Acesso à hierarquia superior.

N.º 16

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1973 

Monografia de S. João da Madeira

 

Extraídos do livro «Monografia de S. João da Madeira» aqui deixamos alguns excertos que traduzem bem a história e o vertiginoso progresso daquela laboriosa vila do nosso distrito.

 

HISTÓRIA

Introdução

Ao traçarmos o esquisso histórico de S. João da Madeira, não nos furtamos à confissão sincera do seu pequeno valor como núcleo populacional no passado, terra de origem bem antiga, é certo, como o revelam testemunhos coevos do período genético do reino de Portugal, mas com um período de latência, na sua evolução, tão grande, que se arrasta obscura e como que em estado fetal, durante nove séculos ou mais da sua existência. Como pequena povoação, este núcleo de habitantes viveu esquecido no seu estatismo até meados do século XIX, momento em que despertou do seu sono letárgico, quantas vezes milenário, e, mercê dum intenso e progressivo impulso da sua indústria, do seu comércio e da sua agricultura, em breve ocupou lugar primacial entre as demais terras do distrito de Aveiro.

É só, porém, ao iniciar-se o segundo quartel do século XX, que consegue foros de vila, e, finalmente, a emancipação concelhia.

Frisemos pois, que, o concelho de S. João da Madeira, como entidade histórica, pode considerar-se ainda no período embrionário da sua curva de evolução.

E isto não tem a menor mancha de desmerecimento, antes pelo contrário, constitui a melhor prova de que as energias vitais por tão largo tempo acumuladas representarão a potência dinâmica e impulsiva que hão-de polarizar e orientar o seu Progresso.

Dadas as circunstâncias, felizes ainda que fortuitas, deste período de germinação coincidir com uma fase avançada do desenvolvimento da civilização, do sistema histórico da humanidade, poderemos aquilatar bem o nível a que se alçapremará, num futuro mais ou menos vizinho, o desenvolvimento da Nossa Terra, como centro de actividades humanas de excepcional importância e grande relevo.

A sucederem-se desta forma, num ritmo tão célere, os melhoramentos da sua textura, não seremos demasiado profetas, se antevermos para tempos que não estão longe, um período de raro e intenso apogeu para S. João da Madeira – ante-cidade de S. João da Madeira.

 

Primeiros documentos

A longínquos tempos remontam as origens de S. João da Madeira. Situada em Terras de Santa Maria, designação geográfica extensa abrangendo o território conquistado aos Mouros por antigos fidalgos e cavaleiros da Idade Média, compreendido entre os rios Douro e Caima, o oceano Atlântico e o rio Arda, o concelho de S. João da Madeira enfileira ao lado de povoações circunvizinhas, todas elas com um longo passado histórico.

Assim, Oliveira de Azeméis, a vila de Cucujães e a vila da Feira são terras onde se encontram, numa rica continuidade cronológica, as marcas indeléveis da dominação celta, romana, árabe e visigoda; em todas é notória uma origem mais de dez vezes centenária, perdendo-se a sua génese nos meandros recônditos da brumosa e obscura Idade Média.

E S. João da Madeira, o seu próprio topónimo já indica claramente, bem assim certas designações dalguns dos seus lugares, como Mourisca, Casaldelo (citado nos mais antigos pergaminhos com o nome de Casal de Ero; este nome Ero ou Hero é o de uma figura importante entre os godos), etc., é também terra muito antiga.

É em 1088, da nossa era, que aparece pela primeira vez em manuscritos a menção de S. João da Madeira. / 13 /

Este pergaminho faz parte duma série de documentas, dois dos quais publicados nos Diplomata et Chartae (1), outros em via de publicação na importante revista que se publica na capital do distrito, Arquivo do Distrito de Aveiro, por intermédio do Rev. Dr. Serafim Leite, ilustríssimo filho de S. João da Madeira e uma das figuras de historiador mais proeminentes, entre a plêiade actual dos investigadores históricos.

O Regional, publicação quinzenal de S. João da Madeira, inseriu também, numa série de artigos, preciosa revisão e sistematização desses documentos, da autoria do Rev. Dr. Serafim Leite (2).

Ainda que de modesta importância pela pequena monta do seu valor representativo, esses pergaminhos permitem-nos seguir, através de citações de simples contratos de compra e venda de propriedades, de doações de abades, reconstituir mais ou menos fielmente a situação primitiva de S. João da Madeira, em paralelo com a actual, os seus usos e costumes, em suma, uma visão global da vida dos nossos antepassados.

A nossa terra é, pela primeira vez, citada como «vila de S. João que dizem de Mateira» (sic).

Sobre o significado da palavra vila é preciso aclarar bem.

Não tem o significado que lhe é atribuído nos nossos dias, pois que é sinónimo apenas de povoação de desenvolvimento variável, compreendendo um maior ou menor número de propriedades rústicas, em redor duma igreja ou dum mosteiro e formando uma unidade tributária.

De resto, só mil anos e pouco mais tarde é que S. João da Madeira conseguiu foros de vila, no ano de 1924.

