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N.º 21

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1976 

Anadia

Pelo Dr. José Rodrigues

Com a referência mais remota à Vila de Anadia, conhece-se um pergaminho do século XI, precisamente do ano de 1082, em que o topónimo aparece grafado, não sob a forma actual, mas como NADIA.

A irresistível curiosidade de desvendar a razão das coisas, fez com que um estudioso filiasse o nome antigo da povoação no adjectivo «nativa» que, por abrandamento da segunda consoante e ensurdecimento da terceira, se converteu na palavra NADlA. O primitivo étimo 'aludiria à água’ que nasce abundantemente na parte baixa da vila, no sopé do Monte Crasto.

A designação deste outeiro que desce em forte declive na sua vertente norte, deriva, sem dúvida, do castro ou crasto, fundado na época romana e do qual resta ainda vária tijolaria, uma soterrada, outra dispersa por entre o silvado que reveste parte da encosta. Propriamente o que haveria das construções castrejas deve ter sido destruído pela instalação já antiga, que ocupa grande parte da plataforma cimeira, do cemitério paroquial e da capela de Nossa Senhora das Febres.

O castro estava belamente situado, pois dominava o traçado da antiga estrada militar romana de Olisipo a Bracara Augusta (Lisboa a Braga). O panorama que daí se desfruta é duma beleza e duma harmonia de cores que não esquecem.

Os restos da via romana devem ter sido na sua quase totalidade destruídos com a construção da estrada actual Lisboa-Porto. Devo ao ilustre Professor da Universidade de Coimbra, Padre Nogueira Gonçalves, o favor de me ter revelado in loco a existência de um trecho das guias marginais de lajes calcárias dessa estrada, no extremo sul da povoação de S. João da Azenha. Oxalá os habitantes as saibam conservar.

A povoação das Vendas da Pedreira, que fica à margem da estrada Lisboa-Porto, perto do Monte Crasto, sugere a existência remota duma «albergaria» ou «pousada» medieval, para serviço dos peregrinos e viajantes. Com efeito, a designação de «vendas» veio substituir em certos casos a de «albergarias», com o declínio destas instituições que se foram convertendo, com o andar dos tempos e dos costumes, em simples casas de venda de comestíveis e bebidas aos viandantes.

A proximidade da estrada nacional Lisboa-Porto, a fertilidade das terras circundantes, a própria densidade da população, justificariam, de certo modo, um maior desenvolvimento da vila de Anadia e respectivo concelho, relativamente às vilas que lhe ficam a norte em direcção ao Porto. É possível, porém, que a proximidade de Coimbra e, portanto, a facilidade de contactos comerciais com essa cidade, por meio de «recovagem» frequente, a pé e a cavalo, e depois com o serviço das malapostas, atrofiasse por muito tempo o comércio local da vila em benefício de Coimbra. Convém lembrar que as malapostas tinham uma estação, cujo edifício ainda existe, muito perto de Anadia. O serviço respectivo começou em 1859, seguindo-se-lhe em 1864 o funcionamento do caminho de ferro. Isso talvez explique que a vila não assumisse tão rapidamente como seria de desejar o desenvolvimento demográfico, comercial e industrial a que teria direito.

Todavia, nas últimas décadas, o progresso do concelho tem sido prometedor, mercê da criação de novas unidades fabris, sobretudo na preparação de vinhos espumantes e espumosos, na cerâmica de construção, nas serrações de madeira, nas carpintarias, na fabricação de bicicletas simples e motorizadas, nas artes gráficas, etc.

Relevo especial merece a estância termal e de turismo da Curia, uma das mais frequentadas do país, pelo número e categoria dos estabelecimentos hoteleiros. E ainda a de Vale da Mó, que pela riqueza ímpar das suas águas férreas e intensa mineralização são das mais notáveis do País.

No contributo para o progresso das instituições / 25 / políticas e administrativas do País há que assinalar dois nomes ilustres de anadienses: o do Visconde de Seabra e o de José Luciano de Castro; nas ciências médicas, o de José Feliciano de Castilho; na arte, o de Fausto Sampaio.

