índice do almanaque
 
AVIFAUNA
O PENEIREIRO-DAS-TORRES

 

Carlos A. Ferraz da Conceição

 
Clicar para ampliar.

I. Introdução

Sendo o Património, em todas as suas vertentes, uma das bandeiras do Almanaque Alentejano, damos aqui continuidade ao tema da avifauna (presente no Alentejo), numa lógica de divulgação e estímulo à defesa do nosso património natural. Como tal, deixamos alguns apontamentos sobre uma ave igualmente em risco, um pequeno falcão bem conhecido das populações rurais das planícies alentejanas, denominado francelho ou peneireiro-das-torres.

Peneireiro-das-torres. (imagem extraída da Wikipedia)

II. Identificação/Características/Comportamento

Muito parecido com o peneireiro vulgar, todavia um pouco mais pequeno, bico mais fraco e com garras claras. O macho adulto é castanho avermelhado, com tons azulados na cabeça, cauda e asa, peito bege com pintas negras. As fêmeas apresentam o dorso salpicado de preto e a cauda com faixas preto acastanhadas bem visíveis. Têm entre 28 e 33 cm de comprimento (entendido como a distância entre a ponta do bico e a ponta da cauda, com a ave esticada) e 60 a 72 cm de envergadura (distância entre uma e outra ponta das asas, com estas estendidas naturalmente), podendo pesar até cerca de 200 gramas.

Vive em terreno aberto, em áreas de cultivo extensivo de sequeiro, alimentando-se sobretudo de insectos, mas também de alguns vertebrados, como os ratos do campo, lagartixas e pequenos pássaros, estes frequentemente capturados em voo.

Gafanhotos, escaravelhos, centopeias, etc., estão entre as presas preferidas, tornando o peneireiro-das-torres um bom predador de eventuais pragas das culturas e, assim, bem útil à agricultura.

O peneirar (em regra a uma altura por volta dos 10 metros) tem por objectivo a pesquisa do solo, permanecendo imóvel no ar, com as asas abertas e flutuantes, cauda contraída – daí a designação.

Encontra-se na parte sul da Península Ibérica e ao longo da região mediterrânica (sul da Europa, norte de África) até à Ásia Menor, estendendo-se ainda a outras regiões asiáticas (agrícolas ou de estepe).

É monogâmico, nidificando colonialmente nos telhados e paredes de edifícios velhos e abandonados, igrejas, escarpas, aproveitando as cavidades para fazer os ninhos. Após a postura dos ovos (3 a 5), que ocorre por volta de Abril/Maio, estes são incubados pelo casal ao longo de quase um mês, sendo que a fêmea não abandona o ninho, onde é alimentada pelo macho. As crias nascem cobertas de penugem branca, com 3 semanas possuem já pequenas penas e com cerca de um mês começam a voar. São ainda alimentadas durante mais uns quinze dias, deixando em seguida a colónia onde nasceram.

Os peneireiros-das-torres fazem-se ouvir em especial nos locais de reprodução, emitindo uma série de notas em geral mais rápidas e chilreantes do que as do peneireiro vulgar (semelhantes a um “quiquiquiqui”:..), soltando ainda um som cacarejante e rouco, algo áspero (tchak-tchak-tchak…). Os juvenis pedem com uma espécie de gritos prolongados e pouco agradáveis, chamando assim a atenção dos progenitores.

Trata-se de uma ave migradora, cuja partida e chegada ocorrem relativamente cedo, saindo (para o continente africano) em Julho ou Agosto, e regressando geralmente em Fevereiro.

Clicar para ampliar.

Peneireiro-das-torres (imagem de Lesser Kestrels in Wikipedia)

 

III. Uma espécie em perigo/Factores de ameaça/Medidas de protecção

Sendo outrora uma das aves de rapina mais comuns na Europa, o peneireiro-das-torres tem vindo a sofrer um generalizado e significativo declínio populacional. No continente europeu existirão somente entre 12 a 17 mil casais, sendo que em Portugal, onde foi estimado um número próximo dos 700 casais em meados do século passado, essa existência foi diminuindo notoriamente, rondando os 200 casais no final do século.

