Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996. |
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Apesar da câmara escura ser
conhecida desde tempos recuados da história da humanidade, a primeira
fotografia, nos moldes em que hoje a conhecemos, só foi conseguida em 1827 por
Niepce
. Desde essa primeira
fotografia até aos nossos dias, foram necessários diversos progressos tecnológicos,
não só relativamente aos suportes físicos e processos químicos utilizados,
como também em relação aos sistemas mecânicos, cuja evolução técnica,
cada vez mais sofisticada, conduziu a câmaras altamente compactas e de grande
facilidade de utilização por qualquer amador. Com o aparecimento da
fotografia e a revolução industrial, «a
imagem, propriedade dos feiticeiros e dos sacerdotes», acabou por se tornar
um factor de mobilidade. «Até então tímido
meio auxiliar da escrita, viu a sua função modificar-se radicalmente: a camada
sensível da película fotográfica permitiu que se substituísse a imitação
imaginada pela representação.»[1]
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Este aspecto, posto em relevo por H. Dieuzeide, e reforçado por Paul Valéry,
que afirma que «doravante o brometo
sobreleva a tinta», é em certa medida «acautelado» por Cloutier, que
chama a atenção para um aspecto importante e por vezes esquecido,
relativamente à imagem fotográfica.
Segundo Cloutier, a gravação visual das imagens através de uma câmara «provocou a extensão do mundo da imagem»; mas, ao contrário do que
seria de pensar, «é ilusório
acreditar-se que esse mundo da imagem está muito mais perto da realidade do que
o estava o desenho ou a pintura.»[2].
É que, como ele faz notar, a fotografia transpõe em dois planos uma realidade
que é a três dimensões e segundo um ângulo subjectivo, que é o do próprio
fotógrafo que escolhe o momento e o enquadramento da imagem. Seja como for, a
criação dos modernos sistemas mecânicos de obtenção de imagens foi
extremamente importante para os modernos sistemas de comunicação e sem os vários
progressos efectuados no campo da fotografia seria impossível a invenção do
cinema, uma vez que os princípios em que ambos se baseiam são praticamente os
mesmos. A única diferença reside em que no cinema é necessária uma sequência
de fotogramas, a uma cadência de 24 imagens por segundo, para que o fenómeno
da persistência da visão possa ocorrer. Relativamente à fotografia,
além das funções que lhe são habitualmente conferidas, quer no campo
profissional, quer no amador, esta começou desde muito cedo a ser considerada
como um valioso recurso educativo. Além de, através da câmara fotográfica,
ser possível uma obtenção relativamente fácil de transparências para projecção
fixa, a imagem fotográfica, obtida sobre papel, bem como todo o processo
utilizado para a sua obtenção, pode desempenhar funções didácticas
extremamente importantes. Além das funções didácticas da imagem, que tivemos
oportunidade de referir em capítulo anterior, o processo de obtenção da
imagem utilizando uma máquina, bem como todo o processo laboratorial para
revelação e obtenção de provas, pode ser utilizado no ensino com elevadas
vantagens pedagógicas. A nível das Ciências Físico-Químicas, o professor
poderá levar os alunos a compreenderem o fenómeno de uma maneira prática e a
interessarem-se pelo processo laboratorial, desde que as escolas estejam dotadas
com laboratório de fotografia e equipamento mínimo. Por outro lado, a existência
de laboratório e o conhecimento de todo o processo de obtenção de
fotografias poderá ser o ponto de partida para actividades de extremo interesse
formativo dos alunos, podendo dar origem à criação de clubes de fotografia
ou, de uma maneira mais alargada, a clubes de audiovisuais, entre os quais poderão
ser incluídas a
fotografia
, permitindo desenvolver
conhecimentos técnicos e artísticos e dar, inclusive, apoio a outras
actividades da escola.
