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N.º 17

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1974 

Freguesia de S. Nicolau da Vila da Feira

Por Roberto Vaz de Oliveira


Licenciado nas Faculdades de Direito e Letras – Secção de

Ciências Histórico-Geográficas – pela Universidade de Coimbra

 

 

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 LUGAR DE JUSTAS

H

CAPELA DE TODOS OS SANTOS

1

Descrição

Para nascente do terreno onde está implantado o edifício que serviu de cadeia comarcã, há um pequeno caminho que liga a rua do Dr. Santos Carneiro com o lado nascente do cemitério local.

A faceá-lo pelo poente e a pouca distância desta rua existem os restos desta velha capela, que foi convertida em habitação de caseiros e presentemente, serve de arrecadação de produtos agrícolas.

O seu passado está atestado na frontaria.

O portal de entrada está trabalhado ao sabor da cantaria das janelas da casa do capelão, sobre a sacristia da capela de Nossa Senhora da Encarnação, junto ao castelo, reconstruída pela condessa da Feira, D. Joana Forjaz Pereira de Meneses, em 1656 e da janela que se abre na torre sul da igreja matriz, ainda em construção no meado do século XVIII, o que tudo / 56 / corresponde a um período compreendido entre os meados do século XVII e os meados do século XVIII e convém considerar no estudo da história desta capela e casa de Justas.

O mesmo pormenor foi aproveitado para a cantaria das janelas do edifício do tribunal, quando há anos foram reconstruídas as suas paredes.

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Capela de Todos os Santos, em Justas.
 

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Capela de Todos os Santos, em Justas. O Brasão

Esta capela está encimada por uma cruz, hoje partida, sobre um plinto, na convergência de dois panos de cantaria que descem até às suas paredes laterais.

Sobre aquele portal de entrada está aplicada uma pedra de armas, onde estão representadas, no primeiro e quarto quartéis, as dos Leitões e, no segundo e terceiro, as dos Coelhos, motivos de muito interesse para este estudo.

Esta pedra de armas é simples e não tem elmo, nem timbre, terminando, em cima, em ponta formada por duas curvas reentrantes.

Para sul, desenvolve-se a casa, formada de rés-do-chão e primeiro piso, este servido por um portal que deita para uma velha escadaria que a separa da capela.

Está arruinada mas ainda tem sinais da sua antiguidade, como sejam este portal, duas janelas com varandas (hoje transformadas em simples janelas) voltadas para nascente e uma outra voltada para sul, (prejudicada pelo seu estreitamento), todas do mesmo estilo e trabalhadas como aquele portal de entrada da capela.

Ainda se encontram velhos degraus muito consumidos e um portal a sul que parece ter pertencido ao pátio ou a dependências exteriores da casa, além de outras pedras aparelhadas.

A casa destina-se a habitação e serve terrenos destinados à agricultura, cultivados pelos caseiros que lá vivem.

As fotografias que se publicam dão maior clareza à narração.

Na parte traseira da capela (para poente) há uma escada para o exterior, que me parece ser relativamente moderna (posterior à profanação da capela), pois o interior da parede, onde está aberta, devia ter sido ocupado pelo altar.

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Capela de Todos os Santos e casa, em Justas.


2

História

Como geralmente sucede, em casos similares, a história desta capela está intimamente ligada à da casa de que faz parte e à da família a que pertencia.

Os conhecimentos que temos dela são escassos, fragmentados e sem a necessária continuidade, pelo que tenho que me socorrer de pequenas notícias, de factos / 57 / ligados à vida dos seus diversos proprietários e outros elementos de diversa ordem, como quem está a recolher cacos de uma peça desmantelada, que se procura reconstituir.

Para isso, passo a destacar pessoas e acontecimentos que interessam a este trabalho, integrando-os, o mais aproximadamente possível, nas épocas a que, respectivamente, respeitem, para depois tirar conclusões que, quando se não possam fundamentar em juízo de certeza, ao menos o possam ser no de uma aproximação e verosimilhança aceitáveis, o que será oferecido à consideração do leitor.

*

*  *

Para o descritivo da linha de sucessão tomo, como ponto de partida, Gaspar Leitão Coelho (pai), filho de Feliciana Coelho Campos e de seu marido João Soares Leitão, por aquele ser o primeiro da família que, em si, reuniu o ramo dos «Coelhos» ao dos «Leitões», cujas armas ornam o brasão da capela.

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Casa de Justas – Frente nascente

Casou, pela primeira vez, com Cecília Pinto de Melo, filha de Pedro Melo Soares, o do púcaro e de sua mulher Briolanja Pereira e, pela segunda vez, em 1586, com Eva Machado, filha de Sebastião Lopes e de Joana Fogaça, conforme data referida pelo Dr. Vaz Ferreira no seu estudo sobre a Feira, ainda inédito, existente na Biblioteca Municipal da Feira.

Por morte deste Sebastião Lopes, em 1590, partilharam-se os seus bens e a viúva doou, à filha Eva e ao genro Gaspar Leitão Coelho (pai), a sua parte nas propriedades em Gaiate e Cesar:

«Casou 2.ª vez com Eva Machado f.ª de Sebastião Lopes Pacheco, com a qual lhe derão em dote a q.ta de Cesar e Gaiate a qual lhe deixou seu sogro pelo t.º do ano de 1590 com certos encargos e por esta m.er forão seus descendentes Sr.es de Gayate» (Felg. Gaio – cit. ob. tomo XI, pág. 195).

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Casa de Justas – Frente nascente. Antigas sacadas.

Sobre este Gaspar Leitão Coelho e sua família falou o Dr. Vaz Ferreira não só naquele seu estudo, mas ainda em outros que intitulou «O Marquês de Pombal oriundo da Feira» e «Brasão de Justas, D. Inez de Castro e Calendário Romano», publicados no «Arq. Dist. de Aveiro», respectivamente no vol. XI – pág. 174 e vol. XIII – pág. 114.

Convém esclarecer que, em seu dizer, estes trabalhos, em parte, fundamentam-se em conhecimentos / 58 / que colheu em detalhe, por notas manuscritas de ignoto informador, à margem do exemplar do «Theatro Genealógico», arquivado na Biblioteca Municipal da Feira.

Este livro, a que adiante me refiro, foi oferecido ao Dr. António Augusto de Aguiar Cardoso pelo seu primo Carlos Américo de Aguiar, genro do Dr. José Henriques Pinheiro, a quem parece que ele pertenceu.

O Dr. Vaz Ferreira ainda informa que quase todos os exemplares existentes deste livro «se encontram anotados e acrescidos com indicações por vezes muito interessantes».

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Casa de Justas – Escadas

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Casa de Justas – Frente sul. Antiga varanda e portal do pátio.

O que possuo não tem qualquer anotação.

Seria conveniente comparar as anotações dos diversos exemplares a fim de se poder alcançar elementos que nos pudessem ajudar na averiguação da veracidade dos seus dizeres e da autenticidade das fontes de onde emanam.

Carta genealógica da Família Leitão-Coelho. Clicar para ampliar para uma resolução de 1500 px.
Carta genealógica da Família Leitão-Coelho

Até lá temos que as olhar com a devida reserva, sempre sujeitas à confirmação por Melo de texto ou notícia que, por sua natureza, mereçam confiança.

O Dr. Vaz Ferreira, no citado «Arquivo», no artigo «O Marquês de Pombal oriundo da Feira», diz a pág. 174 e 175: «A D. Cecília morreu deixando o viúvo e filho, ambos Gaspar Leitão Coelho, a viverem em Arrifana, freguesia do concelho da Feira, à borda da estrada de Lisboa ao Porto e confinante com S. João da Madeira».

No dizer de Felg. Gaio, cit. ob. tomo IX – pág. 126, este Gaspar Leitão Coelho (pai) era «senhor de Cesar e Gaiate e pessoa de respeito na terra da Feira, acrescentando no tomo XI – pág. 194,: «...pelos anos de 1551 e vivia como Fidalgo segundo se mostrou na causa de Monte Alvão que seus descendentes correram com Gonçalo Cristóvão, Sr. da Casa de Sergude, e naquela vila teve um of.º de T.am de Notas q naquele tempo exercião pessoas de qualidade...»

