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N.º 16

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1973 

Brasão de S. João da Madeira

Por Manuel Luís Leite Júnior

Como todas as cidades e vilas de Portugal possuem os seus brasões nos quais figuram os símbolos e legendas daquilo que as enobrece, a primeira Câmara Municipal de S. João da Madeira entendeu, e muito bem, criar o brasão do seu concelho, incumbindo de tão delicada tarefa o grande sanjoanense Rev. Dr. Serafim Leite, glória desta terra.

Perante a feliz e acertada concepção do Brasão, «O Regional» de 1 de Janeiro de 1928 referiu-se àquele insigne historiador, filho nato de S. João da Madeira, dizendo:

«Graças à sua comprovada ilustração, a escolha que dele fizera a Câmara Municipal para o estudo do nosso brasão de armas fora acertadíssima. Na sua elaboração o Rev. Dr. Serafim Leite empenhara todo o seu talento, todo o carinho de verdadeiro sanjoanense.

S. João da Madeira não conta nas tradições do seu passado feitos gloriosos que lhe dêem um lugar de destaque na história do povo lusitano, mas encerra uma alta virtude, que é toda a sua honra, toda a sua nobreza, – é o seu espírito laborioso, força impulsionadora de todo o seu progresso. Este espírito laborioso, empreendedor e fecundo, característica primacial do povo sanjoanense, o Rev. Dr. Serafim Leite tomou-o para no escudo simbolizar como a virtude que mais tem distinguido e enobrecido S. João da Madeira. É pelo espírito fecundo do trabalho que a nossa terra, efectivamente, tem desenvolvido a sua indústria e a sua agricultura erguendo-se ao nível das terras mais progressivas e florescentes do país. Desta sorte, conquista por virtude própria o lugar que lhe compete no concerto harmonioso dos povos que contribuem pelo seu esforço para o fomento da riqueza nacional.»

A tradução, por palavras, das peças que compõem o brasão – refere o mesmo jornal – é-nos dada, sóbrio e concisamente, pelo seu ilustre autor:

«As armas de S. João da Madeira, partidas em pala com chefe, representam o que era a nossa terra ao conquistar os seus foros de vila: uma povoação industrial e agrícola, animada pelo espírito fecundo do trabalho. Donde os três elementos do escudo: Na pala direita a fábrica representa a indústria; na pala esquerda a paveia de trigo, emblema da agricultura; e no chefe, figura heráldica de primeira ordem, sobressai a legenda LABOR, como encarnação flagrante do espírito Sanjoanense. A distribuição dos metais e cores tem a significação seguinte: a paveia de ouro em campo verde simboliza a riqueza e a confiança; a fábrica vermelha em fundo de prata indica o ânimo industrioso e empreendedor, fundado na lealdade; e a legenda LABOR, em ouro sobre negro, manifesta o amor do trabalho até ao extremo sacrifício.»

Não obstante, o Brasão não foi ainda aprovado pela Secção Heráldica da Associação dos Arqueólogos; todavia, ninguém pode negar, com conhecimento de causa, que ele não seja, na expressão das suas peças, o legítimo símbolo do valor moral e espiritual do povo desta terra que nele evidencia, com notável exactidão, o que vale e o que é S. João da Madeira.

 

HINO DE S. JOÃO DA MADEIRA

Elaborado o Brasão, era mister que S. João da Madeira tivesse também o seu Hino.

«O Regional» – o mesmo de 1 de Janeiro de 1928 – ao ocupar-se publicamente do facto que encheu de júbilo o povo desta terra, disse:

«Mas a nossa Câmara não se preocupou só com o brasão de armas da nossa vila, onde graficamente estivessem representadas as altas virtudes, a grandeza moral da nossa terra; quis ainda, num impulso de elevado patriotismo que essas virtudes, essa grandeza moral / 10 / fossem cantadas pelo nosso povo num hino grandioso, cujos sons melodiosos imprimissem bem fundo na sua alma o amor à sua terra, o amor ao trabalho, que tanto nos engrandece e nobilita. E o hino fez-se. A música, obra de um profissional competente, o insigne maestro Tomás de Lima, de Lisboa, é um primor de melodia, dum sabor wagneriano, lembrando o hino triunfal de Lohengrin. Ao ouvi-lo, acompanhado dos sons musicais, cantado pela nossa mocidade esperançosa, todo o povo sanjoanense sentirá emocionar-se-lhe a alma vibrando de santa alegria, ganhando coragem para as lutas da vida, para as lutas do trabalho.»

Aludindo à letra do Hino, cujo autor foi, também, o Rev.º Dr. Serafim Leite, o mesmo «Regional» disse:

«A letra do hino que O Regional também hoje reproduz com a respectiva música é ainda, como não podia deixar de ser, da autoria do nosso ilustre homenageado, Rev. Dr. Serafim Leite que, para maior relevo das suas faculdades intelectuais, alia aos dotes de um prosador elegante, os méritos de um poeta distinto. Hino encantador, espelho das virtudes dum povo laborioso e caritativo, nele se reflectem, num misto de sentimento e energia, as aspirações da alma sanjoanense, as suas virtudes características – actividade, amor pelas obras de beneficência, instrução e a sua fé inabalável nos próprios destinos, pairando em tudo e acima de tudo esse espírito do trabalho.»

