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NA QUINTA ONDE NASCEU E CRESCEU A AUTORA DAS «LETRAS PORTUGUESAS»

Casa-Museu de Soror Mariana Alcoforado

 

Manuel Geraldo

Convento de Nossa Senhora da Conceição, em Beja. Clicar para ampliar.

A casa da quinta onde Soror Mariana Alcoforado terá nascido (fala-se também num palacete na Rua do Touro) e na qual de certeza viveu durante a infância e adolescência com os pais e os irmãos, antes de entrar como noviça para o Convento de Nossa Senhora da Conceição, em Beja, poderá vir a transformar-se em breve em Museu (ou sede de uma Fundação com o seu nome) por iniciativa do proprietário do antigo morgadio, Artur Pais, até há pouco presidente do NERBE (Núcleo Empresarial da Região de Beja) e actualmente vice-presidente da AIP (Associação Industrial Portuguesa).

A biografia de Soror Mariana AIcoforado (1640-1723), e a autoria das "Cartas Portuguesas", que lhe deram fama universal, têm sido motivo de permanente e acesa controvérsia desde que o livro foi publicado em Paris, no já longínquo ano de 1669, com o título original de "Lettres Portugaises", e ainda agora não são consensuais (aliás qualquer personagem ou facto histórico constituem por regra elementos dinâmicos em permanente mutação), mas quase dois séculos decorridos poder-se-á escrever sem grande margem de risco que o destinatário das famosas epístolas foi Noël Bouton, que se intitulava Marquês de Chamilly Saint-Léger. Era oriundo de uma família nobre da Borgonha, militar de profissão, e tomou parte nas Invasões Francesas, tendo integrado as tropas napoleónicas comandadas pelo General Junot que estiveram a combater no Alentejo.

  Soror Mariana Alcoforado - Clicar para ampliar.   O Marquês de Chamilly - Clicar para ampliar.  
  Soror Mariana Alcoforado   O Marquês de Chamilly  
         

Soror Mariana imaginada por Matisse - Clicar para ampliar.
Soror Mariana imaginada por Matisse.

Por detrás das grades do Convento, Mariana tê-lo-á visto, garboso na sua farda prateada, e apaixonou-se. É incerto, mas não impossível, que se tivesse chegado a encontrar, como a então monja "clarissa" deixa entender num das suas acaloradas e veementes missivas: "Demasiado sei eu que todas a emoções, que em mim se apoderaram da cabeça e do coração, eram em ti despertadas unicamente por certos prazeres e como eles, depressa se extinguiam. Precisava nesses deliciosos instantes chamar a atenção em meu auxílio para moderar o funesto excesso da minha felicidade e me levar a pressentir tudo quanto sofro presentemente."

Ao regressar a França, um ano depois, Chamilly remeteu-se ao silêncio e nunca terá respondido a nenhum dos apelos da sua quase inacessível e incómoda apaixonada. Sabe-se, no entanto, que Chamilly atingiu altos cargos no Exército, tendo falecido em 1715, aos 79 anos.

No entanto, pelo forte halo romântico que envolve a história de Soror Mariana e as cartas que escreveu (ou que alguém escreveu por ela) numa altura em que as mulheres-escritoras, e sobretudo no seu caso em que era freira, se poderiam contar pelos dedos de uma das mãos, o seu nome continua a ser objecto de verdadeiro culto um pouco por todo o Mundo, como acontece por exemplo no longínquo Japão, de onde chegam a Beja numerosos "fiéis" que se prostram em pose quase beatífica, de pleno êxtase, junto à janela que teria servido para Soror Mariana olhar enamorada a figura varonil do jovem Cavaleiro de Chamilly, algures em movimento ou parado no largo fronteiro ao vetusto mosteiro.

E foram igualmente muitos os pintores (desde Henri Matisse, Modigliani a Vieira da Silva), aos romancistas, poetas, dramaturgos e ensaístas que, nas suas obras, se inspiraram na freira alentejana, aparecendo surpreendentemente nessa imensa lista, Humberto Delgado, o também famoso, audaz e igualmente trágico "General Sem Medo", autor de uma peça de teatro, apresentada em 2004 pelo Teatro Experimental de Cascais, com encenação de João Vasco, e de um ensaio sobre este pungente drama amoroso.

Um filão romanesco e bibliográfico, sem dúvida inesgotável, que Beja legou para a posteridade e que esta Casa /Museu (ou Fundação) irá em boa hora ajudar a perpetuar.

 

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