Segundo o Dr. Vaz Ferreira, como adiante me refiro, ele faleceu em 1598.

Foi «enqueredor», contador e escrivão na comarca da Feira.

Para melhor entendimento, publico uma carta genealógica desta família, de onde facilmente se poderão conhecer as relações de parentesco entre as várias pessoas referidas neste estudo, dispensando-me, assim, de fazer referência especial a todos os seus membros.

/ 59 / Destacarei, contudo, alguns deles pelo interesse que isso merece.

A autenticidade de alguns desta genealogia está contrariada na «História Genealógica Portuguesa» – Livro 3.º – n.º 22, pág. 10.

A que coligimos neste trabalho merece-nos plena preferência.

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Quanto aos ascendentes de Gaspar Leitão Coelho (pai), posso esclarecer o que passo a expor.

Seu pai – João Gomes Leitão, foi escrivão da Câmara Municipal de Pinhel, como refere Felg. Gaio, na cit. ob. – tomo XVII – pág. 41 – e sua mãe – Feliciana Coelho Campos – descendia, em linha recta e varonil, de Pedro Coelho, um dos assassinos de Inez de Castro, a quem o rei D. Pedro mandou arrancar o coração pelas costas.

João e Feliciana ainda viviam em 1586 (Arq. Dist. Aveiro – vol. XVI – pág. 211).

Estes tiveram, como filho mais velho, o Dr. Lourenço Coelho Leitão – Desembargador da Relação do Porto (Felg. Gaio – cit. obra – tomo XI – pág. 182).

Pedro Coelho casou com Aldonça Vasques, filha de Vasco Pereira e de Inez Lourenço da Cunha, ele filho de D. Gonçalo Pereira e de Urraca Vasques que, além daquele Vasco, tiveram outro de igual nome, que foi o pai de D. Álvaro Pereira que, por sua vez, foi pai de D. Nuno Álvares Pereira.

Assim, o Vasco – pai de D. Aldonça – era irmão do célebre Gonçalo Pereira, que começou a sua vida pública como prior desta freguesia de S. Nicolau da Vila da Feira, em 1296, sendo, depois, deão da Sé do Porto, bispo eleito de Évora, bispo de Lisboa (em 21 de Agosto de 1322) e arcebispo de Braga.

Morreu a 3 de Março de 1358.

Em 1336 comparticipou na derrota do exército castelhano de D. Fernando Rui de Castro, quando invadiu Portugal, tomou parte na batalha do Salado em 30 de Outubro de 1340 e foi medianeiro nas pazes feitas entre D. Afonso IV e seu filho D. Pedro I.

Pedro de Melo Soares (pai da primeira mulher de Gaspar Leitão Coelho – pai –, de nome Cecília Pinto de Melo) passou à história com a alcunha de «o do púcaro»: foi Alcaide-Mor de Pinhel, Comendador-Mor de Avis e instituidor do morgado de S. Paulo e criado de D. João II (Crónica de D. João II – Garcia de Resende – Cap. 86, fIs. 58).

O Dr. Vaz Ferreira diz-nos no citado estudo – «Brasão de Justas...» (Arq. vol. XIII – pág. 114), o que o visconde Júlio Castilho refere na sua «Lisboa antiga», tomo III da 2.ª parte, pág. 20, quanto a este Soares:

«Como se sabe, serviam à mesa dos monarcas os primeiros senhores da corte. Estava uma vez de serviço Pedro de Melo (filho do 7.º senhor de Melo, Martim Afonso de Melo e de Brites de Sousa). Quando atravessava a sala desequilibra-se, talvez por dar nalgum tapete, inclina a salva e deixa cair ao chão, fazendo-lhe em estilhas, o malfadado púcaro que el-rei pedira e esperava. Riso geral nos circunstantes: confusão indizível no acabrunhado servidor. Então el-rei (alma grande! nas pequenas coisas é que elas se mostram!) franzindo o sobrolho, com um franzir que ele sabia, que era de fazer estremecer as carnes, exclamou firme e severo com seu modo vagaroso e no tom nasalado que lhe atribui Resende: – A que vem tanto riso? Caiu sim, o púcaro da mão de Pedro de Melo, mas isso que mostra? Nunca lhe caiu do punho a sua valente espada: essa não.

Basta às vezes um dito assim para ressuscitar um morto. Daí avante, ficou ao Melo a invejável alcunha de «o do púcaro» e por ela é conhecido».

Este Pedro Melo Soares foi casado com Briolanja Pereira.

O padre frei João da M.ª de Deus, diz que sua mulher se chamava Briolanja Andorinho, filha de Fernão Pinto, da quinta de Real e de sua mulher Brites Lopes Andorinho. Felg. Gaio, na cit ob. – tomo XVIII, pág. 152, § 29, n.º 11, remete para t.º de Pintos § 44, mas entende que a filiação mais certa, não é esta mas a que refiro na carta genealógica da «Família Leitão-Coelho».

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Quanto à descendência do Gaspar Leitão Coelho (pai).

Do seu casamento com Eva Machado não teve filhos, mas de sua primeira mulher Cecília teve, pelo menos dois: um de igual nome que casou com Joana de Mesquita e outro – António Soares Coelho, casado com Brites Viveiros da Costa.

A este Gaspar Leitão Coelho (filho), licenciado em Direito que veio a ser desembargador, o pai Gaspar e sua segunda mulher Eva, deixaram, em «testamento eadem carta» ou de «mão comum», aqueles bens de Gaiate e Cesar, com encargo de missas por alma de ambos na igreja de Arrifana. / 60 /

Casou com Joana de Mesquita, filha de Sebastião Sucena de Azevedo e de Jerónima de Mesquita.

O Dr. Vaz Ferreira, no seu mencionado artigo «O Marquês de Pombal oriundo da Feira» diz que este Gaspar, depois de casar «passa a residir na Casa de Justas, onde lhes nasceu uma filha D. Luísa».

Não sei onde encontrou esta notícia: por certo foi nas anotações ao citado livro «Theatro Genealógico».

Com respeito a este Gaspar Coelho diz, ainda, em «Brasão de Justas...»:

«Dele só averiguei ter sido um dos signatários do acordão de 23 de agosto de 1607, absolvendo uma Antónia da Costa de ter dado uma tremenda bofetada num alcaide que lhe levantara as saias, com o pretexto de verificar qualquer infracção das leis reguladoras do luxo dos vestidos. Conta o caso Ribeiro Guimarães no «Sumário de Vária História».

Comenta, em seguida: «Este segundo Gaspar não posso afirmar que nascesse na Casa de Justas: mas é possível que o pai Gaspar lá vivesse no tempo da primeira mulher e antes de ir morar na freguesia de Arrifana».

Aquela D. Luísa – Luísa de Melo – casou com Sebastião de Carvalho, filho de outro Sebastião de Carvalho, que foi desembargador do Paço em 1554 (Felg. Gaio – cit. obra, tomo IX, pág. 126) e de sua mulher D. Maria de Braga de Figueiredo.

Luísa de Melo trouxe ao casal os referidos bens de Gaiate e de Cesar e, deste modo, o marido, desembargador como o pai, passou a intitular-se senhor da «honra de Gaiate» e da «torre de Cesar», trazidas ao casal por cabeça de sua mulher e acrescentasse o Melo nobilitante ao nome do filho de ambos» (Dr. Vaz Ferreira, cit. artigo sobre o Marquês de Pombal).

«Este filho» diz respeito a Sebastião de Carvalho e Melo que teve de sua mulher D. Leonor Maria de Ataíde – Manuel de Carvalho e Ataíde, que casou com Teresa Luísa de Mendonça e foram os pais do primeiro Marquês de Pombal – Sebastião José de Carvalho e Melo.

O Dr. Vaz Ferreira, depois de supor que aquele Sebastião de Carvalho e Melo tinha nascido na Casa de Justas – afirma, ainda, quanto a ele: «O certo é que ele veio à Feira em 1660 inquirir testemunhas no pleito para haver uns morgados na posse dos herdeiros de Martim Teixeira Coelho de Melo, senhor da vila da Teixeira e Sergude...»