O Dr. Serafim Leite, no estudo citado, faz uma rigorosa sistematização desses documentos, estabelecendo, pela natureza e cronologia deles, uma classificação em quatro séries.

A Primeira série, desde 1088 a 1109, compreende três contratos de aquisição de propriedades, dois dos quais, como acima dissemos, publicados na seu original em Diplomata et Chartae (3). Em todos eles são compradores Truilo e sua mulher Donadeo Alvares, que compram aos herdeiros dum terceiro personagem – Godino Vimaraz –, umas parcelas de terreno que se situam na «vila» de S. João que dizem de Mateira, em baixo do Monte Parada Joaz; estendem-se estas propriedades para os lados do rio UI ou Vila Chã.

No primeiro deles, no ano de 1088, faz-se referência à igreja, o que vem trazer garantia segura da existência de S. João da Madeira, como entidade histórica, já antes da fundação da monarquia, por conseguinte nos tempos de D. Afonso VI, avô de D. Afonso Henriques, que reinou em Leão, de 1072 a 1109.

A segunda série de documentos, de 1109 a 1143, também compreende nova colecção de títulos de compra, compras efectuadas por Gundiçalvo Menedes (Gonçalo Mendes) e sua mulher, e mercê das quais se tornam senhores da terra, com direito a apresentar o pároco.

As herdades ficam situadas em torno da igreja de S. João e estendem-se até Vila Chã, Fundões, Faria, Casaldêlo, Mamôa (4), etc., lugares que na maior parte constituem ainda, nos nossos dias, os seus limites.

A extensão da vila de S. João da Madeira, já no início do século XII, que corresponde à época de fundação do reino de Portugal, era a mesma ou ligeiramente superior à actual.

De interesse, ainda, cita-se nesses documentos a existência duma estrada romana e de outra mourisca. A primeira não é senão a via romana de Aeminium a Cale.

É curioso, também, o documento que constitui a carta de criação e doação do Couto de Cucujães, assinada por D. Afonso Henriques, ainda então infante. Empenhado na luta contra os mouros, na sua suprema ânsia de perene expansão do condado Portucalense, foi obrigado a pedir auxílio às ordens religiosas que nessa altura existiam.

Assim é que, em paga do prestimoso auxílio dos frades beneditinos do Mosteiro de Cucujães, o infante D. Afonso Henriques delimitou uma área em redor desse Mosteiro e fez aos monges a sua doação (7 de Julho de 1131).

Quando procede à marcação territorial, é citado o nome de S. João: «...et quomodo dividit Faria cum Sancto Johane et quomodo separa Casal de Ero cum Sancto Johane», – ...e deste modo divide Faria com S. João e da mesma forma separa Casaldelo de S. João (5).

Do final do século XII, é ainda um outro documento que diz respeito à separação das rendas da Mesa Episcopal e Capitular, feita pelo bispo D. Martinho Pires, em 1185, no reinado de D. Sancho, e aquando da sua instituição dalgumas dignidades da Sé do Porto.

A Igreja de S. João da Madeira foi nessa altura tributada para a Mesa Episcopal.

A nossa terra é mencionada ainda nas «Inquirições», do ano de 1251 (6) no tempo de D. Afonso III, que reinou de 1245 a 1279, para provarem a existência do foral velho sem data, que à Terra da Feira deu o rei D. Sancho I, nos fins do século XII.

A passagem é esta, no seu primitivo latim bárbaro:

«Et si in ypsa vila sancti Johanys homo mortuus fuerit qui non habent cabalum nec arma debet dare luitosam domino Regi», o que quer dizer que, «se na / 14 / mesma vila de S. João morrer homem que não tenha cavalo nem armas pagará lutuosa ao Rei».

Numa terceira série, desde 1179 a 1256, o Dr. Serafim Leite agrupa os documentos que dizem respeito à doação que fez a esposa de Gundiçalvo Menendes, de todos os seus bens ao Mosteiro de Rio Tinto. Em nome dela própria, Gontina Guterre, e de seus filhos, faz com efeito, em Fevereiro de 1179, doação da igreja de S. João da Madeira, bem como da de S. Martinho de Fajões, conjuntamente com as terras circundantes ao Mosteiro e religiosas de S. Cristóvão de Rio Tinto.

Acerca da causa determinante de semelhante doação, admite o Dr. Serafim Leite a seguinte explicação.

É que, como refere Pinho Leal, no seu livro «Portugal Antigo e Moderno», a abadessa do citado mosteiro de Rio Tinto, era, em 1141, D. Hermezinda Guterres.

A correspondência possível da data e de parecença dos apelidos faz sugerir, efectivamente, a existência dum certo parentesco entre Gontina Guterre e D. Hermezinda Guterres.

E daí a doação.

Seguem-se ainda, por esta altura, outros actos de compra de propriedades rústicas agora feitas pela Mosteiro.

Nas Inquirições de D. Diniz (7), mais tarde, no século XIII, em 1288, faz-se menção de 2 «quintãs», ambas existentes em S. João da Madeira, uma de Estevão Soares e outra de Pêro Viegas.

