversa», eles reagem.

Muito do que se conhece dos golfinhos continua inexplicado. O volume de dados ainda é insuficiente para traçar conclusões finais. Os estudos do Laboratório Bioacústico do Instituto Severtsov continuam. Um grupo do Instituto está presentemente na regular expedição de Verão. Espera-se que ela contribua para desvendar os mistérios do mais maravilhoso dos animais do Oceano.

Extraído de "O Primeiro de Janeiro" de 7 de Agosto de 1979.

NOTA: Sobre o problema da comunicação entre os animais há vários artigos em diversas revistas. Veja-se, por exemplo, o artigo de YVELINE LEROY, Les signaux de communication, in: Science et Vie, Hors Série Nº 125, 1978, pp. 24-36.

[5] TATIANA SLAMA-CASACU, Langage et contexte, Haia, pág. 20.

[6] Como última definição de linguagem, leia-se o texto extraído do já citado Dictionnaire de Linguistique, pág. 274, que apresenta a característica de restringir a linguagem à espécie humana:

«A linguagem é a capacidade específica da espécie humana de comunicar por meio de um sistema de sinais vocais (ou língua) pondo em jogo uma técnica corporal complexa e supondo a existência de uma função simbólica e de centros nervosos geneticamente especializados. Este sistema de sinais vocais utilizado por um grupo social (ou comunidade linguística) determinado constitui uma língua particular. Pelos problemas que põe, a linguagem é objecto de análises muito diversas, implicando relações múltiplas: a relação entre o sujeito e a linguagem, que é o domínio da psicolinguística, entre a linguagem e a sociedade, que é o domínio da sociolinguística, entre a função simbólica e o sistema que constitui a língua, entre a língua como um todo e as partes que a constituem, entre a língua como sistema universal e as línguas que dela são formas particulares, entre a língua particular como forma comum a um grupo social e as diversas realizações desta língua pelos locutores, tudo isto sendo o domínio da linguística. Estes diversos domínios estão necessária e estreitamente ligados uns com os outros. (...)

In: Dictionnaire de linguistique, Librairie Larousse, 1973, p. 274.

 

[7] Leia-se o texto humorístico a seguir apresentado, que documenta uma situação de comunicação em cadeia em que a mensagem inicialmente transmitida foi altamente deturpada:

Eclipse do Sol

O coronel ao subcomandante:

– Amanhã, às nove horas, haverá um eclipse do Sol, coisa que não acontece todos os dias. Todos os homens devem deixar o alojamento e formar na rua, em frente ao quartel, de uniforme de faxina, para verem esse raro fenómeno, que explicarei a eles. Em caso de chuva, não conseguiremos ver coisa alguma e, então, leve os homens para o ginásio.

O subcomandante ao capitão:

– Por ordem do coronel, amanhã às nove horas, haverá um eclipse do Sol. Se chover, vocês não conseguirão vê-lo da rua em frente ao quartel e, por isso, de uniforme de faxina, o eclipse do Sol terá lugar no ginásio, coisa que não acontece todos os dias.

O capitão ao tenente:

– Por ordem do coronel de uniforme de faxina, amanhã às nove da manhã, o eclipse do Sol terá lugar no ginásio. O coronel dará ordem se chover, coisa que não acontece todos os dias.

O tenente ao sargento:

– Amanhã às nove horas, o coronel de uniforme de faxina vai eclipsar o Sol no ginásio, como acontece todos os dias se o dia está bonito; se chove, então na rua em frente ao quartel.

O sargento ao cabo:

– Amanhã, às nove horas, o eclipse do coronel de uniforme de faxina terá lugar por causa do Sol; se chover no ginásio, coisa que não acontece todos os dias, vocês deixarão o alojamento e formarão na rua em frente ao quartel.

Comentários entre os soldados:

– Amanhã, se chover, parece que o Sol vai eclipsar o coronel no ginásio. É pena que isso não aconteça todos os dias.

 

[8] Consulte-se o trabalho de J. Martins LAMPREIA, Técnicas de Comunicação. Publicidade, propaganda, relações públicas, Colecção Saber, Nº 140, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1988, capº. II, pp. 21-29, acerca dos diferentes esquemas de comunicação em grupo. Segundo este Autor, quotidianamente o homem da cidade recebe, «em média, 1500  mensagens diárias, das mais diversas proveniências (...) das quais apenas conseguirá memorizar umas 100 e restituir 10 a 15, no máximo.» (p. 28)

 

[9] Leiam-se atentamente os dois textos teóricos a seguir transcritos acerca dos conceitos de ruído e de redundância:

Texto 1

Quando há identidade de código entre A e B, a comunicação pode instaurar-se. No entanto, a transmissão da mensagem pode sofrer perturbações capazes de dificultar uma boa intercompreensão. Essas perturbações afectam o canal de comunicação com muita frequência, sob diferentes formas parasitárias: ora B recebe mal a mensagem porque A pronunciou mal uma palavra, ora porque outra voz se superpôs momentaneamente à de A ou porque B estava desatento, etc. Designa-se pelo termo ruído todo o fenómeno que se superpõe, em graus e níveis diversos, à mensagem em sua transmissão.