O Visconde de Seabra, António Luís de Seabra, de Mogofores, foi autor do primeiro Código Civil Português, par do reino, ministro, juiz do Supremo Tribunal de Justiça, reitor da Universidade de Coimbra. Notabilizou-se ainda no estudo da Filosofia e em vários trabalhos literários, humanísticos e políticos. Em 1828, sendo então Juiz de Direito em Montemor-o-Velho, alistou-se no exército liberal que combatia o absolutismo de D. Miguel e tomou parte nos combates da Cruz dos Morouços, ao sul de Coimbra, e do Marnel, ao norte de Águeda, à frente duma unidade de cavalaria que ele próprio organizara.

Frustrada a primeira tentativa de instauração do liberalismo, viu-se obrigado a emigrar com todo o exército liberal para a Espanha e depois para a Inglaterra, Bélgica e França.

Em 1832, integrado no referido exército desembarcou no Mindelo e fez depois toda a campanha até ao triunfo da Causa Liberal. Faleceu na sua casa de Mogofores em 1895.

José Luciano de Castro, de seu nome completo José Luciano de Castro Pereira Corte Real, natural da Oliveirinha–Aveiro, mas radicado pelo casamento à vila de Anadia, onde tinha a sua casa e onde faleceu, foi um dos mais notáveis estadistas da monarquia liberal. Jurisconsulto, jornalista, orador e político sagaz, muito se lhe deve na obtenção do tratado de reforço da aliança com a Inglaterra para defesa do império colonial / 26 / português, cobiçado pela Alemanha. Faleceu em Anadia em 1914.

O Doutor José Feliciano de Castilho, nascido em Aguim em 21 de Abril de 1769, morreu em 5 de Março de 1826. Doutorou-se em Medicina em 1796. Nomeado lente da respectiva faculdade, foi também sócio da Academia das Ciências de Lisboa. Era pai do grande poeta António Feliciano de Castilho. Primeiro médico da câmara de D. João VI, acompanhou-o no seu regresso do Brasil onde fora pedir justiça ao monarca pela perseguição que contra ele e outros lentes moveu o reitor da Universidade.

Fausto Sampaio, nascido em Alféloas, concelho de Anadia, em 4 de Abril de 1893, frequentou a Academia Julien, a Academia Rénard e a Academia de Ia Chaumière, em Paris. Em 1928 e 29 concorreu ao Salon, tendo sido admitido por unanimidade.

Em busca de novos motivos para as suas telas esteve na ilha de S. Tomé, em Macau, Timor, Ilhas Neerlandesas, Indochina, Singapura, Hong-Kong, Filipinas, Goa e África do Sul.

A sua arte maravilhosa está representada nos melhores museus de arte portuguesa, como o Museu de Arte Contemporânea, em Lisboa, Museu Machado de Castro, em Coimbra, Soares dos Reis, do Porto, José Malhoa, das Caldas da Rainha, Santos Rocha, da Figueira da Foz e ainda no Museu de Goa.

A Câmara Municipal de Anadia tem na sua sala nobre uma panorâmica pintada pelo grande artista, que amava a sua terra estremecidamente.

Vista panorâmica de Anadia (pág. 25).

ANADIA - Vista panorâmica

 

Tanto no aspecto puramente turístico, como no ponto de vista da economia geral do concelho, duas obras se impõe realizar urgentemente: a ligação directa da estância termal e turística da Curia à praia de Mira; e a ligação, hoje deficientíssima, da sede do concelho a Mortágua, através da zona serrana, intensamente arborizada. Parte da primeira foi já efectuada há anos, faltando apenas construir alguns quilómetros através da planície gandareza. A segunda tem primordial importância económica para valorização da zona florestal norte da cordilheira do Buçaco. Sem a construção do trecho rodoviário de Vale da Mó ao limite do concelho de Mortágua, já servido pela nova estrada há pouco concluída, o problema da exploração das matas, que constituem por assim dizer a única riqueza da região, não terá solução.

Espera-se que a comparticipação do Estado já solicitada pela Câmara Municipal de Anadia, para a construção do respectivo troço, seja concedido para bem da numerosa e activa população serrana que desde há anos persistentemente espera essa obra fundamental para a sua recuperação económica.

 

páginas 24 a 26

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