As mesmas Inquirições de D. Diniz referem de igual modo que na povoação de Esmoriz existia uma quintã de Afonso Martins Madeira.

E já agora, damos aqui a informação, ainda que sob todas as reservas, que alguns autores, entre os quais Pinho Leal, admitem ser Madeira um apelido muito antigo e nobre em Portugal, e que tem sido tomado do nome da nossa terra.

Assim, o autor citado dá conta que Bluteau afirma que quem utilizou pela primeira vez este apelido foi João Martins Madeira, aquele que foi alcaide-mor de Faro, e que tinha o seu solar na nossa terra.

Ainda no mesmo reinado, agora em 1311, devido à extinção da ordem dos Templários, a igreja de S. João da Madeira passou a pertencer ao Padroado da Ordem Militar de Cristo.

Em 1320, a mesma igreja é taxada em 80 libras (8) para subsidiar a guerra contra os mouros.

Nesta data, sendo Papa João XXII este concedeu a EI-rei D. Diniz, por tempo de três anos, para ajudar essa cruzada, a décima das rendas eclesiásticas dos seus reinos.

*

Pode-se concluir que, por estas alturas, se começa a concretizar a nossa existência como agrupamento populacional, mais ou menos autónomo, já com uma certa importância, ainda que comparativamente de reduzida monta no que diz respeito ao seu território e à quantidade de seus habitantes, porém, duma importância grande pela sua privilegiada posição em relação às vias de comunicação, feliz ocorrência esta que mais tarde há-de ter o seu eficaz contributo no decisivo progresso de S. João da Madeira.

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Numa quarta e última série de documentos (1256-1598) agrupam-se as nomeações de abades de S. João, feitas pela abadessa do Mosteiro de Rio Tinto, e a seguir confirmadas pelo Bispo do Porto.

Em 1385 as monjas do mosteiro de Rio Tinto passaram para o Mosteiro da Ave-Maria, do Porto, sendo agora, por conseguinte, beneditinas.

Desde essa altura, as nomeações começaram a fazer-se, pois, por privilégio do Mosteiro da Ave-Maria, alternando-se com nomeações do Bispo do Porto.

*

Sem dúvida alguma, através desta pequena incursão no passado, já tão longínquo, se confirma suficientemente a antiguidade da povoação e freguesia de S. João da Madeira. Porém, não se notam foros de grandeza nem de magnificência histórica.

Uma modesta povoação, freguesia com a sua ermida velhinha, uma população e um valor agrícola também modestos, tal é a única realidade sobre a importância de S. João da Madeira, no passado.

Contudo, não se torna necessária essa magnificência e grandeza de pergaminhos, que talvez perniciosamente nos conduziria a uma contemplação estática, perpétua e estagnadora, dos esplendores duma história brilhantíssima.

Outrossim, diz vigorosamente o Rev. Dr. Serafim Leite, espírito cintilante e figura inconfundível de trabalhador impulsivo e dinâmico, referindo-se algures à sua e nossa terra:

«Bastam-lhe o espírito de iniciativa e os braços de que dispõe para alcançar pergaminhos verdadeiros».

Logo a seguir: «E sempre foi mais honroso conquistá-los do que herdá-los».

 

DESENVOLVIMENTO DE S. JOÃO DA MADEIRA

Por alturas de 1820 a 1830, inicia-se um movimento intenso e persistente no desenvolvimento da freguesia de S. João da Madeira.

Como que adormecida em longa hipnose, desperta a pouco e pouco viçosa e deslumbrante, mercê do / 15 / desenvolvimento do comércio, mas sobretudo da indústria, que vai abrir novos fulgores na sua evolução e progresso.

Num ápice, de pequena povoação que era ainda nos primeiros decénios do século XIX, transformou-se em bonita e aprazível terra, uma das primeiras freguesias do distrito de Aveiro.

O incremento da indústria dos chapéus, o desenvolvimento concomitante da indústria de lacticínios, sobretudo da manteiga, a intensificação da vida agrícola, o extraordinário avanço do comércio, consistindo na exportação de gado bovino, géneros agrícolas, madeira, etc., tudo concorre para determinar o rápido e intenso ritmo de progresso de S. João da Madeira, na segunda metade do século XIX.

A prosperidade fácil da indústria de chapelaria, que atingiu na nossa terra um grau de desenvolvimento insólito, primacial foi na importância que teve germinando e tornando altamente construtiva uma verdadeira escola de trabalho, que sempre regeu os destinos futuros da nossa terra.

O espírito empreendedor, um arreigado amor ao trabalho, a energia e potência vitais de seus homens, criaram em toda a população um clima de confiança nos próprios valores, um certo grau de orgulho que traçou e delineou seguramente a trajectória do seu futuro prometedor.

Como dissemos, os primeiros prenúncios do desenvolvimento em larga escala de S. João da Madeira manifestaram-se com a criação da indústria de chapéus.

Não se sabe ao certo quais foram as primeiras terras de Portugal que se ocuparam com o fabrico de chapéus; todavia, tudo nos leva a crer que S. João da Madeira tenha sido uma delas, em face do notável incremento que aquela indústria tem actualmente neste concelho.