Correlativamente, para compensar as perdas de informação devidas ao ruído, para fazer com que um sinal mal percebido recupere o seu valor em outro ponto da mensagem, a língua proporciona ao emissor um procedimento específico, designado pelo nome de redundância: não se trata da redundância de tipo retórico pela qual a mesma ideia é retomada em formas variadas, mas de um desdobramento de marcas, por exemplo de tipo gramatical. Na frase «A menina loira é charmosa.», a marca do feminino aparece cinco vezes: no artigo a, no substantivo «menina», no adjectivo adjunto «loira», e duas vezes no adjectivo predicativo «charmosa» (terminação e abertura da vogal tónica). Diremos que a informação "feminino" está marcada cinco vezes na mensagem: fenómeno de redundância... In: E. GENOUVRIER e J. PEYTARD, Linguística e ensino do português, Coimbra, Livraria Almedina, 1974, pp. 23-28.

Texto 2

Designamos por ruídos todos esses fenómenos que perturbam de algum modo a transmissão da mensagem, afectando a sua clareza. O ruído pode situar-se a vários níveis, por exemplo, no canal de comunicação, sendo constituído por todo o tipo de interferências sonoras ou visuais. (...)

O ruído pode produzir-se ainda motivado por um conhecimento deficiente do código. (...)

No entanto, para compensar este risco de perda de informação suscitada por um ruído, a língua possui um recurso próprio: a redundância, entendida como todo o elemento que, na mensagem, não é portador de nenhuma informação suplementar, apenas reforçando a que ela já contém. As redundâncias surgem de formas diversas:

  sintácticas (marcas de pessoa ou de género)

ex.: Eles  partem  sozinhos. a marca do plural surge três vezes.

gestuais: juntar o gesto à palavra é redundante.

ex.: se se disser. «Vai-te embora!» estendendo-se o braço, o gesto reforça o conteúdo da mensagem.

entoações: tal como o gesto, a entoação sublinha a informação da mensagem.

In: Ana Maria Serra LOURENÇO, Língua Portuguesa, Colecção Textos Pré-Universitários, 1979, 1º volume, p. 5.

 

[10] Leia atentamente o texto transcrito e procure identificar os diferentes factores da comunicação:

São quinze e quarenta e cinco. Junto à paragem, o autocarro espera pela hora da partida. No passeio, quase encostados ao autocarro, o João e o Miguel conversam animadamente acerca da escola.

De repente, o Miguel lembra-se que são horas de ir para casa e que a mãe lhe recomendara para não se demorar. Aflito, com medo de algum ralhete da mãe, despede-se à pressa do amigo e, ainda a olhar para ele, diz-lhe adeus e atravessa a rua, passando pela frente do autocarro e sem olhar para um e outro lado, como mandam as boas regras da segurança.

Muito aflito, com receio que aconteça alguma coisa ao amigo, o João berra-lhe:

Cuidado, nunca atravesses desse modo a rua, porque não vês o trânsito. O perigo espreita a todo o momento.

 

[11] Para complemento da noção de SIGNO LINGUÍSTICO, leiam-se os dois textos a seguir transcritos:

Texto 1

O signo linguístico une não uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta última não é o som material, puramente físico, mas a marca psíquica desse som, a sua representação, fornecida pelo testemunho dos sentidos; é sensorial e se, por vezes, lhe chamamos «material» é neste sentido e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstracto.

O carácter psíquico das nossas imagens acústicas surge bem claro quando observamos a nossa própria linguagem. Sem mover os lábios nem a língua, podemos falar connosco ou recitar mentalmente um poema. É porque as palavras da língua são para nós imagens acústicas que não devemos falar dos «fonemas» que as compõem. Este termo, que implica uma ideia de acção vocal, só convém à palavra pronunciada, à realização na fala da imagem anterior. Falando dos sons e das sílabas de uma palavra, evitamos esse mal-entendido, desde que nos lembremos de que se trata da imagem acústica.

(...)

Chamamos signo à combinação do conceito e da imagem acústica;  mas no uso corrente este termo designa geralmente só a imagem acústica, por exemplo uma palavra (arbor, etc.). Esquecemo-nos de que se chamamos signo a arbor é porque encerra o conceito de «árvore» de tal forma que a ideia da parte sensorial implica uma noção da totalidade.

