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PATRIMÓNIO

Património do Alentejo

Um Recurso para o Desenvolvimento

 

Vasco Martins Costa

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Como poucos, soube Miguel Torga compreender e descrever o Alentejo e a alma alentejana, extraindo em jeito de síntese as suas características essenciais. Para este escritor o Alentejo representa o diverso, o inesperado e o antagónico, que são a essência de um acto de entendimento.

Características estas que, sendo especificas, sublinham a importância do detalhe numa imensa paisagem que o homem ocupa e vai transformando desde tempos imemoriais.

As inúmeras marcas dessa ocupação entrecruzam culturas, hábitos e costumes, cuja descoberta e conhecimento nos permite recriar à posteriori, de um modo imaginário, as condições de vivência das diferentes épocas e perceber o caminho de transformação da paisagem e do homem.

Percorrer hoje o Alentejo é ganhar consciência de uma realidade multifacetada, onde os monumentos megalíticos dialogam com expressões mais recentes da capacidade construtiva do Homem.

Os castelos e fortificações, para garantir os indispensáveis requisitos de defesa e protecção, os palácios e as casas de habitação, onde se traduzem as condições da vida social e familiar, e os conventos, igrejas, capelas e ermidas que, independentemente da função específica, constituem marcas simbólicas de riqueza espiritual e religiosa de um povo, que tem no ondulado e na vastidão do terreno em que se move o impulso gerador da sua força de carácter e a chama da sua alma grandiosa.

Só esta dimensão do homem alentejano terá permitido o saber tirar partido dos materiais à sua disposição, para nos presentear com construções ora imponentes ora graciosas de arquitectura erudita e vernacular, mas sempre testemunhos de um saber fazer sem igual.

Utilizando o mármore, a pedra e a terra, legaram-nos um vasto e riquíssimo património que nos compete defender e valorizar.

Perante a diversidade e dimensão desse património construído, é a altura de nos interrogarmos sobre o real significado e importância que representa para nós nos dias de hoje.

O aprofundado conhecimento que temos desse vasto e rico património, expressão materializada dos traços culturais sobrepostos à matriz civilizacional inerente àquele território, coloca-nos a questão de sabermos, até que ponto, se constituem como frutos apetecíveis de sementes de outrora.

Compreenderemos melhor e aceitaremos mais facilmente este ciclo de vida, se pensarmos que os cantares alentejanos e as mãos dos artífices traduzem todo o cuidado e amor indispensáveis à germinação das sementeiras.

Capelas e ermidas do Alentejo - Clicar para ampliar.

Capelas e ermidas do Alentejo

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De que outro modo poderíamos hoje encontrar a cada passo as manifestações mais perfeitas dessa alma alentejana que se dá a conhecer nas mais diversas formas, no casario apinhado das cidades, nos montes alentejanos que despontam na imensidão das herdades e nos delicados e harmoniosos trabalhos que os homens artesanalmente produziam, ocupando tempos livres e dando vazão a uma rara expressão artística e criadora, trabalhando o cobre, o couro e o barro. Recordemos a este propósito a excelência e beleza da olaria desde as imponentes talhas para o vinho, até aos pequenos artefactos decorados que servem os mais diversos propósitos.

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Concorrem, a par das construções que preenchem e decoram, para uma melhor compreensão do Homem alentejano, pleno de dignidade e sentido de independência mesmo nas situações de maior infortúnio.

A questão é, afinal, o sermos capazes de avaliar até que ponto não são todos estes atributos o recurso para um desenvolvimento sustentado do amanhã, capaz de estabelecer a ponte temporal com o apogeu transformador dos povos que anteriormente deram vida àquela região.

Difundir toda uma riqueza e multiplicidade de saberes e saber fazer, promovendo o turismo e cativando os visitantes, poderá constituir o embrião dessa transformação social em direcção ao desenvolvimento sustentado.

Directamente, esta linha de acção estratégica contribuirá para a salvaguarda do património, pertença da região alentejana e, consequentemente, para a recuperação das profissões tradicionais inerentes a toda aquela expressão cultural.

Indirectamente, promoverá o aparecimento de novas empresas ligadas à indústria do turismo, na hotelaria, restauração e entretenimento.

A consequência lógica será o inevitável incremento das indústrias de cultura, através de rotas temáticas, bibliotecas, centros de interpretação, teatros, escolas, etc., que contribuirão decisivamente para o aperfeiçoar do conhecimento de línguas estrangeiras, necessárias ao pleno diálogo com os visitantes, naturalmente ávidos de conhecer e fruir a nossa História e Património em todas as suas matizes.

Conventos no espaço alentejano. - Clicar para ampliar.

Criar-se-iam, deste modo, as condições para a instalação de modernos pólos geradores de riqueza, só possíveis com a confirmada preparação técnica e científica das populações locais.

Pensemos, por exemplo, na definição de uma rota cultural relativa à corrente artística maneirista. Sabemos que as condições sociais, políticas e religiosas de então e a constatação e súbita consciência de que o Mundo se afirmava bem diverso do imaginado, vem transformar a mentalidade do homem do Séc. XVI, traduzi da na arquitectura por um dinamismo em que se pode ler a inquietação e o desequilíbrio, resultantes do desejo de romper com a arquitectura renascentista onde "o conjunto de volumes resulta simétrico, harmonioso,") estático, limitado e, sobretudo, tranquilo". (1)

Conventos existentes no espaço alentejano.

Teve grande importância para a explosão desta corrente artística a política cultural de D. João III, que foi de "franca abertura aos círculos do Humanismo cristão, como aos Círculos do Humanismo Italiano".(2)

Évora afirma-se como um importante centro de criação e irradiação desta corrente artística de grande plasticidade, expressividade, força e movimento.

Nesta cidade podemos destacar alguns belos exemplares como: a Igreja da Graça, onde é de salientar a utilização do frontão duplo, antes da sua utilização e divulgação por Palladio, a Igreja de S. Antão, a Igreja do Espírito Santo e a Igreja do Convento da Cartuxa.

Noutras cidades são, ainda, de referir como belos exemplos: a Igreja de Santa Maria em Estremoz e a Sé de Portalegre.

A densidade do património de cariz religioso, nesta região alentejana, suporta facilmente a criação de inúmeras rotas de características distintas, capazes de atrair a atenção e o interesse de um número crescente de visitantes.

Os mapas aqui reproduzidos, extraídos do Sistema de Informação para o Património – IPA, que oportunamente desenvolvemos, na DGEMN, documentam, de forma impressionante, a ocupação do território.

A diversidade e variedade das riquezas histórica e cultural, também contidas naquele Sistema de Informação, expressam a oportunidade de uma utilização que devolva às gerações de hoje os frutos do labor e saber dos seus antepassados.

Legendas:

Mapas – DGEMN – IPA, 2005, www.monumentos.pt , pesquisa geo-referenciada.

Igrejas existentes no espaço alentejano - Clicar para ampliar.

Igrejas existentes no espaço alentejano.

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(1) Jorge Henrique Pais da SILVA, Estudo sobre o Maneirismo, p.128

(2) José Eduardo Horta CORREIA, Arquitectura Portuguesa – Renascimento Maneirismo Estilo Chão, p. 30

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