Através de documentos históricos, sabemos que a fábrica mais antiga de que há memória é a que data de 1802, pertencente a J. Gomes de Pinho, mas pode dizer-se que já nos meados do século XVIII se fabricavam chapéus de lã (Citação dos «Anais do Município de Oliveira de Azeméis», 1909.

Em 1858, segunda iniciativa com a fundação de nova fábrica, que mais tarde veio a pertencer a José António da Costa.

Quatro anos após fundou-se outra fábrica de chapéus de lã, pertencente a Francisco Dias de Pinho (9).

E, assim por diante, começou em plena laboração uma dúzia de fábricas, tendo por matéria-prima a lã, até que, graças a António J. de Oliveira Júnior, criou-se a primeira fábrica de chapéus tendo por matéria-prima o pêlo de coelho; a esta se seguiram outras.

Nos nossos dias, a indústria de chapelaria em S. João da Madeira tem no seu efectivo cerca de 10 fábricas, sem contar com os pequenos acabadores que compram nas fábricas os carapuços para depois os acabar e vender.

Teremos ocasião de examinar posteriormente, com maior minúcia, a importância e o valor de S. João da Madeira, o primeiro centro nacional produtor de chapéus de feltro, aproximadamente dois terços da produção nacional.

Também a indústria de lacticínios concorreu enormemente para o extraordinário desenvolvimento de S. João da Madeira, na segunda metade do século XIX.

Basta lembrar uma citação de Pinho Leal, no seu Portugal Antigo e Moderno: «Por alturas de 1870, os maiores negociantes de manteiga eram de S. João de Madeira».

*

Muitos varões natos nesta freguesia tiveram grande projecção na vida portuguesa, no decorrer dos séculos XVIII e XIX, traduzindo este facto a proeminência da família sanjoanense.

– Citamos, entre muitos, o Dr. Bento Cardoso Corte Real, da casa dos Srs. Cardosos Cortes Reais, o qual foi presidente da relação do Porto e ainda ministro; o morgado José Nunes Cardoso Corte Real, seu irmão mais velho, que também era formado em direito.

Dois membros desta distinta família, tios daqueles, foram frades; um, D. fr. Luís, foi abade do Convento da Gralheira e o outro, fr. José, foi domínico em Aveiro.

– A casa de Fundões, deu também varões de grandes merecimentos:

Diogo Camossa, o qual foi cônsul da Inglaterra em Aveiro; João Camossa, que foi um dos maiores proprietários dos arredores; e ainda os Drs. Manuel Camossa Nunes de Saldanha e João Baptista Camossa Nunes de Saldanha, sobrinhos de João Camossa.

Da casa da Várzea, salientaram-se João de Melo, formado em medicina pela Universidade de Coimbra, e seus filhos formados em direito, António da Silveira Toscano e João Toscano.

– Da casa do Roupal, salientou-se um seu distinto membro, o doutor em direito José Joaquim Correia de Magalhães.

Foi um juiz distinto, principalmente orfanologista, e doutor em direito e advogado dos auditórios do Porto, o Dr. Manuel Maurício de Araújo; seu sobrinho, o Dr. Manuel Maciel Leite de Araújo, foi grande médico e cirurgião.

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/ 16 / E a verdade é que, correspondendo ao nível próspero da sua população, nível esse directamente ligado à intensificação das culturas agrícolas e ao desenvolvimento da indústria, germinou nos habitantes de S. João da Madeira, como já frisamos, uma autêntica escola de trabalho e consequentemente um forte espírito de solidariedade, que muito benéfico foi na efectivação de melhoramentos de grande utilidade para a freguesia, modificações tão importantes que alteraram duma maneira quase radical a facies e o panorama arquitectónico da povoação.

Assim é que a igreja de S. João da Madeira, pequenina e primitiva, foi toda renovada na sua estrutura. Esse templo tão antigo, que alguns longievos contemporâneos ainda recordam, foi demolido em 1883 (10); tinha apenas metade da capacidade presente, era extremamente baixo e fazia frente para a banda contrária, isto é, para oeste.

Logo no ano seguinte, em 1884, iniciou-se a construção da igreja nova.

A 11 de Julho de 1886 era benzida e inaugurada pelo pároco José Maria Henriques Tavares, todavia ainda incompleta nos seus interiores e apenas com um altar concluído, o altar da Senhora da Boa-Morte, onde se celebrou a primeira missa.

Posteriormente, por benemerências especiais, a igreja foi-se completando e embelezando, tornando-se uma das melhores do concelho de Oliveira de Azeméis.

O alargamento do adro, como a grande escadaria de acesso, bem assim a cercadura de todo o adro com grades de ferro foram mandados executar pelo benemérito Visconde de S. João da Madeira e seu genro António Dias Garcia, conforme reza uma lápide, patenteando a gratidão da Junta de Paróquia, em 1902.

Novas estradas se rasgaram e novos empreendimentos se realizaram.