Mais adiante diz: «no articulado que li, impresso, dessa questão se alega – que o Suplicado (Sebastião de Carvalho e Melo) se fazia natural da Vila da Feira, onde foram avaliar os bens que ficaram de D. Luísa de Melo, e que esta naturalidade tinha o suplicado justificado e que nele se fundava» (cit. trabalho inédito).

E acrescenta, insistindo: «A D. Luísa de Melo não há dúvida de que era da Feira e filha do licenciado Gaspar Leitão Coelho, desembargador e de sua mulher D. Joana de Mesquita. Viviam na casa de Justas e aí teria nascido a D. Luísa e até o filho desta, avô do grande marquês».

O Dr. Vaz Ferreira torna-se peremptório no seu referido artigo sobre o «Brasão de Justas» quando afirma: «A filha do desembargador Gaspar, D. Luísa de Melo e o filho desta, Sebastião de Carvalho e Melo é que com certeza viveram ali naquele solar».

O Sebastião de Carvalho e Melo foi o que iniciou o grande pleito, já referido, que se denominou «demanda de Monte Alvão», contra Martim Teixeira Coelho de Melo, senhor da Vila de Teixeira e de Sergude, para se apossar de certos morgados, com o fundamento de lhe pertencerem na qualidade de bisneto do falado Gaspar Leitão Coelho (pai) para o que dava, falsamente, como filho de Gonçalo Pires Coelho, donatário de Felgueiras e de Vieira e de sua mulher D. Violante de Magalhães.

Este pleito teve um curso prolongado, acabando pela improcedência da acção.

O Carvalho e Melo chegou a esmorecer na sua combatividade e vendeu os bens de Gaiate e Cesar ao fidalgo do Côvo – António de Magalhães e Meneses, mas seu filho, o referido Manuel de Carvalho e Ataíde, pai do Marquês, redobrou de energia e deu novo e vigoroso impulso ao pleito.

O procedimento dos Carvalhos foi sempre muito censurado, nomeadamente no tocante a este Ataíde que foi acusado de ser o autor do já mencionado livro «Theatro Genealógico» que contém as «arvores de costados das principais famílias do Reino de Portugal, e suas conquistas» com a inscrição de uma falsa autoria atribuída, em fantasia, a «D. Tivisco de Nasao Zarco, y Colona» e de uma não menos falsa referência ao lugar e data da emissão: «Nápoles. Por Novelo de Bonus. Ano MCXII».

Neste livro já se inclui o nome do Marquês.

Felg. Gaio, na cit. obra – tomo IX – pág. 126 e 127, informa: «Alguns quiseram que estes Carvalhos, como eram muito ardilosos antes de moverem aquela cauza de Monte Alvão andaram por casa de alguns genealógicos mostrando alguns instrumentos em pergaminho antigo por eles mesmos fabricados os quais instrumentos os mesmos genealógicos lançaram em seus livros, de que depois se tiraram certidões, e ainda que eles / 61 / juraram que o que tinham escrito fora pelos papeis que aqueles lhe tinham mostrado e que nos seus livros antes de se lhe mostrarem aqueles pergaminhos não constava a tal ascendência da casa de Sergude...»

Este autor não alinha pelas falsificações atribuídas a uma e outra parte.

Também se opinou que aquele livro do Carvalho e Ataíde teve por fim – com seus erros – iludir e influenciar a justiça quando a causa já estava – quanto à sua tese – a resvalar por um plano muito inclinado.

Este livro foi apreendido em Agosto de 1703 e não em 1713 como, por equívoco, se afirma no volume quinto do «Dicionário Bibliográfico» de Inocêncio Francisco da Silva.

O Dr. Vaz Ferreira, além de dar esta informação no seu aludido estudo ainda inédito, nele comenta quanto ao desfecho do pleito: «Desenvencilhou-se a meada e veio a pôr-se a claro que o Gaspar Leitão Coelho primitivo em vez de entroncar nessa nobre ascendência (de Diogo de Melo Pereira), era um fidalgote provinciano decaído em escrivão de serventia, enqueredor e distribuidor na comarca da Feira e residente em Arrifana. Devia ser da família da Casa de Justas e talvez tivesse lá nascido porque os senhores dela eram Coelhos, sem dúvida alguma e os descendentes do escrivão aí voltaram a residir. Veio o ex-escrivão a morrer em 1598 e só então os bens de Cesare Gaiate, provenientes da segunda mulher, dele passaram para o filho da sua primeira esposa. Não era possível, portanto, que os bens de Gaiate e Cesar fossem de outro Gaspar diverso e fidalgo nem que o marido da Eva fosse outra pessoa separada do marido da D. Cecília Pinto: porque do pai da Eva passaram os bens – a honra e a torre, para o filho da D. Cecília.

Lá fidalgo era o escrivão de serventia por porvir da família de Justas e mesmo por ser corrente nesses tempos darem-se os ofícios de Justiça aos filhos segundos de casas nobres e aos fidalgos decaídos de fortuna...»

Depois de referir que o Manuel de Carvalho e Ataíde se fez linhagista e escritor «para sustentação do seu inventado direito», esclarece que o Marquês seu neto, «usando o apelido Melo do bisavô feirense ainda por largo tempo continuou os recursos contra os Coelhos de Melo...»

Informa ainda: «Resa a crónica verbal cá da terra que o Manuel de Carvalho de Ataíde esteve hospedado (o sublinhado é meu) na Casa de Justas quando veio assistir a uma inquirição de testemunhas na sua demanda».

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*  *

Voltando, agora, ao outro ramo que proveio de Gaspar Leitão Coelho: o do outro seu filho.

 

António Soares Coelho.

Casou com Brites Viveiros da Costa e «justificou na Vila da Feira sendo juiz Pedro Borges, ser irmão de Diogo de Melo (Felg. Gaio – cit. obra – tomo XI – pág. 195»), o que faz crer, com visos de verdade, a sua residência nesta vila.

Daquele casamento nasceu Estêvão Leitão Coelho, que foi tabelião na Vila da Feira e casou com Inez Godinho de Andrade Freire.

Conheço escrituras em que ele interveio como tabelião desde 1608 a 1632 (cit. tombo de Huete Bacelar fls. 522, 490 e 523 v.): em 26 de Março deste último ano lavrou a escritura de compra que a «Santa Casa da Misericórdia» fez a Pedro Lopes, (arquivo desta Santa Casa).

Foi um dos ascendentes de Bernardo Moreira de Vasconcelos, senhor e proprietário da «Casa da Praça» que esteve implantada imediatamente para norte do edifício dos Paços do concelho (meu citado estudo «Quatro Séculos de História...» –, publicado em «Aveiro e o seu Distrito» e divulgado em separata – pág. 295 e árvore genealógica n.º 1).

Estêvão Coelho é referido por Felg. Gaio na sua mencionada obra – tomo XI, pág. 195 e tomo XXI, pág. 56).

Naquele tombo XI esclarece que «Domingos Soares f.º de Lopo Soares – n.º 5 –, casou com D. Maria Andre f.ª de Estevão Leitão Coelho da Feira e D. Ignez Godinho».

Daqui se vê que ele viveu na Feira.

Não é de admitir que fosse proprietário daquela «Casa da Praça», pois ela veio ao Bernardo pela linha de seu pai – Diogo Moreira de Vasconcelos – e não de sua mãe Inez Andrade de Vasconcelos, que era a descendente do Estêvão.

A sua residência na Vila da Feira deve estar ligada à de proprietário da casa de Justas.

Do casamento de Estêvão Coelho com esta Inez Godinho de Andrade Freire nasceu Feliciano Leitão Coelho.

Dele diz o cit. Gaio, no seu referido trabalho – tomo XI – pág. 195: «§ 45 ... 27. Feliciano Leitão Coelho f.º de Estêvão Leitão Coelho – n.º 26 – viveu na qt.ª de Justas no tr.º da Feira (o sublinhado é meu) casou com D. M.ª Coutinho de Almeida f.ª de Bartolomeu Pinto Gramacho e sua m.er Franc.ca de Almeida». / 62 /

É bem manifesta a afirmação da propriedade da Casa de Justas na mão de Feliciano Coelho.

