Henrique J. C. de Oliveira, Relatório do Inquérito Linguístico realizado na Gafanha do Carmo, Aveiro, 1967.

USOS E COSTUMES

CASAMENTOS

Os casamentos realizavam-se entre os 24 e os27, após um namoro de sete anos. Porém, os tempos foram mudando, passando então a efectuar-se por volta dos 19 a 21. Actualmente, tendo-se alterado o conceito de idade, esta passou a ter uma importância mais reduzida. E a prova é que muitas raparigas chegam a casar-se com 17 anos apenas.

Nos nossos dias, conserva-se ainda o costume de serem os pais do rapaz que vão pedir a noiva para o filho, certo tempo antes do casamento. E a chamada «pedidela», durante a qual há sempre uma ceia tradicional, se bebem uns bons copázios para animar a conversa e se fala dos planos da casa e do futuro dos noivos.

Numa determinada época, a partir de Setembro, sempre aos sábados ou domingos e nunca à sexta feira − neste dia seria um péssimo agoiro −, são realizados os casamentos.

− Mas haverá algum motivo especial para se realizarem só a partir de Setembro?

− Certamente que sim! Isso deve-se ao facto de, na região, ser costume darem-se aos noivos produtos da terra. Como só a partir desse mês eles estão aptos a serem colhidos, antes não os poderiam oferecer.

No dia aprazado para a celebração dos esponsais, era da praxe ir a família do rapaz buscar a noiva a sua casa, daí seguindo para a igreja. O padrinho acompanhava o noivo e a madrinha a noiva. Actualmente, o costume modificou-se consideravelmente, pois é o pai que leva a filha para a igreja, onde a espera o futuro marido.

Depois das cerimónias e do tradicional retrato à saída da igreja, vão para casa dos recém-casados, onde se realiza uma boda que se prolonga por dois ou três dias, quando não dura mais.

 

BAPTIZADOS         

Da nova família nascem alguns rebentos. É então altura das crianças irem à igreja lavar-se do pecado original, herança dos nossos primeiros pais.

É aos padrinhos, que também oferecem o «enchobalzinho», que cabe o encargo de levar a criança ao baptismo. Em regra, os pais não assistem a ele, pois ficam em casa a assar o carneiro, que o dia é de festa para toda a família.

Muitas vezes, quando nascia a criança, vestiam-lhe uma camisita, que guardavam sem nunca a lavar até ao dia do baptismo, para que o «inocente» não ficasse ruim. Mas isto era o menos. O pior era quando obrigavam a infeliz a ingerir a água com que a tinham lavado pela primeira vez. É que, assim, tirar-lha-iam toda a ruindade e ela seria boazinha. E, quem sabe, não a transformariam num anjinho, depois de tão desagradável mistela. Felizmente os tempos mudaram e casos como este são já difíceis de se encontrar.

 

MORTE

Quando morre alguém, vão os vizinhos levar de comer à família do defunto, durante uns cinco a seis dias, visto, pelo costume, não poderem cozinhar nem fazer qualquer espécie de trabalho. Sobretudo, durante a primeira semana, não devem comer carne de espécie alguma.

O enterro faz-se directamente de casa para o cemitério.

Durante uma semana, os parentes não saem à rua, fazendo-o pela primeira vez para irem à missa do sétimo dia. Daqui em diante, recomeçam a vida de todos os dias.

 

SUPERSTIÇÕES E CRENDICES

Além das já citadas, recolhi mais alguns elementos bastante curiosos, que a seguir passo a expor.

Durante o período da gestação, a futura mãe tem de tomar certos cuidados, se não quiser que a criança nasça com defeitos físicos. Se ela nasce com manchas rubras, é porque a mãe, certamente costureira, foi imprevidente e guardou agulhas nas dobras dos vestidos, junto da cintura. Se a criança nasce com um lábio fendido, é porque a mãe trouxe alguma chave no bolso ou na cintura.

Já depois de nascida e antes de baptizada, a criança está sujeita a perigos de natureza vária. Um deles é o de ser chuchada pelas bruxas, pelo que morre sem alma. Que fazer para evitar tão grande perigo? Nada mais fácil! Durante a noite, para manter as bruxas à distância, a mãe põe em cima do filho, deitado no berço, as calças do pai. Mas cuidado, porque é preciso não esquecer que a perneira esquerda deve ficar desvirada. Para maior segurança, não vá o diabo tecê-las, deve a mãe dependurar umas tesouras abertas, no género das usadas pelos estudantes para rapar os caloiros, junto da caminha da criança.

 

 

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