Passou, deste modo, a ser considerada uma ave globalmente ameaçada, alertando organismos e entidades dedicadas à protecção da Natureza, o que, de par com uma progressiva tomada de consciência das populações, tem conduzido à tomada de medidas visando a contenção e, se possível, a inversão desta tendência. Como causas deste tão expressivo decréscimo populacional podemos apontar, por um lado, a eliminação de muitos locais de nidificação (em resultado da recuperação e restauro de monumentos e edifícios antigos, onde procriavam) e, por outro, a redução de áreas de alimentação, devido a alterações de práticas agrícolas, que diminuíram a presença das suas principais presas (menores áreas de rotação entre o cereal e o pousio, aumento do regadio, florestação, instalação de culturas permanentes, etc.).

Face a tão negativo panorama que, a longo prazo, põe em causa a sobrevivência desta e de outras aves estepárias, a situação passou a ser alvo de maior atenção por parte das entidades responsáveis, motivando o surgimento de medidas orientadas para o seu combate.

Clicar para ampliar.

Em Portugal, citaremos o essencial da actuação da LPN (Liga para a Protecção da Natureza) nesta matéria. Para além de diversas medidas de gestão do habitat do peneireiro-das-torres e outras de natureza agro-ambiental (compatibilizando práticas agrícolas com a conservação das espécies), desenvolveu entre 2002 e 2005 o projecto “Recuperação do Peneireiro-das-torres em Portugal”, financiado a 75% pelo programa “Life-Natureza” da União Europeia.

Imagem de casal telhado da autoria de Nuno Lecoq. (In Web)

Este projecto teve como principal objectivo garantir, a longo prazo, a conservação da espécie no nosso País.

Centrou-se naturalmente no Alentejo, em 3 Zonas de Protecção Especial para Aves (ZPE), onde se concentram mais de 80% destas aves – as ZPE de Castro Verde, de longe a mais importante, do Vale do Guadiana (Mértola) e de Campo Maior, esta última com um efectivo quase residual e em risco de desaparecimento.

Como principais acções realizadas, poderemos citar:

Melhoramento de estruturas que albergam colónias e construção de outras novas – torres e paredes de nidificação, com cavidades próprias para o efeito – e colocação de caixas-ninho ou potes em barro (mais duráveis) nas paredes e telhados (salienta-se que a disponibilização de novos locais para os ninhos foi coroada de êxito, verificando-se desde cedo taxas de ocupação interessantes, mesmo por parte de outras aves que também necessitam de cavidades para nidificar);

Promoção da cultura extensiva de cereais e de medidas agro-ambientais (através de contratos com os agricultores com vista à gestão dos terrenos), potenciando uma maior disponibilidade alimentar;

Vigilância e monitorização das colónias, acompanhando a sua evolução;

Recolha e recuperação de crias debilitadas, com posterior libertação;

Sensibilização ambiental, particularmente nas camadas jovens. Reflectindo, de algum modo, a eficácia destas acções, verificou-se na presente década um progressivo aumento dos efectivos e do número de colónias de peneireiros-das-torres, abrindo a esperança da sua real e sustentada recuperação, com regresso a muitos dos locais onde mantinham uma presença regular.

Que todas as entidades ligadas a esta temática (em particular na Agricultura e Ambiente) não descurem a sua atenção e apoio às espécies vulneráveis e em risco – eis uma reivindicação que nos parece inteiramente consensual.

E que as novas gerações, melhor preparadas e mais receptivas a todas estas questões, prossigam e ampliem os passos já dados, no sentido de uma cada vez maior protecção e equilíbrio da Natureza.

cimo da páginapágina anteriorpágina seguinte