Este, em 20 de Janeiro de 1707, assinou a entrega dum traslado da escritura de 17 de Dezembro de 1566 que titulou o contrato feito entre os fregueses de S. Nicolau da Feira e os religiosos do convento dos Loios, da congregação do Espírito Santo, desta vila, para a transferência da sede da freguesia da antiga igreja, no lugar da Misericórdia, para a do mesmo convento.

Feliciano e Maria Coutinho tiveram uma filha – Ana Maria de Viveiros que teve, do último conde – donatário da Feira – D. Fernando Forjaz Pereira, falecido em 1700, os seguintes filhos:

a) D. Fernando Forjaz Pereira.

b) Joaquina Maria de Meneses, casada com Jorge Cabedo de Vasconcelos e Cunha.

c) Maria de Gusmão, casada com António Barreto de Meneses.

d) Joana e Mécia, ambas freiras em Arouca.

 

Ana Maria de Viveiros também era conhecida por Ana Vicência Freire (Felg. Gaio – cit. ob. - Tomo XXII – § 2.º – n.º 24, pág. 174).

Nas «Habilitações do Santo Ofício no Distrito de Aveiro», da autoria do Dr. Jorge Hugo Pires de Lima (cit. Arq. Dist. – Aveiro – vol. XXV, pág. 78) a propósito de António Barreto de Meneses, fidalgo da Casa Real, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, diz-se: «ajustado para cazar com D. Maria de Gusmão de Meneses, nascida na Quinta de Justas, freg. de S. Nicolau da Vila da Feira, educando no Mosteiro de Santa Maria de Celas, filha natural do 8.º Conde da Feira, D. Fernando Maria Forjaz de Meneses Pimentel e de D. Ana Maria Viveiros Freire... e (neta) materna de Feliciano Leitão Coelho e de D. Maria Coutinho, naturais e moradores na Quinta de Justas (1699 – Foram aprovadas estas diligências, mas não consta a data da concessão da Carta de Familiar – António m. 37 n.º 902»).

Desconhece-se a que filho de Ana Maria de Viveiros ficou a pertencer a Casa de Justas se, porventura, não foi alienada por esta.

Feliciano Leitão Coelho e sua dita mulher tiveram, ainda, outro filho – Sebastião Leitão Coelho que ainda vivia em 1717, casado com D. Teresa..., referido no Arq. Dist. Aveiro (vol. XVII – pág. 54), por ter sido demandado, por rendas em dívida, pelo reitor do convento da Feira – Manoel dos Anjos (1715-17 e 1722).

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Como já afirmei, o referido Gaspar Leitão Coelho foi senhor de propriedades em Gaiate e Cesar, formando um grande e honroso património, sendo de admitir que tivesse sido senhor da casa de Justas, onde, possivelmente, viveu, o que é de crer, tendo em consideração o exercício da sua profissão nesta vila – «enqueredor, contador e escrivão na Comarca da Feira».

Por sua vez, sabemos que ele deixou dois filhos. Um, de igual nome – Gaspar Leitão Coelho, a quem coube, em sucessão, o referido património de Gaiate e Cesar que, assim, seguiu a linha deste, até que foi alienada por seu neto Sebastião de Carvalho e Melo.

Outro, de nome António Soares Coelho, que teve como descendentes sucessivos – Estêvão Leitão Coelho, Feliciano Leitão Coelho e Ana Maria Viveiros, todos residentes na Feira, estando bem esclarecido que esta e seu pai Feliciano viveram na quinta de Justas.

Também sabemos, de certeza, quanto à filha de Ana Maria Viveiros, de nome Maria de Gusmão, que nasceu na quinta de Justas, como consta da «Carta de Familiar» do que foi seu marido, António Barreto de Meneses – cujas diligências para a sua concessão tiveram lugar em 1699.

Tudo isto me leva a crer que, do mesmo modo como a casa de Gaiate e Cesar seguiu a linha de Gaspar Leitão Coelho (filho), a de Justas seguiu a de seu irmão António Soares Coelho.

Contraria este raciocínio o facto alegado pelo Dr. Vaz Ferreira de aquele Gaspar (filho) ter vivido na casa de Justas e aí terem nascido a filha D. Luísa e o seu filho Sebastião Carvalho de Melo.

Estas afirmações não criam dificuldades porque não assentam em qualquer facto averiguado.

Como já disse, não sei onde ele se fundamenta para dar como certo o nascimento de Luísa de Melo na Casa de Justas e outro tanto quanto ao nascimento aí "do Sebastião Carvalho de Melo.

Por isso, não posso fundamentar qualquer contestação, mas também não me vejo obrigado a aceitar a tese enquanto não me for possível apreciar a verdade da sua fonte.

Admitindo, porém, que seja verdade, assim como a vivência na mesma casa, várias hipóteses se podem dar, que a terem-se verificado não tiram mérito à minha tese: terem, aquelas ocorrências, tido lugar ainda em vida do Gaspar (pai), o que não é provável, ou enquanto / 63 / a herança, por morte deste, ainda se encontrava indivisa.

O que é certo é que o próprio Dr. Vaz Ferreira, no seu aludido trabalho inédito diz «na Casa de Justas continuou a família representada por António Soares Coelho, irmão do licenciado e desembargador Gaspar Leitão Coelho e filho, como já disse, do escrivão de serventia e de Cecília Pinto».

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De todo o exposta convenço-me de que a casa de Justas já devia pertencer à família em vida do Gaspar Leitão Coelho (pai) que «vivia na terra da Feira, pelos anos de 1551, como Fidalgo» (Gaio, cit. obra – tomo XI – pág. 194) e faleceu em 1598 reunindo, em si, os ramos de Leitões e de Coelhos.

Daqui é de concluir que a capela não foi erecta antes desta união de famílias, pelo que nos diz o brasão, embora seja de admitir que este fosse oposto na capela depois de ela construída.

Outro elemento que nos pode elucidar sobre a idade da capela é o já falado ornamento, de pedra lavrada, do seu portal de entrada e nas três sacadas (hoje convertidas em janelas) e portal da casa de habitação que, como já referi, é do mesmo gosto e forma dos da casa do capelão junto à capela do Castelo e da janela da torre (lado sul) da igreja matriz, do antigo convento dos Loios, da congregação do Espírito Santo, desta vila, torre que, como também já disse, ainda estava em construção no meado do século XVIII (cit. ob. da P.e Jorge de S. Paulo, fls. 290 v.).

É natural que os referidos ornatos da casa e capela de Justas se tivessem inspirado em qualquer destes que acabo de mencionar e, presumivelmente, nos da casa do capelão.

Como a capela do Castelo foi reconstruída em 1656 temos em jogo duas datas correspondentes aos meados do século XVII e aos do século XVIII, mas não devemos esquecer que a construção da torre deve ter decorrido por longos anos e que a citada janela está na sua parte inferior.

Do «Catálogo dos Bispos do Porto» – de D. Rodrigo da Cunha, de 1623, não consta, na relação das ermidas desta vila, a de «Todos os Santos».

Não é para estranhar que na edição de 1742, que se lhe seguiu, adicionada por António Cerqueira Pinto, ainda ela não seja referida pois, como já disse, nesta edição a segunda parte (de onde consta aquela relação) não recebeu novas adições, por este Cerqueira Pinto, como afirmou no prólogo, reserva-Ios para «tomo à parte».

Ajuda-nos, para ao fim desejado, o facto de no «Episcopológio» de Pereira de Novais, concluído em 1690, se não incluir, entre as ermidas da vila da Feira, a de «Todos os Santos» e o de o padre Francisco de Santa Maria, no seu já falado «O Céu Aberto na Terra» (L. II, Capo XLI – pág. 533-537), de 1697, já a incluir entre as mesmas ermidas: «a quarta é a de todos os Santos»

Podemos, assim, situar a construção da capela entre 1690 e 1697 e, dada a semelhança dos referidos ornatos de pedra que se verificam entre esta e a casa, também se pode admitir que a casa tivesse sido reconstruída ou recebido grandes modificações nesta data.