A ambiguidade desapareceria se designássemos as três noções a que nos referimos por meio de nomes relacionados uns com os outros mas que estabelecessem oposição.  Propomos manter a palavra signo para designar o total e substituir conceito e imagem acústica respectivamente por significado e significante;  estes dois termos têm a vantagem de marcar a oposição que os separa entre si e que os distingue do total de que fazem parte.  Quanto ao signo, se o aceitamos é porque não sabemos como o substituir, uma vez que a língua comum não sugere nenhum outro.

O signo linguístico assim definido possui duas características primordiais. Ao enunciá-las assentaremos os princípios de qualquer estudo deste nível.

Primeiro princípio: a arbitrariedade do signo

O laço que une o significante ao significado é arbitrário, ou melhor, uma vez que entendemos por signo o total resultante da associação dum significante a um significado:  o signo linguístico é arbitrário.

Assim, a ideia de «pé» não está ligada por nenhuma relação à cadeia de sons [p] + [ε] que lhe serve de significante; podia ser tão bem representada por qualquer outra: provam-no as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes:  o significado  «rua» tem como  significante [ru ] dum lado da fronteira e [ka e] do outro.

O princípio da arbitrariedade do signo não é constestado por ninguém; mas é muitas vezes mais fácil descobrir uma verdade do que conceder-lhe o lugar que lhe compete. O princípio enunciado acima domina toda a linguística da língua; as suas consequências são inesgotáveis. É certo que nem todas aparecem com igual evidência a uma primeira abordagem;  só as descobrimos depois de várias tentativas e só então alcançamos a importância primordial do princípio.

Aproveitemos para afirmar que, quando a semiologia estiver organizada, ela terá de decidir se o seu campo abarca também os modos de expressão que assentam em signos naturais como a pantomima. Ainda que os acolha, o seu principal objecto continuará a ser o conjunto dos sistemas baseados na arbitrariedade do signo. Com efeito, qualquer meio de expressão recebido numa sociedade assenta, em princípio, num hábito colectivo ou, o que resulta no mesmo, numa convenção. As formas de cortesia, por exemplo, dotadas muitas vezes de uma certa expressividade natural (pensemos nos Chineses, que saudavam o imperador inclinando-se nove vezes até ao chão), são igualmente fixadas por uma regra;  é essa regra que as torna obrigatórias, e não o valor intrínseco que elas possam ter.  Podemos, portanto, dizer que os sinais puramente arbitrários realizam melhor do que os outros o ideal do processo semiológico; é por isso que a língua, o mais complexo e o mais difundido dos sistemas de expressão, é também o mais característico de todos;  neste sentido, a linguística pode tornar-se o padrão geral de toda a semiologia, ainda que a língua seja apenas um sistema particular.

Há quem se sirva da palavra símbolo para designar o signo linguístico, ou mais exactamente aquilo a que chamamos significante. Não podemos esquecer os inconvenientes de tal designação, sobretudo por causa do nosso primeiro princípio. O símbolo nunca é completamente arbitrário; ele não é vazio; há sempre um rudimento de ligação natural entre o significante e o significado. O símbolo da justiça, a balança, não podia ser substituído por qualquer outro, por um carro, por exemplo.

A palavra arbitrário exige também uma precisão. Ela não deve dar a ideia de que o significante depende da livre escolha do sujeito falante (veremos mais à frente que não está em poder do indivíduo alterar o signo desde que ele tenha sido aceite por um grupo linguístico); queremos dizer que ele é imotivado, isto é, arbitrário  em relação ao significado, com o qual não tem, na realidade, qualquer ligação natural.

Assinalemos, antes de terminar, duas objecções que poderiam ser feitas a este primeiro princípio:

1ª – Poder-se-ia partir das onomatopeias para dizer que a escolha do significante não é sempre arbitrária. Mas elas nunca são elementos orgânicos num sistema linguístico. O seu número é, aliás, bem menor do que se julgava. Palavras como fr. fouet e port. gemer podem impressionar certos ouvidos com uma sonoridade sugestiva; mas para vermos que não têm essa característica desde a sua origem basta recuarmos até às formas latinas (fouet deriva de FAGUS, 'faia', gemer vem de GEMERE com oclusiva inicial); a qualidade dos seus sons actuais, ou antes a que lhes é atribuída, é um resultado casual da evolução fonética.

Quanto às onomatopeias autênticas (como glu-glu, tic-tac, etc.) não só são pouco numerosas como a sua escolha é de certo modo arbitrária, pois são a imitação aproximada e já meio convencional de certos ruídos (compare-se o português ão-ão, o francês ouaoua e o alemão wauwau). Além disso, uma vez introduzidas na língua, elas são mais ou menos arrastadas na evolução fonética, morfológica, etc., que sofrem as outras palavras (cfr. franc. pigeon, port. cegonha, derivados de pipio, ciconia, palavras onomatopaicas  em latim):  prova evidente de que perderam qualquer coisa do seu carácter original para aceitarem o do signo linguístico em geral, que é imotivado.