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Tal como refere António
Mendes dos Santos Moderno[3],
«ninguém desconhece o impacto que a
fotografia e os quadros murais exercem principalmente nas disciplinas de observação:
Geografia, História, Biologia, Desenho, etc.» E a sua importância
estende-se, inclusive, a outras áreas disciplinares, facto que tem levado ao
aparecimento de publicações constituídas exclusivamente por imagens fotográficas
de diversos autores[4],
podendo «desempenhar um papel importante
na motivação à expressão oral e escrita.» Pode ainda, além das
vantagens já enunciadas, dar origem à criação de clubes de fotografia ou, de
uma maneira mais alargada, a clubes de audiovisuais, permitindo desenvolver
conhecimentos técnicos e artísticos e dar apoio, inclusive, a outras
actividades da escola, como por exemplo os clubes de jornalismo e, mais
recentemente, a área escola. Inventada a fotografia, «em
menos de cinquenta anos, a imagem fotográfica, ao mesmo tempo duplo mágico e
reflexo realista, torna-se visão dinâmica com o cinema.» Da imagem fixa,
instantânea, obtida pela objectiva da máquina fotográfica, passa-se para um
universo em que o tempo e a acção passam também a estar presentes, graças ao
movimento obtido pela sequência de fotogramas projectados a uma determinada cadência
por segundo. O cinema constitui a grande
etapa da época contemporânea na história da imagem e uma das mais
importantes, pela adição de uma nova dimensão: o movimento. Este é indispensável
para «se obter uma verdadeira síntese
audiovisual», síntese esta que vai atingir o seu máximo a partir do
momento em que o homem lhe consegue juntar o som. A invenção do cinema pelos
irmãos Lumière só foi possível porque anteriormente já se dedicavam
à investigação e
desenvolvimento dos processos fotográficos e porque tinham conhecimento das
invenções feitas noutros países no domínio das técnicas da produção de
imagens. Por outro lado, sem o aparecimento dos filmes flexíveis em rolo de
celulóide e sem a invenção por outros de máquinas precursoras, utilizando já
os princípios das actuais máquinas de cinema, nunca os irmãos Lumière teriam
podido, em Dezembro de 1895, deslumbrar o público parisiense com aquelas
"fantásticas" imagens do mundo conhecido que os rodeava e que por
essa altura redescobriam no ambiente escurecido de uma primitiva sala de cinema. Nascido no século XIX,
tendo em vista constituir um instrumento de pesquisa científica, como nos
recorda Edgar Morin, em breve o cinema desviou-se inteiramente desses objectivos
e foi apresentado publicamente, em 28 de Dezembro de 1895, constituindo uma
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espectáculo, que veio a transformar-se na sétima arte, tendo em vista
intuitos essencialmente comerciais. Ao lado do cinema comercial,
começaram também a surgir curtas metragens, com filmes especializados, com
produções de carácter essencialmente pedagógico, a que os anglo-saxões dão
o nome de «filmes de não ficção» (non-fiction
film), ou seja, filmes que têm a ver com aspectos concretos, reais, ligados
com as ciências e diversos domínios da actividade humana. E, como refere
Paul-Louis Martin[5],
a entrada da televisão em quase todos os lares, ao contrário do que poderia
pensar-se, não teve efeitos negativos sobre este sector da produção fílmica;
pelo contrário, segundo este autor, o fenómeno explica-se facilmente pelo
facto de que «a televisão habitua o
indivíduo à circulação de mensagens audiovisuais na vida doméstica.»
Assim, ao lado do filme comercial de longa duração, há uma produção de
curtas metragens, com objectivos vários, entre os quais a apresentação não só
de factos reais, de acontecimentos, funcionando, antes da vulgarização da
televisão, como os antecessores dos actuais noticiários televisivos, mas também
com um papel marcadamente cultural, dando a conhecer aspectos vários ligados
com as artes, as ciências e o mundo em que vivemos. Sem descermos a uma
classificação tipológica das diferentes categorias de filmes de curta
metragem, apenas recordamos que os primeiros filmes produzidos pelos irmãos
Lumière, cuja duração era de uns breves segundos, constituem, segundo
Paul-Louis Martin, como que uma espécie de «fotografias
animadas», pois, à semelhança das imagens fotográficas, esses curtos
filmes eram obtidos com um só plano, estando a câmara fixa e apenas diferindo
da fotografia pela presença do movimento. A narrativa em cinema, de
tipo ficcional, é iniciada a partir de 1897 por Méliès, cujos elementos da
história são apresentados em quadros. A partir de 1902, com o filme Viagem à Lua, o cinema começa a evoluir, tanto na Europa como nos
Estados Unidos, começando a surgir metragens cada vez mais longas, baseadas em
obras de ficção, com objectivos comerciais, tornando-se a curta metragem o «mal
amado» do cinema. Curiosamente, o aumento da duração dos filmes foi mal aceite por alguns críticos da época. Por exemplo, na revista belga "Ciné-Journal", de cerca de 1911, lê-se a seguinte crítica: «O
cinema agrada-me sobretudo pela grande variedade de temas desfilando no ecrã e
não exigindo nenhum esforço de raciocínio dos espectadores. Hoje, obrigam-nos
a seguir um mesmo cenário durante uma hora ou mais. Não é mais um espectáculo
repousante.[6]» Em breve, o grande espectáculo
que é o cinema começa a ser encarado, em diferentes países, como um potencial
recurso pedagógico.