Isto é, tudo se deve ter passado no tempo da Ana Maria de Viveiros, hipótese que se ajusta às suposições atrás apontadas e justifica a aposição da referida pedra de armas, o que deveria ser muito grato aos sentimentos de nobreza do conde D. Fernando que talvez tivesse suportado, em grande parte, se não na totalidade, o custo das obras.

É este o nosso conhecimento até ao fim do século XVII.

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Vejamos, agora, o que consegui apurar desde então até hoje, que possa interessar à história desta casa e capela.

Dois autores a ela se referem:

a) O padre António Carvalho da Costa, na «Corografia Portuguesa», 1707 (VoI. II, pág. 107), onde afirma existir, entre as ermidas que enuncia: «e outra de todos os Santos»;

b) O vigário Quintela, já várias vezes citado, em 1758, nas «respostas ao questionário para a formação do «Dicionário Geográfico», onde diz, referindo-se às "capelas da vila: «A quarta é de todos os Santos sita no lugar de Justas, foi vínculo que finalizou e hoje pertence, por comprar o dito vinculo, a Dionisio Ferreira, desta freguesia».

Este deve ser o tabelião da Feira – Dionísio Ferreira da Silva.

Em 28 de Setembro de 1738 deu posse, a António José Saraiva Castelo Branco, da quinta das Ribas, no lugar do Castelo e de outras fazendas desta Vila da Feira.

/ 64 / Entre outras escrituras lavrou uma em 24 de Fevereiro e outra em 4 de Junho de 1739 (cit. tombo de Huete Bacelar – fls. 82 e 231 v.).

Do já citado tombo da «Casa e Estado do Infantado» tomamos conhecimento da residência do Dionísio Ferreira da Silva em Justas e mesmo do seu direito de propriedade sobre a quinta:

a) A fls. 41 v., referido a 23 de Julho de 1753, no auto de medição de quinta do Castelo;

b) A fls. 630, com data de 2 de Novembro de 1754 consta o «Reconhecimento do portado de uma galinha sem ovos que fez Dionísio Ferreira da Silva e sua mulher, moradores na sua quinta de Justas (o sublinhado é meu);

h) em 15 de Dezembro de 1755 assina, como testemunha, no reconhecimento feito por Aires José Leitão de Andrade da obrigação de pagamento por possuir propriedade em terras de Senhorinha Anes, em Fijô; é dado como «de Justas».

Ficamos, assim, a saber que já em 1753 ele era senhor da casa de Justas.

Do já citado livro de visitações à Igreja de S. Nicolau da Feira, do convento dos Lóios, consta:

a) 23 de Junho de 1754: «Mandamos que o Administrador da Capela de todos os Santos no tempo de seis meses para reformar o tecto da dita Capela que está ameaçando ruina o qual mandara engessar e revocar, e caiar as paredes, e mandara fazer uma vestimenta branca com sebartes vermelhos, dourar a copa do calix pela p.te de dentro e também a patena e encaixar no altar a pedra de Ara, e se assim o não fizer o R.do Parocho debaixo da pena de suspensão passado o dito termo pora sequestro nos bens hipotecados e pertencentes a fabrica dela»;

b) 24 de Junho 1762 – «A capela de Todos os Santos fique suspensa ate que se reforme decentemente o que se fara no termo de dous meses passados os quais o Rev.do Paroco fara sequestro nos bens aonde esta a Capela e nela, anexos que remetera a Juizo com a relação do que lhe e m.º, e todas as mais obras se farão no mesmo termo de tres mezes dando o Rev.do Paroco parte a quem respeitarem do que passara p.º Juizo Certidão e ele mesmo podera proceder contra quem lhes impedir alguma acção paroquial e propria do seu ofício nas mesmas Capelas com a multa de cem reis».

São estas as notícias que tenho referentes ao século XVIII.

Estou convencido de que, quando a capela foi construída ou pouco tempo depois, foi instituído nela um vínculo, possivelmente pela Ana Maria de Viveiros, ou algum dos seus descendentes que, porventura, tivesse ficado herdeiro da casa e da capela.

Tomando em consideração o que nos diz o vigário Quintela e sabendo-se que o Dionísio Ferreira já era proprietário da quinta de Justas em 1753, concluo que o vínculo se extinguiu neste ano ou anteriormente por falta de quem lhe pudesse suceder legalmente.

Dos dizeres daquela Visitação de 1754 destaca-se o estado ruinoso em que se encontrava o tecto da capela e o desgaste dos seus ornamentos, o que justifica, pelo tempo decorrido, que ela tivesse sido construída há mais de meio século e faz supor a falta de uso, talvez por ausência dos seus donos, o que deve ter motivado a venda.

Em 1762 ainda a capela se mantinha em péssimas condições de conservação pois nesse ano ficou suspensa, «ate que se reforme decentemente».

Isto denota que, passados 8 anos sobre aquela anterior visita, a capela ainda não tinha recebido os necessários reparos.

O padre Quintela, ao mencionar – em 1758 – a extinção do vínculo, parece que quis referir-se a ocorrência que, então se afigurava relativamente recente, outro tanto sucedendo quanto à venda ao Dionísio Ferreira.

Este facto deve estar intimamente relacionado com aquele, pois os administradores dum vínculo não podiam vender os bens a ele sujeitos enquanto ele subsistisse, o que pode explicar a indiferença com que encaravam o estado ruinoso da capela e, porventura, da casa.

Não lhes interessava fazer obras e não podiam livrar-se do encargo da administração; uma vez vencido este obstáculo estava aberto o caminho para a venda desfazendo-se, assim, de um património que não lhes convinha possuir, dada a sua residência fora desta vila e a dificuldade de administração.

Tomo, agora, como ponto de partida, 1758, sabendo que a capela, então, pertencia aquele Dionísio Ferreiro.

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A primeira notícia que tenho, do século XIX, reporta-se ao testamento de 12 de Janeiro de 1849, com que faleceu a senhora da casa de Justas, D. Brízida Barbosa de Magalhães, pelo qual legou, aos seus sobrinhos, filhos de sua irmã D. Maria Ana de Magalhães e a seu marido, da casa de Paçô, em S. João de Vêr, 400 000 réis / 65 / e a sua sobrinha D. Brízida Benedita Augusta de Magalhães 6000 cruzados e a propriedade dos Gavinhos, na Vila da Feira (hoje agregada à quinta de Fijô, dos condes do mesmo nome) e instituiu universal herdeira, do remanescente da sua herança, sua sobrinha D. Emília Eleana de MagaIhães, na qual se compreendeu a casa de Justas.

A D. Brízida Benedita ainda vivia em 25 de Julho de 1888, pois o Dr. António de Castro (que veio a ser o primeiro Conde de Fijô), quando fez descrever, nessa data, a sua quinta de Fijô, na Conservatória do registo predial desta comarca, indicou-a como confrontante pelo poente.

Aquela D. Emília Eleana era filha do Dr. José Maria Gomes de Magalhães Souto, da casa do Buraco e de sua mulher Ana Miquelina Games de Magalhães Sauto, ele filha de Jaãa Ferreira Souta e de sua mulher, de quem a D. Emília herdou aquela casa do Buraco, em Couto de Cucujães, por seu pai haver falecido antes de seus avós.

Uma irmã deste Dr. José Maria, de nome D. Maria Ana de Magalhães casou, na casa de Paçô, com Romão José da Silva Varela Falcão Soutomaior, ligando-se, assim, às casas de Paçô e de Justas.

Na já mencionada matriz provisória de 1854, actualizada até 1859, está registada, como sendo da D. Emília Heleana de Magalhães, uma propriedade formada de casa com sua quinta pegada, sita em Justas, composta de terra de lavradio, devesas, mato e árvores de vinho e fruta (8-3), o que deve corresponder à casa e quinta de Justas.

Em nome de José Joaquim de Oliveira (que era da família dos do Monte, a que pertenceu Alfredo Machado de Oliveira, do Cavaco e Joaquim Pinto de Oliveira, de Sanfins), figura um prédio formado de «uma morada de casas de sobrado com quintal chamado da capela» (número 145): é de crer que este quintal tenha pertencido à antiga casa de Justas.