Ao dealbar do século importante evento se efectivou: – S. João da Madeira era engrandecida com a Linha de Caminho de Ferro do Vale do Vouga, que já havia sido projectada em 1889.

O seu contrato definitivo foi assinado em Janeiro de 1907; em Dezembro desse mesmo ano iniciaram-se os trabalhos. El-Rei D. Manuel II, na companhia de alguns ministros, inaugurou o troço dessa linha, desde Espinho a Oliveira de Azeméis, em Novembro de 1908.

Esse precioso meio de comunicação constituiu grande benefício para a nossa terra e ele mesmo condicionou o grande desenvolvimento que tomou a indústria e o comércio.

E outra obra se idealizou, outra obra se vai tornar palpável; obra de carácter filantrópico, verdadeiro monumento humanitário e germe de toda a assistência social a empreender em S. João da Madeira: – Um Hospital.

Recordemos em poucos palavras a figura do seu fundador, um dos maiores beneméritos da nossa terra: – Francisco José Luís Ribeiro, nascido a 17 de Março de 1884, na casa da Estrada.

Novo, embarcou para o Brasil e aí se dedicou ao comércio; anos passados, foi para a Argentina, onde se estabeleceu, na cidade de Rosário de Santa Fé; alcançou grande prestígio e foi nomeado representante consular de Portugal.

Em 1910, regressou a Portugal. Faleceu a 20 de Outubro de 1913.

Tudo o que ganhou legou para a construção dum hospital, o hospital de S. João da Madeira.

Uma comissão organizadora encarregada da administração do legado e da construção do hospital ficou constituída pelo Rev.º António Joaquim de Oliveira, Manuel da Silva Correia e António José Pinto de Oliveira, comissão que actuou desde 15 de Outubro de 1914.

Por alturas de Maio de 1915 foi traçada a sua planta; traçada por um técnico, Joaquim da Costa, de linhas simples e amplas, o seu delineamento correspondia à exigências científicas da época.

Acrescentemos que o edifício hospitalar compreendia também duas galerias para convalescentes, de 10 metros cada, voltadas para nascente.

Estas galerias, todavia, nunca se chegaram a construir.

Com a criação da Santa Casa da Misericórdia e a eleição da primeira mesa que se formou para gerir a irmandade, constituída por António José de Oliveira Júnior, Durbalino Alves da Silva Laranjeira, Inocêncio Pereira Leal, Manuel Luís da Costa, Quintino José da Silva, Genuíno José António da Silva, Dr. Joaquim Alves Milheiro, José António das Neves e Manuel Nicolau Soares da Costa (acto de posse em 28 de Maio de 1922), deram-se os primeiros passos para a inauguração do hospital.

Esta efectuou-se no dia 1 de Janeiro de 1923, tendo sido comemorada com uma sessão memorável em que enalteceram a importância do acontecimento, todas as pessoas categorizadas do nosso meio, tais como António José de Oliveira Júnior, Dr. Amador Valente, Padre António Joaquim de Oliveira, Quintino José da Silva, João Correia e Padre António Maria de Almeida e Pinho.

Foi então posto em destaque, não só o espírito filantrópico do fundador, Francisco José Luís Ribeiro, mas também o concurso dos senhores Visconde de S. João da Madeira, Comendador António Dias Garcia, Manuel Garcia, Manuel F. Dias Garcia, Joaquim Garcia, José Rainho da Silva Carneiro, António Pinho Neves, João Narciso da Silva e seus filhos, Dr. Renato Araújo, / 17 / Dr. Artur Pinto Basto e Barão Tavares Leite, irmãos Correias, e tantos outros beneméritos.

O pavilhão norte do corpo do edifício hospitalar foi construído mais tarde por benemerência da colónia sanjoanense do Brasil, e em especial, do Senhor Comendador António Dias Garcia.

No mesmo ano, em 15 de Julho de 1923, coincidindo com as grandes festas da vila, outro importante melhoramento foi inaugurado: – a luz eléctrica. Deve-se esse benefício à iniciativa de Domingos José de Oliveira, José António das Neves e António Joaquim Fernandes de Oliveira.

Com a criação em 12 de Abril de 1923, do Grupo Patriótico Sanjoanense, o qual teve como presidente António Henriques, novo e extraordinário impulso se deu ao progresso de S. João da Madeira.

A esse grupo de pioneiros bairristas se deve um sem número de realizações: Avenida do Dr. Maciel, Avenida de Dias Garcia, Avenida de Casadelo, Rua da Buciqueira, Rua de Guerra Junqueiro, ampliação do Largo da Capela, Avenida Mousinho de Albuquerque, projecto da construção do Teatro (cuja realização se deve a Avelino da Silva Martins, em 1924), criação e apetrechamento da Corporação de Bombeiros, projecto para novas instalações dos Correios e Telégrafos, aquartelamento do posto da Guarda Nacional Republicana na antiga residência paroquial, etc.

Foi também pela acção inteligente desses sanjoanenses que a nossa terra obteve a categoria de vila.

