Henrique J. C. de Oliveira, Relatório do Inquérito Linguístico realizado na Gafanha do Carmo, Aveiro, 1967.

HISTÓRIA DA GAFANHA

Gafanha é o nome genérico de toda uma vasta região, outrora árida e deserta, que se estende desde Aveiro até Mira.

Houve urna dada época em que a Gafanha era quase uma ilha deserta e inculta. Ao que parece, até ao século XVII, e ainda mesmo em meados do XVIII, a região era quase inabitada. Isolada, por assim dizer, do resto do continente. Para aí eram mandados os leprosos, únicos habitantes de toda esta vasta extensão de terras improdutivas. No facto de ter sido uma terra de gafos deverá muito provavelmente residir a origem do nome «Gafanha». Este termo designaria, portanto, toda a região para onde eram enviados e abandonados à sua sorte todos os leprosos.

Ainda a propósito da origem do mesmo nome que, como já se disse, deve ter o seu étimo em «gafa», achei curiosa a explicação dada pelo povo e que a seguir transcrevo, ainda que bastante rudimentar e fantasista. Segundo ele, seria "gadanha", utensílio de lavoura muito usado na região, que viria a transformar-se, com o decorrer dos tempos, em "gafanha". Explicação muito improvável, pois estaríamos na presença da passagem de uma consoante oclusiva sonora a fricativa.

Até 1667, a propriedade da Gafanha devia estar dividida em leiras. Os primeiros agricultores e povoadores terão sido Manuel da Rocha Tanoeiro, António Matias, Manuel Rodrigues Chino e Manuel Alves Zagalo. Por volta de 1755, já devia ser bastante povoada e cultivada. A pouco e pouco, as areias estéreis vão-se transformando em «terras de pão», constroem-se igrejas, e o povo começa a ocupar a região, sobretudo a partir da ponte da Cambeia, transformando-a no que é hoje.

Um dos que primeiro incrementou e mais se interessou pela cultura da região foi Fernando Camelo, homem afidalgado e de bastantes posses, que preferiu trocar as suas comodidades e o seu conforto pelos cuidados prestados à terra.

Após este esboço histórico, que poderá ser aprofundado com o trabalho «Monografia da Gafanha», da autoria do padre João Vieira Rezende (2ª ed., Coimbra, 1944), acho conveniente dedicar mais algumas palavras à povoação onde decorreu o meu inquérito.

Gafanha do Carmo, inicialmente o lugar do Carmo, com 250 fogos, ficou a pertencer eclesiasticamente à freguesia de Gafanha da Encarnação e, civilmente, a Ílhavo.

A capela de Nossa Senhora do Carmo tem por orago a Senhora do mesmo nome, tendo sido fundada entre 1830-1840. A irmandade só foi criada em 1906. Destruída a primeira capela pela fúria impiedosa do mar, uma segunda, que ainda hoje subsiste (FOTOGRAFIA da Figura 1), foi construída com a entrada voltada para nascente e o altar para ocidente. Capela bastante pequena para a actual população, deve, em breve, de acordo com as informações que me foram prestadas, dar lugar a uma igreja, mais ampla e capaz de comportar o número sempre crescente de fiéis.

A festa da Senhora do Carmo realizava-se no segundo domingo de Agosto. Actualmente, tem sido feita em Outubro. Ao que parece, a mudança deve-se ao facto de neste mês se encontrar na região maior número de bacalhoeiros, ao passo que, em Agosto, muita gente da terra se encontra distante, entregue à faina da pesca do bacalhau.

 

 

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