D. Emília casou-se, a 25 de Outubro de 1824, com Alexandre Luciano Soares de Albergaria, de quem teve três filhos:

a) D. Maria José Soares de Albergaria Tavares, que foi casada com o Dr. José Pessoa da Silva Pinheiro Arnaut, que foram os pais de D. Maria da Assunção Soares de Albergaria Tavares, casada com o Dr. José de Castro Falcão Pinto Guedes Corte-Real (conde de Fijô);

b) Dr. Alexandre Soares de Albergaria;

c) Padre João Maria Soares de Albergaria, que foi o senhor da casa com capela, da Velha, como adiante se verá.

Aquele Alexandre Luciano de Albergaria Tavares, que foi senhor da casa de Refojos, em Vale de Cambra, alcançou brasão de armas por carta de 10 de Setembro de 1827.

Nela se diz ser filho de Manoel Benardo Soares de Albergaria, monteiro mór do concelho de Cambra e senhor daquela casa de Refojos e de sua mulher D. Luísa Clara Soares de Albergaria, neta paterna do capitão-mor Alexandre Bernardo Soares de Albergaria e materno do capitão Manuel Soares Homem e de sua mulher D. Maria Tavares.

Sobre a genealogia desta família ver – «Soares de Albergaria (subsídios para a sua história) por Manuel Soares de Albergaria Paes de Melo – pág. 259.

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Anoto que, como se vê da árvore genealógica que se junta, o Alexandre Luciano de Albergaria Tavares era descendente do já falado Lopo Soares de Albergaria e de João Soares Homem, que foram ascendentes dos senhores de uma das casas «da Praça» desta vila e senhores da casa de Tarei, em Travanca, deste concelho. (Ver o meu livro já citado «Quatro Séculos de História...» e «ainda a Praça Velha», separatas da revista «Aveiro e o seu distrito».

Ainda quanto a estes João Soares Homem de Albergaria e Pedro Soares de Albergaria, que damos como filhos de Lopo Soares de Albergaria e de sua primeira mulher Leonar de Meireles, assim o confirma o já citado Manuel Soares de Albergaria Paes de Melo, no seu livro «Soares de Albergaria» quando diz a pág. 252, depois de lhes dar esta maternidade: «de quem teve os filhos que aqui lhe damos depois de termos feito um aturado estudo comparativo dos documentos dos arquivos particulares da Casa Soares de Albergaria, de vila da Mata e do nosso própria arquivo e outros, com o caos genealógico em que nos lançam os diversos genealogistas nos seus nobiliários».

Felg. Gaia, no seu cit. Nob. (tomo XXVII – pág. 110), dá o João Soares Homem de Albergaria, como filho do Lopo Soares de Albergaria e de Branca Coelho e, no mesmo livro e tomo a pág. 113, menciona o Pedro Soares de Albergaria, que foi casado com Felipa de Pinho, como bisneto e não como irmão, daquele João Soares (ver citados livros, onde se desenvolve a respectiva genealogia).

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Carta genealógica da Família Soares de Albergaria. Clicar para ampliar para uma resolução de 1500 px.
Carta genealógica da Família Soares de Albergaria.

/ 67 / Do casamento da D. Maria José com o Dr. José Pessoa, nasceram duas filhas:

a) D. Maria Emília Soares de Albergaria Pessoa, que casou com o Dr. Carlos Sacadura Bote Pinto de Mascarenhas Castelo Branco, senhor da casa da Rua Nova, na Lousã;

b) D. Maria da Assumpção Soares de Albergaria Tavares, que casou com o conde de Fijô, Dr. José de Castro Falcão Pinto Guedes Corte Real.

D. Maria José deixou a casa e capela de Justas, em usufruto a esta sua filha D. Maria da Assumpção e, em propriedade, a seu neto mais velho, filho deste conde de Fijô, de nome Dr. José de Castro Falcão Soares de Albergaria Corte Real, que casou com D. Leopoldina de Lemos Teixeira de Lima, já falados na história da casa e capela de S. Bento, em Fijô, desta vila.

Por morte deste Dr. José de Castro ficou a pertencer a seus filhos, aí mencionados, que são hoje seus proprietários.

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Por escritura de 31 de Dezembro de 1941, os Condes de Fijô (Dr. José de Castro Falcão Pinto Guedes Corte Real e mulher) venderam, à Câmara Municipal, uma parte da quinta de Justas, a facear com a estrada nacional (rua Dr. José Carneiro) para a construção da cadeia (como de facto aí se construiu) e respectivo logradouro, inscrito na matriz rústica no artigo 1370.

Em 16 de Agosto de 1971, a parte rústica foi registada, na Conservatória do registo predial desta comarca da Feira, a favor daquele Dr. José de Castro Falcão Soares de Albergaria Corte Real como «prédio rústico composto pelos campos da Cerejeira, da Ribeira, Lameiro, Carrapateira, Devesa, Ameia, Matos de Cima da linha férrea, denominado Quinta de Justas, sito no lugar de Justas, freguesia da Feira, a confrontar do nascente com o Dr. José de Castro Falcão Soares de Albergaria Corte Real, do poente com a avenida Dr. Santos Carneiro e caminho, do norte com Cândido Gomes de Lima, Paulo Grau e caminho e do sul com o Dr. Vasco Tavares Pereira de Castro Corte Real» (número 73495, a folhas 157 v do L. B. 188, com inscrição, na matriz, nos artigos 1244, 1247, 1249 e 1250).
 

LUGAR DA MISERICÓRDIA

I

ERMIDA DE S. NICOLAU

Havia, no outeiro onde hoje está construída a Igreja da Misericórdia, uma ermida que julgo ter-se chamado de S. Nicolau, pelo que passo a expor.

Por escritura de 17 de Dezembro de 1566, celebrada entre os procuradores dos fregueses da freguesia de S. Nicolau da Vila da Feira e em representação desta – Diogo Tavares e Amador Nunes –, por um lado e os «Reverendos Padres Loios da Congregação de São João Evangelista desta Vila da Feira», por outro lado, foi contratada a transferência da freguesia, da velha igreja que estava naquele outeiro da Misericórdia, para a igreja deste «Mosteiro Novo», onde ainda hoje se encontra, como matriz.

Estipulou-se, entre as suas cláusulas: «que por bem desta escritura ficaria trespassada na dita Igreja nova e Mosteiro e Ordem e Religião todos os encargos que athe qui carregavão sobre os fregueses e carregareriam ao diante acerca do Repairo da dita Igreja e todos os outros encargos e vezitaçõens e gastos que os fregueses custumavão a fazer nela como atraz fica declarado sem serem obrigados os ditos fregueses a pôr sera em tempo algum na dita lgreja sem se fintarem pera Couza que pertensa a dita sera e lume da dita Igreja como a couza nenhuma que a ela pertença por resão deste contrato os ditos fregueses se obrigavão eles em seus nomes como de todos assim dos prezentes como dos vindouros em nome de toda a freguezia de dar ao dito Mosteiro Igreja nova e Religiam sessenta mil reis em dinheiro pagos em três anos os quaes se gastarão no forro e cobertura da dita Igreja nova que ora se faz eles fregueses ordenarão pessoas que tera o dito dinheiro pelos freguezes aos tempos ordenados e o entregarão a ele Reitor e Mosteiro e mais disserão que avião por bem dare entregar ao dito mosteiro e Religião todo o ouro prata e ornamentos e signos de pedra madeira e telha que hora tem a dita Igreja de S. Nicolao assim e de maneira que pertence aos ditos fregueses para se mudar ao dito Mosteiro novo salvo porem o que pertencer às confrarias que ora estão Instituidas na dita Igreja ou se ao diante instituirem no dito mosteiro pelos fregueses usarão delas como até aqui uzarão e he costume de se uzar na Igreja Velha ficara huma ermida pequena per resêio dos defuntos que ahi estão que o dito Mosteiro sara obrigado a ter sempre reparada de tudo que fôr necessário (o sublinhado é meu) sem os fregueses em tempo algum serem obrigados a ela por via nenhuma e quanto / 63 / às missas ordinárias dos fregueses...»: (existe traslado desta escritura, em avulso, no já mencionado livro das «Visitações» da Igreja de S. Nicolau da Vila da Feira).