O aparecimento do Brasão e do Hino, por imperativo do concelho que nascia, foi festejado na imprensa local com o natural e justo entusiasmo de quem bem soube interpretar nessa hora de contentamento o sentir unânime dos sanjoanenses.

*

A música e a letra do Hino de S. João da Madeira enchem de vibração amorosa e bairrista a alma do povo desta terra. Sanjoanenses e sanjoanistas não esquecem, antes procuram pôr em prática, o edificante sentido das suas estrofes, enobrecendo assim com o seu esforço ingente e constante a terra que amam e engrandecem. E assim é que se canta: 

S. João é um povo que encerra

As virtudes bem-ditas do lar;

Crê em Deus, no Trabalho e na Terra,

Sabe amar e sofrer e cantar.

Este povo que é servido na sua vida religiosa por um pároco, um coadjutor, dois capelães e outros sacerdotes; que possui uma igreja matriz, três capelas públicas e duas privativas, onde se celebram, aos domingos, doze missas; que realiza anualmente diversas festividades religiosas – este povo diz bem da sua crença em Deus expressa nas estrofes do seu Hino.

Povo activo até ao sacrifício, dando-se ao trabalho com afinco que o dignifica, o seu Hino retrata admiravelmente a sua vida intensa e laboriosa nesta quadra de sabor heróico:

Ardoroso nas lutas da vida

O progresso constante mantém;

Fronte nobre – não foge da lida,

Braços rijos – não cede a ninguém.

É que as suas fábricas e oficinas, sem falar nos estabelecimentos comerciais que estão a ser numerosos, a crescer e a multiplicar-se, atestam a veracidade do valor industrial da nossa terra, que produz muitos e variados artigos, a saber: máquinas de costura, tubos de ferro galvanizado, fundição de ferro, artefactos de borracha, chapéus de pêlo, de lã, de palha e de pano, calçado de sola e de lona e borracha, corte e preparação de pêlo para chapéus e lanifícios, colas e gelatinas, guarda-sóis, bonés, boinas, velas de cera e de estearina, camisas, lápis e canetas, colchões de arame, mobiliário de praias, campo e termas, refrigerantes, vassouras, tecelagem, botões, serração de madeiras, carpintarias mecânicas, serralharias, padarias, tipografias, urnas funerárias, etc., etc.

O Hino é, ainda, grito vibrante de amor pelo próximo, porquanto:

Arde em nós, bem no fundo, serena,

Como chama de amor que reluz,

A paixão pelo pobre que pena,

Sem lareira, sem pão e sem luz.

A generosidade dos sanjoanenses, posta em evidência no seu Hino, tem na prática a confirmação dos seus sentimentos humanos e caritativos pelo muito que se faz e pelo muito que se dá.

A Comissão Municipal de Assistência, com o auxílio da população, acabou com a mendicidade nas ruas. O Património dos Pobres está a avolumar-se com a construção de casas para os que estão necessitados delas. Os bairros da Misericórdia e de José António das Neves, também para pobres, são uma realidade. As cantinas escolares lembram perpetuamente os seus beneméritos fundadores. A Creche Albino Dias Fontes Garcia, pletórica de crianças, é uma das mais belas instituições desta terra. A Corporação dos Bombeiros vai crescendo em eficiência de material e de homens. A Conferência de S. Vicente de Paulo e a / 11 / Pia União exercem a sua acção a flux. E a coroar tudo isto, a Santa Casa da Misericórdia, com as suas dependências assistenciais – o hospital (extremamente insuficiente para uma terra como S. João da Madeira), o abrigo infantil e o asilo de velhos. Uma difusão, ampla e variada, do amor cristão e caritativo nas mais belas formas do sentir do povo sanjoanense para com os seus irmãos carecidos de auxílios.

Mas...

...mas nem só trabalho, nem só religião, nem só caridade. Também instrução e cultura, é do seu Hino:

.................................. S. João

Sabe unir Caridade ao Trabalho,

Ao Trabalho enlaçar a Instrução.

Com efeito, as actividades culturais e artísticas o confirmam. É o Colégio Castilho, dum grande alcance não só para esta terra, como para a região. É a Escola Industrial, que sendo de recente data, é já insuficiente para a frequência que tem. É a Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo. São as escolas primárias em seis edifícios, com 18 salas, e muitos professores em desdobramento de ensino. É a banda de música, com mais de um século de existência. É a Delegação da Pró-Arte, criada em 1956 para proporcionar aos seus associados o recreio espiritual da música e do canto.

*

Em face da comprovada e fecunda actividade e do exemplo magnífico deste povo, que tem por divisa o seu Brasão e por incentivo a letra do seu Hino, bem se pode dizer dele

ditosa terra que tais filhos tem.

MARÇO DE 1960

 

Nota – O crescente aumento populacional de S. João da Madeira torna escasso tudo quanto se faz em matéria de assistência e de instrução.
Enumeram-se aqui as instituições de caridade e os estabelecimentos de ensino, parecendo, à primeira vista, que já é bastante aquilo que se possui. Assim seria se S. João da Madeira não estivesse numa evolução constante, vendo a sua população a crescer e os seus problemas a surgirem e a precisarem de ser resolvidos por força da sua expansão.

 

páginas 9 a 11

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