O projecto de lei respectivo foi apresentado no Senado da República, pelos senadores Drs. Pedro Chaves e Ernesto de Castro, em Março de 1924.

Essa grande aspiração dos sanjoanenses foi sancionada pela Lei n.º 1617, que o Diário do Governo, de 6 de Julho desse mesmo ano inseriu.

Como se depreende, a satisfação desta aspiração dos sanjoanenses foi um extraordinário incentivo, um passo grande dado no sentido da autonomia, da emancipação completa e criação do concelho de S. João da Madeira.

A verdade é que a Nossa Terra, em múltiplas circunstâncias e por diversos motivos, não houvera sido devidamente atendida nas suas pretensões pela Câmara de Oliveira de Azeméis, como era jus.

A sua ânsia de progresso havia sempre de embater com dificuldades de toda a ordem.

A propósito de certos actos lesivos para os nossos interesses, um brado uníssono de todos os sanjoanenses se levantava em cada uma dessas ocasiões.

Tal sucedeu aquando do pedido para a reparação na Avenida Velha da Estação do C. F., na altura em que a Câmara de Oliveira de Azeméis, em 1924, resolveu contrair um empréstimo de 400 contos para permitir a instalação de luz eléctrica na sede do concelho, no momento em que Macieira de Cambra, com o apoio dos Sanjoanenses, pretendia ver concluída a estrada n.º 42, aquando da criação do lugar de notário da vila, etc., etc.

A luta das aspirações bairristas de S. João da Madeira, com a toada de obstrucionismo dos influentes de Oliveira de Azeméis, havia de conduzir à satisfação integral das nossas reivindicações.

Nessa luta teve um papel relevante, outro elemento altamente construtivo, elemento que determinou e regeu o destino de S. João da Madeira, nos nossos dias: – «O Regional» (11), órgão da imprensa local que começou a publicar-se no dia 1 de Janeiro de 1922, como quinzenário.

Queremos destacar a sua comissão fundadora, pois bem merece a memória de todos sanjoanenses.

Foi ela: António de Lima Correia, Serafim Ferreira dos Santos, Manuel Luís Leite Júnior, João da Silva Correia, João de Oliveira Ramos, Ramiro Martins Leão, Cirilo de Azevedo, José Augusto Costa, José da Silva Correia, «grupo de rapazes com o sangue a estuar nas veias e ansiosos do progresso constante de S. João da Madeira», consoante afirmam e fazem sublime propósito ao definirem o lema de «O Regional».

É através dele, de há 18 anos para cá, que podemos seguir, a par e passo, toda a vida de S. João da Madeira nos nossos dias, toda a nossa pugna pelo progresso material pelas aspirações sanjoanenses, em suma, pelos legítimos interesses da nossa terra, tomando-a cada vez maior, emancipando-a e dando-lhe a projecção a que tinha merecidamente jus.

Ali se vê tornar grande, ali se vê germinar a vida e a alma desta pequenina «Manchester».

Para se avaliar da sua importância, prestemos atenção ao espírito de reacção de que atrás falamos, prelúdio de emancipação que já se adivinha em artigos publicados no começo da vida de «O Regional».

Assim, em Julho de 1922 (no período anterior à instalação da luz eléctrica), a propósito da falta de iluminação pública, pois que, tendo sido dotada por beneméritos seus, duma instalação completa de candeeiros, já em 1910, foi aquela suprimida em virtude da verba destinada pela Câmara de Oliveira de Azeméis não chegar para tal serviço.

E, prontamente, o brado dos sanjoanenses... (12) «Mas não têm talvez aumentado as contribuições, não arrecada nesta freguesia a Câmara impostos mais que suficientes para prover a esta despesa? Para que servem as contribuições que desta terra anualmente saem sem nada vermos que nos compense, sem nada se produzir que leve S. João da Madeira a um progresso maior? Não queremos favores, não precisamos de bajular seja quem for. Não pedimos como mendigos, falamos como quem reclama um direito. Queremos só Justiça! Justiça! / 18 / Justiça! Basta de apatia, basta de indolência! Exigimos os nossos direitos, reclamamos aquilo que nos pertence.

...S. João da Madeira tem direitos adquiridos porque é de todas as freguesias a que mais impostos paga e a que mais contribui para o progresso e engrandecimento do Município. Como está é que não pode ser! «Não há-de ser»!

 

A emancipação concelhia

O entusiasmo e a paixão pela constituição do concelho de S. João da Madeira atingiram espontânea e insensivelmente o apogeu e o verdadeiro fastígio da sua curva evolutiva.

É necessário lembrarmos as características psicológicas do sanjoanense e as suas determinantes bio-temperamentais, porque isso nos ajuda a compreender a génese e a execução de toda essa obra de engrandecimento e de autonomia.

Tão célere e grandiosa ascensão revela sobremaneira quanto um povo se pode tornar grande pelo trabalho e pelo amor ardente ao progresso.