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No continente americano, de
acordo com as informações de P. Saettler, começam a surgir os primeiros catálogos
de cinema com interesse educativo em 1910. É o caso do catálogo de George
Kleine[7],
onde o mesmo refere que, em certa medida, «todos
os temas são educativos», mas que a classificação de filmes para fins
educativos deverá ser efectuada dentro de determinados limites. «Um
conto cómico ou dramático, em cinema, decorrido num país estrangeiro, é
educativo na medida em que mostra, de vários modos, o meio ambiente e os
costumes das pessoas (...)», pelo que «a
palavra educativo é utilizada num sentido lato e não significa que esses
filmes se destinem exclusivamente às escolas ou colégios.» Apesar dos muitos catálogos
de filmes, tendo em vista a sua utilização didáctica, só a partir de
determinada altura, perante as potencialidades comerciais de um mercado fílmico
com objectivos estritamente educacionais, começaram a surgir as primeiras
firmas voltadas para o campo pedagógico. Uma destas primeiras firmas, fundada
em Chicago em 1900, foi a Companhia Herman
De Vry, que, a partir de 1913, começou a produzir projectores de cinema e
filmes destinados ao uso escolar. Entre 1910 e 1940, o número de firmas
produtoras de material de projecção e de filmes educativos aumenta
consideravelmente no continente americano, sendo os formatos privilegiados, pelo
seu menor custo, o 16 e o 9,5 mm. Entre as várias firmas existentes, cuja
resenha histórica poderá ser encontrada na obra de Paul Saettler, destacam-se
a Bell and Howell Company (1907), a Victor Animatograph Company (1910), a The Edison Film Library (1911), Educational
Films Corporation (1915) e a Eastman
Teaching Films (1928). Tendo em vista a utilização
escolar de material de natureza audiovisual, não apenas filmes, mas também
imagens de diferentes tipos, surgem nos Estados Unidos diferentes museus
escolares, onde os alunos podem observar, em visitas de estudo guiadas pelos
professores, diferentes tipos de materiais, não apenas modelos, dioramas, colecções
de espécies animais, vegetais e mineralógicas, mas gravuras e filmes. Alguns
destes museus têm mesmo um serviço de distribuição de filmes pelas escolas,
como é o caso do St. Louis Educational
Museum, cujo departamento de educação tem um serviço de empréstimo com
funcionários que efectuam o transporte dos documentos pedidos entre as escolas
e o museu. Em França, é por volta de
1911 que o cinema começa a ser considerado como podendo apresentar
potencialidades pedagógicas. Lamirand declara-se «convencido
da importância que o cinematógrafo poderá assumir no ensino das ciências[8].»
Durante o período da Primeira Grande /
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Guerra, sendo Paul Painlevé ministro da
Instrução Pública, é criada a Comissão Besson, para estudar «a utilização do cinematógrafo no ensino.[9]»
Em 1921, é criado, no Museu Pedagógico, uma Cinemateca Central do Ensino. Em 1934, reúne-se em Roma um Congresso Internacional para o Cinema de Educação, propondo-se pela primeira vez estabelecer «contacto entre investigadores e utilizadores.» [3] - António Mendes dos Santos MODERNO, Para uma pedagogia audiovisual na escola portuguesa: ensinos preparatório e secundário, Tese de doutoramento, Universidade de Aveiro, 1984, p. 199. [4] - Por exemplo, a colecção Visualizar a vida, organizada por Paulo da Trindade Ferreira, Lisboa, Multinova, s/d. [5] - Paul-Louis MARTIN, Le
cinéma non commercial, in: "L'Audio-visuel. Les Encyclopédies du
Savoir Moderne", 1ª ed., Paris, La Bibliothèque du CEPL, 1974, pp.
71-98. [7] - George KLEINE, Catalogue
of Educational Motion Pictures, New York, George Kleine Company, 1910. |
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