O que motivou respeitar-se «a ermida», pelos motivos invocados foi, certamente, por aí estarem sepultados os pais do fundador do convento (D. Diogo Forjaz Pereira – 4.º Conde da Feira) –, D. Manuel Pereira (3.º Conde da Feira, falecido em 4 de Outubro de 1552) e sua primeira mulher D. Isabel de Castro (pais daquele conde fundador), cujos restos mortais foram trasladados para a igreja do mesmo convento, quando foi construída a capela-mor, onde jazem do lado do Evangelho.

No já referido «Livro memorial da Fazenda deste Convento (o da Feira)...» do padre mestre Jorge de São Paulo, cujo início deve remontar a 1636-38, anos em que foi reitor do nosso convento, com o título de administrador das obras e foi concluído em 1649, como ele afirma a fls. 41 verso daquele trabalho, diz-se quanto a esta ermida (fls. 34):

«§ 7.º Disseram mais que deixariam uma ermida na igreja velha por respeito dos defuntos que lá estavam e fabricariamos à nossa custa;

No ano de 1638 a Senhora Condessa D. Maria de Gusmão (viúva do 5.º Conde da Feira – D. João Forjaz Pereira) por sua devoção e por fazer esmola a este convento a mandou reparar e custou alguns dez ou doze mil reis, de modo que os 60$ que os fregueses deram nos três anos entendo que nem para a fábrica da ermida bastavam quanto mais para ficarem livres e isentos de concorrerem para os encargos da igreja velha. Enfim ainda naquele tempo reinava a bondade do título dos homens bons de Vilar. Tudo isto consta do contrato que está na gaveta 4.ª n.º 8».

«§ 9.º. A ermida acima e § 20 (deve ler-se 7.º) mandou derrubar o licenciado Rui Nogueira vigário geral do Porto por muitos e justos respeitos, estando informado que nela se cometiam graves insultos de pouco serviço de Deus; e se pôs em seu lugar um padrão: esta visita foi no ano de 1581. Depois visitando o bispo D. Marcos a mandou alevantar outra vez: vieram os padres com embargos, mas parece que não pegaram (no verso da folha 34) pois está outra vez alevantada: tudo consta do maço que está na gaveta n.º 6 e 7. Esta ermida esta de novo concertada por mandado da senhora condessa por sua devoção (palavras riscadas, tendo em cima na estrelinha e com diversa letra): «e por ver que estava ja caindo, e dizem gastou nela alguns doze mil escudos no ano de 1638» («O Convento da Feira» por Dr. Vaz Ferreira – Arq. Dist. Av. – Vol XVI – fls. 267 e 268).

Pelo que transcrevi, vê-se que o padre mestre, assim como os demais do convento, não se conformava com os termos do referido contrato, que levou a diversas confrontações entre o convento e os fregueses.

Assim aconteceu quando os frades deduziram embargos às determinações feitas em «Visitações» à Igreja de S. Nicolau, para que se fizesse, de novo, a cruz da freguesia, por estar incapaz a que estava a ser usada:

«da dita cruz de que mandava aos ditos religiosos fizessem de novo provimento sendo de bastante grandeza e de bona prata que não desmerecesse as das freguesias vizinhas em razão de aquela Igreja ser a principal e a cruz nas procissões ter o primeiro lugar», pleito que acabou por transacção, em 1711, da qual resultou os frades assumirem a obrigação de dar a cruz (o traslado está, em avulso, no citado livro das «Visitações»).

Esclareço que D. Marcos foi Bispo do Porto de 1581 a 1591 e, assim, se encontra o período dentro do qual ele mandou levantar a ermida, em substituição da antiga.

Verifica-se, pelo exposto, que a ermida ainda existia em 1649, o que é confirmado no referido «Catálogo dos Bispos do Porto» – de D. Rodrigo da Cunha, atribuído a 1623.

Aí menciona-se, entre as ermidas, então existentes, a de S. Nicolau.

Esta ermida que subsistiu, através de todas aquelas vicissitudes, perto (ou junto) da antiga igreja de S. Nicolau, foi decerto a que manteve a invocação deste santo, depois desta igreja ser demolida, no todo ou em parte.

Como já anotei e procurei justificar no princípio deste trabalho, a coexistência, durante muitas dezenas de anos, de uma ermida de S. Nicolau e da capela de S. Francisco construída, ou instalada com maior ou menor reformas, naquela antiga igreja de S. Nicolau, justifica a minha tese e a classificação, como autónomas dentro de si – aquela ermida e esta capela.

Na verdade, aquela coexistência deduz-se do que se diz naquele «Catálogo» (1623), do «Episcopológio» (1690) e da «Corografia Portuguesa» (1707) e até se confirma pelo facto de a condessa da Feira D. Maria de Gusmão ter reparado a ermida e reformado a capela (cit. livro do padre mestre Jorge de S. Paulo).

Esclareço que a referência à reparação da ermida e à reforma da capela reportam-se a 1638 (cit. Arq. Dist. Av. – respectivamente vol. XVI – pág. 267 e vol. XVII – pág. 48).

Como já disse e comentei, o autor daquela «Corografia» ao referir-se à ermida de S. Nicolau diz «que era antigamente a Matriz». / 69 /

Possivelmente assim se exprimiu por a ermida ter feito parte do conjunto de edificações que formava a velha igreja de S. Nicolau, como parece deduzir dos termos do contrato de 17 de Dezembro de 1566, atrás transcrito.

Pelo exposto e em resumo, a ermida de S. Nicolau:

a) existia em 1566 e, já então, era muito antiga;

foi

b) demolida em 1581;

c) reconstruída entre 1581-1591;

d) reparada em 1638, por estar a cair;

e

e) coexistiu com a vizinha capela de S. Francisco, conforme referências atribuídas, pelo menos, a 1623, 1638, 1690 e 1707.

 

LUGAR DA MISERICÓRDIA

J

CAPELA DE S. FRANCISCO

Já era falada em 1623 no «Catálogo dos Bispos do Porto», sabendo-se que em 1638 foi reparada pela condessa da Feira – D. Maria de Gusmão.

No citado livro do padre Jorge de São Paulo, a fls. 51 v diz-se que a senhora condessa D. Maria de Gusmão «...§ 3.º reformou a ermida de São Francisco e estofou o mesmo santo que custou tudo alguns doze mil reis» (Arq. Dist. Av., vol. XVII, pág. 47).

Ainda no mesmo livro se informa, quando se apreciam as dúvidas levantadas sobre o local onde se devia construir o convento: os padres (da congregação) sempre forão de parecer que se fundasse na mesma Igreja Velha de São Nicolau (que agora ficou com o título de Sam Francisco) por ter largos passais para a cerca e ser sítio largo fora da vila e mais acomodado para os fregueses continuarem os ofícios divinos que com menos fabrico se podia principiar., (cit. Arq. e vol. XVI – pág. 196).

Em seguida, diz ainda: «§ 10 – Da ermida de S. Francisco e do Santo custou a reparação mais de dez mil reis; e reformou-se no meu 3.º ano de 1638 (à margem e por outra letra) «à custa da senhora condessa» – (citado trabalho no Arq. vol. XVII, pág. 48).

Aquela expressão – «que agora ficou com o título de Sam Francisco» convence que a velha igreja de S. Nicolau não chegou a ser demolida (pelo menos, não totalmente), tomando o templo o nome de capela de S. Francisco.

O padre Quintela repetiu-o em 1758, nas já aludidas respostas para o grande «Dicionário Geográfico de Portugal», dizendo que a antiga igreja de S. Nicolau «ficou sendo Capela de São Francisco e hoje e a Misericordia desta vila estava eminente a ela da parte do norte...».