Rememoremos aqui a feliz comparação que fez um jornalista uma vez ao visitar a nossa terra: «Meses antes do General Altamira, ditador do Chile, ser vencido pela imposição do Presidente Alesandri – a polícia especialíssima do Governo descobriu em Talvera, nas vizinhanças de Tacna, um facto que alarmou os conservadores. A população de Talvera, composta de 2 mil almas, implantara em segredo um regime social que nenhum contacto ou semelhança apresentava com as instituições vigentes. Abusava da ignorância corográfica do Ministério do Interior – fizera-se esquecer por completo do Governo. Era um Estado dentro de outro Estado. TaIvera vivia independente, próspera e feliz. Governada pelos técnicos e pelos operários, eleitos em proporções iguais, a sua indústria, a sua lavoura – e até as suas artes atingiam uma riqueza e uma perfeição inverosímeis. Todos viviam em paz. Todos se alimentavam bem, habitavam casas higiénicas, e se divertiam. A sua biblioteca recebia todos os «vient-de paraître»; e o seu teatro funcionava todas as noites. Uma guarnição de 20 carabineiros, olvidada pelo Governo, constituía o seu exército; as fronteiras, sem vigilância fiscal, com o Perú, eram o único balcão do seu comércio – e o cárcere da terra era um edifício perpetuamente desabitado».

A visão de S. João da Madeira sugeria-lhe Talvera! E acrescentava, ainda, com vigor:

«S. João da Madeira devia ser encaixilhado e exibido por todo o País, como um belo esboço realizado – das mais belas utopias da sociologia moderna».

Um certo grau de atitude autista, uma confiança ilimitada nas suas possibilidades, amor ao trabalho, ao semelhante, à família e à colectividade, horror a tudo o que não é vida e dinamismo, tais são as qualidades que, harmoniosamente conjugadas, têm realizado a completa integração dos esforços de todos os sanjoanenses, desde o mais humilde ao mais proeminente.

O entranhado bairrismo, a solidariedade para a luta, firmada sempre entre todas as classes, tal é o segredo bio-psíquico de que depende todo o sistema de valorização material dos habitantes de S. João da Madeira.

O triunfo desta causa sagrada – emancipação concelhia – verificou-se no momento em que todos os sanjoanenses, solidariamente, manifestaram a necessidade de viverem por si e para si, de lutarem mais ardentemente para a resolução dos seus problemas e para satisfação dos seus interesses.

*

Por decreto de 11 de Outubro de 1926, foi criado o concelho de S. João da Madeira.

O decreto reza assim: «Considerando que o desenvolvimento económico do país, base fundamental da sua melhoria financeira, é resultante da actividade agrícola, industrial e comercial dos vários agregados da sua população, cujo progresso, por isso mesmo, ao Governo cumpre fomentar, por todos meios ao seu alcance;

Considerando que a organização administrativa de cada centro de população tem uma influência importante na sua actividade, devendo estar de harmonia com a categoria económica e social, sob pena de graves prejuízos para a vida local;

Considerando que a vila e freguesia de S. João da Madeira, do concelho de Oliveira de Azeméis, com as suas numerosas fábricas e oficinas, que empregam alguns milhares de operários, constitui hoje o centro industrial mais importante do distrito de Aveiro e sustenta activas grandes transacções com o país e as colónias, para o que dispõe de meios de comunicação, mantendo também muito notáveis e benéficas instituições de carácter social, criadas pela iniciativa particular;

Considerando que o desenvolvimento económico e social de S. João da Madeira está sendo prejudicado, sufocado, pela sua inferior categoria administrativa a qual não permite a criação dos estabelecimentos de crédito indispensáveis ao seu movimento industrial, à realização de medidas de carácter higiénico e social em benefício da população, como o abastecimento e canalização de águas, a construção de casas económicas / 19 / para operários e o desenvolvimento de outras instituições já existentes;

Considerando que só pela independência municipal a vila de S. João da Madeira se colocará em condições de, usufruindo as correspondentes regalias administrativas, efectivar a resolução de necessidades urgentes e cada vez maiores, quer de expansão industrial, quer de progresso social;

Considerando além disso que a separação da vila de S. João da Madeira nenhum prejuízo causa ao concelho de Oliveira de Azeméis, que também constitui de per si um núcleo forte de trabalho e conta vinte freguesias;

Em nome da Nação, o Governo da República Portuguesa decreta, para valer como Iei, o seguinte:

Artigo 1.º – A freguesia de S. João da Madeira, distrito de Aveiro, é desanexada do concelho de Oliveira de Azeméis e constitui um concelho de 3.ª ordem, com sede na vila do mesmo nome.

Artigo 2.º – A área do concelho de S. João da Madeira, criado pelo presente decreto, é a mesma da actual freguesia e vila agora desanexada ao concelho de Oliveira de Azeméis.

Artigo 3.º – Fica revogada, quanto ao concelho de S. João da Madeira, a legislação em contrário, relativa à criação de novos concelhos.

Determina-se portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução do presente decreto com força de lei pertencer o cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nele se contém.

