Conversa ao jantar |
À hora do jantar, a conversa inesperada com o comandante foi o tema da conversa com o médico. — Constou-me que a tua sesta foi interrompida, Ulisses. É verdade? — Como é que sabes? — O furriel que chamaste ao gabinete... — Não me digas que ele anda a espalhar por aí o que vamos fazer. — Calma. Deixa-me falar, Ulisses. Tem calma e não me interrompas. Ele não anda a espalhar nada. Não tem culpa nenhuma. — Então como é que sabes? — Antes de vir para cima, estive no Briosa Bar. Estavam lá os furriéis. Perguntei-lhes por ti. — E então? O que é que te disseram? Ficou toda a gente a saber o que vamos fazer... — Não, Ulisses. Tem calma, que nada foi dito de especial. Aliás, nem podia ser dito! Tu nem disseste para onde era a saída! — Afinal, o que é que te foi dito, Graça Marques? — O furriel que está de serviço e que tu chamaste limitou-se a dizer-me que tinha estado contigo no gabinete e que o tinhas encarregado de escolher uma secção para sair amanhã contigo. Apenas isto. — Ah! Assim já fico mais satisfeito. Ficaria muito surpreendido se ele te tivesse dito para onde íamos, porque nada lhe contei. Limitei-me a dizer-lhe que estava prevista para a amanhã uma saída por dois dias, na pior das hipóteses. — E ele não teve a curiosidade de te perguntar para onde? — Teve. Respondi-lhe que ainda não sabia. Disse-lhe que só amanhã receberia ordens e que, depois, distribuiríamos rações de combate, se fossem necessárias. — Vai haver mesmo uma operação? Será que não me podes dizer o que se passa? Porquê tanto secretismo? Estás com medo que te possa acontecer alguma coisa? — De modo nenhum! Apenas não gosto que as coisas se espalhem por aí, como já tem acontecido. Olha, ainda há tempos, estava eu numa povoação indígena a substituir o Raul, o capitão mandou-me buscar. Pensei até que estivesse a morrer de saudades minhas e quisesse dar-me um fim-de-semana aqui em Quimbele. Qual quê! Era uma operação na mata, como fui logo informado pelos soldados. — E então? Não estou a ver qual o problema, Ulisses! — Não me digas que achas isto natural! Se toda a gente sabe com antecedência para onde vamos, arriscamo-nos a ter surpresas desagradáveis. — Mas, afinal, para onde é que vais amanhã? Será que não podes dizer-me o que se passou esta tarde contigo? — Posso. A ti posso dizer-te. Sei bem que não vais para aí dar à língua, como faz quase toda a gente. — Estás a exagerar! — Não estou nada. É a realidade. Às vezes fala-se demais. E pela boca morre o peixe. Eu não tenciono deixar-me pescar. Nem eu nem o meu pessoal. — Afinal, dizes-me ou não o que se passa? Estás a desviar-te do assunto. Até pareces os nossos políticos. Pergunta-se-lhes uma coisa, desviam-se do assunto e nada dizem! — E não será uma boa estratégia? Uma boa forma de evitar dizer aquilo que não convém? — Em conclusão, não confias em mim! — Confio. Evidentemente que confio. A ti posso dizer o que se passa, desde que não me dês pretextos para contornar a tua curiosidade. — Sou todo ouvidos. Desembucha. Ou queres ficar aqui o resto da noite na sala de jantar? — O que se passou é rápido de contar: interromperam-me a sesta para ir falar com o comandante de batalhão pela rádio. — Quem? O tenente-coronel Soares Coelho? — Claro! Conheces mais algum? Quem é que havia de ser? — E o que é que ele te queria? — Queria, não, quer. Quer que eu vá falar com ele amanhã, em Sanza Pombo. Vou para lá a seguir ao almoço e devo regressar no mesmo dia, se ele me deixar. — Mas, concretamente, o que é que ele pretende de ti? — Isso é o que vou descobrir amanhã. Não ias certamente querer que me dissesse tudo através da rádio, para sermos escutados por ouvidos estranhos. — Quer dizer que vais expressamente para falar com o nosso comandante. Só isso? — Evidentemente! Doutro modo, nunca me deslocaria a Sanza. Claro que, já que tenho de lá ir imprevistamente, amanhã irá comigo o furriel vagomestre, responsável pela cantina. Enquanto falo com o comandante, aproveitamos para efectuar o reabastecimento. Evito outra ida à sede do batalhão, tanto mais que vou ter de levar a Berliet e uma secção para escolta. — Escolta para quê, Ulisses? Não costumam lá ir apenas com uma viatura? — Claro que não. Se a Berliet vem para cá carregada de géneros, onde queres que os soldados se sentem? Tem que ir outra viatura a escoltar. Na Berliet vou apenas eu e o condutor. Sem o banco corrido atrás, não podem ir soldados. Não haveria espaço para o reab. |