Aceitando estas informações, que não repugna admitir, temos que concluir que ou a antiga igreja de S. Nicolau não chegou a ser demolida totalmente, o que me parece ter sucedido, ou que sobre as suas ruínas foi reconstruído o edifício que recebeu o nome de capela de S. Francisco: em qualquer caso, esta capela situava-se no local da igreja velha de S. Nicolau.

Ainda vemos esta capela mencionada em 1697, no «Ceo Aberto na Terra»: – «a quinta (ermida), a do patriarca S. Francisco, que se edificou no logar onde esteve a matriz» (o sublinhado é meu).

Em 1707, a «Corografia Portuguesa» do padre António Carvalho da Costa também se refere à ermida de «São Francisco».

Não conheço qualquer menção à sua existência depois desta data pelo que, até melhor informação em futuras investigações, não posso afirmar que ela se tivesse mantido após aquela época.

O mesmo padre Quintela informou ainda, nas suas mencionadas respostas, referindo-se à Igreja da Misericórdia, que «Pelos anos de 1689 ou de 90 se começou a fundar a nova Igreja por estar a antiga incapaz na Capela de São Francisco a qual tinha sido freguesia como dissemos».

Consegui colher alguns elementos esclarecedores no citado tombo do nosso convento.

Assim sucede nos de 8 de Maio de 1679 (livro 7 – fls. 177 e 8 – fls. 146); 7 de Agosto de 1679 (livro 7, fls. 182 e 9 – fls. 146); outro de 1679 (livro 8 – fls. 170) e 8 de Janeiro de 1680 (livro 7 – fls. 193 e 8 – fls. 350).

Porém, no de 25 de Novembro de 1726 (livro 8, fls. 355) já se diz – «junta a Sam Francisco e aonde hoje esta a Misericordia».

Do mesmo modo se diz no prazo feito pelo convento a Francisco Gomes, em 1767, de «umas casas e campos sitos nesta vila junto à ermida de S. Francisco que hoje é Misericórdia (livro 9.º – fls. 146).

A referida condessa D. Maria de Gusmão, como já disse, foi casada com o 5.º Conde da Feira – D. João / 70 / Forjaz Pereira e, por isso, era mãe da 6.ª condessa D. Joana Forjaz Pereira.

Morreu em 17 de Novembro de 1649.

D. João faleceu em 15 de Maio de 1618 quando demandava a Índia para onde partira em 29 de Março anterior para ocupar aí o lugar de Vice-Rei, cargo para que fora nomeado nesse ano.

De todo o exposto é de concluir que em 1623 já existia a capela de S. Francisco, que foi edificada onde existia a antiga igreja de S. Nicolau, talvez demolida, total ou parcialmente, em 1566, quando a sede da freguesia foi transferida para a igreja conventual e é de presumir que a igreja da Misericórdia chegou a estar instalada na capela que ainda existia em 1707 e já estava demolida ou com outro fim em 1726.

Assim se pode encontrar o período dentro do qual ela ruiu, ou foi inutilizada, 1707-1726.

Houve, nesta vila, uma quinta muito falada, que se denominou de S. Francisco, «ao pé da Misericórdia da Vila da Feira», como diz Felg. Gaio – cit. ob. vol. 22, § 82, n.º 5 –, ao referir-se a D. Maria Lobato Godinho, herdeira do Morgado de S. Martinho de Argoncilhe, dona desta quinta, que foi casada com Francisco Tavares Pinto da Rocha – que vivia no Porto em 26 de Abril daquele ano de 1659.

Sucedeu-lhe, como senhor da dita quinta, seu filho António Tavares Pinto da Rocha, que vivia na Vila da Feira em 7 de Maio de 1709 (cit. ob. idem n.º 6) e depois e sucessivamente seu filho único António Pinto Tavares da Rocha (que obteve carta de brasão em 1727) – (idem n.º 7), José Pereira Tavares (idem n.º 8), D. Ana Victória de Sá Pereira Coutinho lavares (idem n.º 9 – única herdeira Sr.ª do Morgado e Torre de Roge e q.tas de S. Francisco e Arganil, que casou em 28 de Abril de 1763).

De seus filhos apenas um poderia suceder na casa: – Manuel Pedro de Vabo Pereira Machado (idem n.º 10) que foi vereador em Barcelos no ano do 1799, mas Gaio não o indica como senhor da quinta de S. Francisco nem de outros bens da casa de seus pais.

Aquela Maria Lobato Godinho era filha de Manuel Godinho Homem e de sua mulher Victória Pinto Lobato, sendo ele filho de Isabel de Carvalhais (filha de Aires Ferreira e de seu marido Domingos Godinho ou Domingos Godinho Ferreira, da Feira, instituidor do Morgado de S. Martinho de Argoncilhe (F. Gaio cit. ob. tomo XII – pág. 42) – (ver meu citado livro «Quatro Séculos de História...», designadamente a árvore genealógica n.º 3 e correspondente índice antroponímico).

Noto, ainda, que o Francisco Tavares Pinto da Rocha, casado com aquela Maria Lobato, era terceiro neto de Brás Pereira, parente no 4.º grau do 2.º Conde da Feira, D. Diogo Pereira.

Não consegui apurar referência à quinta de S. Francisco na ascendência daquela Maria Lobato Pinto, ou Maria Lobato Godinho.

É possível que haja relação, em vista do nome escolhido, entre a capela e a quinta, embora aquela fosse pública e esta particular, sendo até verosímil que a família dos morgados de Argoncilhe tivesse concorrido, em maior ou menor amplitude, para a construção da capela a quem, porventura, teriam dado o nome da sua quinta.

Também é possível que a capela tivesse entrado em decadência, até à sua total ruína, quando deixou de ser amparada por aquela família.

Sou levado estas suposições pela comparação das datas atrás referidas.

Hipóteses estas que se levantam no intuito de abrir caminho a investigações que nos possam trazer elementos mais concretos e precisos.

Lembrando que o padre Jorge de São Paulo, ao referir-se às dúvidas levantadas na escolha do local para a construção do convento, disse que os padres da congregação desejavam que ela se fizesse no local da antiga igreja de S. Nicolau por aí haver largos passais para a cerca, parece-me legítimo supor que dizia respeito aos da quinta de S. Francisco.

Como a ermida deste nome foi construída onde estivera aquela antiga igreja de S. Nicolau é de supor que foi a ermida que deu o nome à quinta.

No caminho que se segue para a «Casa do Alto», do Dr. Eduardo Sebastião Vaz de Oliveira, lado esquerdo para quem sobe, há um portal que dá acesso a terra hoje pertencente à Santa Casa da Misericórdia, desta vila, em cuja padieira se encontra a seguinte inscrição «I M 1 – 1751 A» que interpreto como – «Jesus Maria José – 1751 Anos».

É muito provável que este portão, assim como outro que estava construído a vedar uma propriedade particular, a facear com um pequeno largo fronteiro à Igreja da Misericórdia, retirado para aí dar lugar a um arruamento, tivessem pertencido à falada Quinta de S. Francisco, o que me convenço pelo espírito religioso que determinou aquela inscrição e pela relativa proximidade do local onde está implantado o referido portal e a cerca da mesma Igreja.

Devo o conhecimento desta pedra e a sua inscrição ao ilustre advogado desta vila senhor Dr. Fernando / 71 / Ferreira Soares, o que muito me apraz registar aqui, com o meu agradecimento.

Penso que devo concluir que:

a) a antiga igreja matriz, no lugar da Misericórdia, recebeu o nome de ermida ou capela de S. Francisco, que nela se instalou, como se vê do livro do padre mestre Jorge de São Paulo, em meados do século XVII e das respostas dadas pelo vigário padre Quintela, para o «Grande Dicionário Geográfico», em 1758;

b) o edifício da capela de S. Francisco ainda existia em 1679 e 1680 e ainda é referido como ermida em 1707;

c) em 1689 ou 90, se fundou a igreja da Misericórdia por «estar a antiga (o sublinhado é meu) incapaz na capela de S. Francisco»;

d) em 1726 já não existia esta capela que fora substituída pela nova igreja «junto a S. Francisco, aonde hoje e Misericordia», dizeres que se repetiram em 1767, o que tudo se vê através do tombo do nosso convento.

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páginas 55 a 93

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