2ª – As exclamações, muito próximas das onomatopeias, dão lugar a observações análogas e não são igualmente perigosas para a nossa tese. Tentaram ver nelas expressões espontâneas da realidade, ditadas, por assim dizer, pela natureza. Mas para a maior parte delas pode-se afirmar que não há uma ligação necessária entre o significante e o significado. Basta comparar duas línguas para ver como estas expressões variam de uma para outra (por exemplo, ao português ai! corresponde o alemão au!). Sabemos ainda que muitas exclamações começaram por ser palavras com sentido determinado (cfr. credo!, homessa!, etc.).

Em resumo, as onomatopeias e as exclamações são de importância secundária e a sua origem simbólica é em parte contestável.

Ferdinand de SAUSSURE, Curso de linguística geral, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1971, pp. 122-127. 

Texto 2

São sinais convencionais a luz verde no código do trânsito, o gesto do sinaleiro fazendo deter-se ou permitindo avançar automobilistas ou peões, a «palavra» (significante) homem ou árvore. São igualmente sinais convencionais os gestos de cortesia e cumprimento levantar-se, tirar o chapéu,  apertar a mão  -, os de aplauso  (bater palmas) ou desagrado (pateada), etc., etc..

Pela mesma propriedade que os caracteriza, é fácil também compreender que os sinais naturais são sinais para todos os homens e significam ou têm a capacidade de significar o mesmo para todos, ao contrário do que se dá com os sinais convencionais que, por isso mesmo que nascem de uma convenção, de um acordo (explícito ou tácito) entre vários homens, só são válidos para os indivíduos que constituem uma certa comunidade e entre os quais precisamente se estabeleceu a convenção. Daí que a cor do luto, que é para nós o preto, seja para  outros povos (chinês, por exemplo) o branco; que o gesto de afirmação seja para nós o movimento repetido da cabeça de cima para baixo, e o de negação o movimento lateral, precisamente o contrário do que é válido para um turco; que o significante árvore signifique para nós o conceito "árvore (=planta lenhosa de porte elevado)"  e nada signifique para um inglês, um alemão ou um russo, que para um significado fundamentalmente idêntico dispõem de outros sinais tree, baum, djerjevo.

HERCULANO DE CARVALHO, Teoria da linguagem, Coimbra, Atlântida Editora, 1970, vol. I, pp. 118-119.

 

[12] Texto transcrito de uma ENTREVISTA OCASIONAL, registada em fita magnética:

ELE -  Boa tarde...

ELA - Boa tarde...

ELE - ...importa-se de responder a umas perguntas que eu lhe vou fazer?

ELA - Faz favor de dizer.

ELE - Em primeiro lugar, qual o seu nome?

ELE - Maria Antonieta.

ELE - Desculpe, gosta de cinema?

ELA - Um bocado.

ELE - Que género de filmes é que ... costuma ver?

ELA - Propriamente assim género... não tenho assim nenhum definido.

ELE - Pois, mas...

ELA - Assim, pelo título... às vezes lá... assim mais empolgante.

ELE - ... Mas costuma ir frequentemente ao cinema?

ELA - Não, não, as massas não chegam para isso.

ELE - Qual foi o último filme que viu?

ELA - Oh! ... já não me lembro do nome!

ELE - Qual é o espectáculo que prefere habitualmente?

ELA - Cinema...,  televisão...,  de vez em quando uma revistita, mais nada.

ELE - Costuma ver frequentemente a televisão?

ELA - Não, nas horas vagas, quando há assim um bocadinho... de tempo mais livre.

ELE - Que programas é que costuma ver?

ELA - Geralmente, assim uns cinemazitos... umas conferências de imprensa, ... hum... o que há.

ELE - Muito obrigado. Boa tarde.

ELA - Boa tarde. Nada que agradecer.

 

COMENTÁRIO AO TEXTO:  Como é lógico, a transcrição está longe de reproduzir fielmente o registo magnético. Além de se ter perdido a entoação das frases, vários aspectos são indicados apenas de uma maneira demasiado convencional, recorrendo aos sinais de pontuação; por exemplo, as hesitações e os momentos de pausa são indicados por meio de reticências. Para termos uma transcrição mais rigorosa do diálogo, teríamos de recorrer a pequenos excertos descritivos antes da fala de cada interlocutor. Ao longo do texto, encontramos diversas marcas de oralidade, tais como hesitações, frases sintacticamente mal construídas, abuso de diminutivos, etc.

 

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