Os ministros de todas as Repartições o façam imprimir, publicar e correr. Dado nos Paços do Governo da República, em 11 de Outubro de 1926. – António Óscar de Fragoso Carmona – Manuel Rodrigues Júnior – João José Sinel de Cordes – Jaime Afreixo – António Maria de Betencourt Rodrigues – Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa – João Belo – Artur Ricardo Jorge – Felisberto Alves Pedrosa.

*

Aos esforços do grande sanjoanense Dr. Renato Araújo e dum grupo de pessoas influentes da nossa terra, grupo esse constituído por Genuíno Silva, Dr. Joaquim Milheiro, António Henriques, Manuel Costa, Inocêncio Leal, José Correia, Padre Almeida e Pinho, Augusto Palmares, o qual foi junto do governo corroborar o pedido daquele ilustre bairrista, se deve este grande acto de justiça, por parte do Governo português.

No dia 20 do mesmo mês tomou posse a comissão administrativa da Nova Câmara, a qual ficou constituída pelos senhores Benjamim José de Araújo (presidente), António Henriques e Manuel Luís da Costa (vogais efectivos), António Madureira, José António das Neves e José Gomes de Pinho Júnior (vogais substitutos).

A Junta de freguesia era assim composta: Francisco Luís da Costa e Manuel Henriques Soares (efectivos); Manuel da Silva Correia e Avelino Martins (suplentes).

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NOTAS

(1) – «Portugaliae Monumenta Historica» – «Diplomata et Chartae» – Volumen I págs. 421.

(2) – «O Regional», n. º 369, 370, 372, 373, 374 e 375, de 23 de Fevereiro de 1936 a 17 de Maio do mesmo ano.

(3) – Estes documentos mereceram também a análise cuidadosa, em 1922, do Dr. Aguiar Cardoso, em artigo publicado em «O Regional» de 18 de Junho, desse mesmo ano.

(4) – Deve tratar-se do lugarejo de Santo Estêvão, lugar onde existe uma mamôa, ou seja uma simples elevação de terreno, geralmente cobrindo monumentos pré-históricos chamados Dólmens ou outros, mamôa essa que constitui a ponta norte do monte «Castro Recharei», que se estende para sul até S. Martinho da Gandra; é na parte média do monte, que assenta o histórico Mosteiro de Cucujães, nos nossos dias adaptado a Colégio de Missões.

(5) – Documento transcrito integralmente pelo Rev. João Domingues Arêde, erudito investigador, cujos trabalhos sobre o passado de Cucujães são valiosíssimos. In «Cucujães e mosteiro com seu Couto, nos tempos Medievais e Modernos», 1922, págs. 16.

(6) – Torre do Tombo – Forais Antigos – Maço 8.º, n.º 1.

(7) – «Inquir. del Rey dom Denis».

(8) – Segundo Fortunato de Almeida, in Hist. Igr. Portug., tomo lI, a libra (moeda de conta), no tempo de EI-rei D. Diniz, equivalia acerca de 1$550 da moeda de 1911, o que corresponde aproximadamente a 3$40 da moeda dos nossos dias.

(9) – Extraído do livro «Portugal», «Dicionário Histórico, Biographico, Heráldico, Chorographico, Numismático e Artístico», por Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, 1905.

(10) – Na verdade, já em pleno século XVIII, por alturas de 1774, a nossa igreja velhinha andava necessitada de grandes reparações. O facto é que eram bem minguados os proventos da nossa terra para custear despesas de tal importância. Um grupo de pessoas mais gradas de S. João da Madeira fez uma representação junto de Sua Majestade EI-rei e solicitaram dele a graça de um «real» por cada «quartilho» de vinho e por cada arrátel de carne que se vendesse, na própria freguesia de S. João da Madeira e de outras limítrofes. O caso é que EI-rei, após informação desfavorável da Câmara da Feira, não concedeu a «provisão» necessária para a citada graça do então chamado «real dagua». Na própria sede da Comarca, na Feira, aos 30 dias do mês de Julho de 1774, houve reunião da «nobreza» e do «povo», para se examinar novamente esta questão. Foi negada informação favorável ao pedido da freguesia de S. João da Madeira, em virtude das demais freguesias do concelho da Feira já se encontrarem sobrecarregadas com a sobretaxa de «três reais» em cada quartilho de vinho e em cada arrátel de carne. Um deles destinava-se a custear a reparação das calçadas da vila. No entanto, conseguiu-se nessa mesma altura que concedessem essa graça, apenas limitada aos moradores de S. João da Madeira e às freguesias de Nogueira do Cravo e Carregosa. A antiga igreja era constituída, além do corpo central, por uma capela chamada do Senhor dos Passos e que se destacava do lado sul desse / 20 / corpo, esta capela comunicava com uma sacristia. Além desta sacristia, situada do lado sul, havia ainda mais duas, uma voltada para o norte e outra também para o sul, em situações correspondentes às duas que existem actualmente. Por cima da sacristia do clero, havia uma sala onde se efectuavam as reuniões das confrarias e ainda onde se guardavam as alfaias e objectos do culto. A igreja tinha vários altares. O altar do Senhor dos Passos estava situado na capela lateral do mesmo nome; a imagem que a ele pertencia foi abandonada, após a demolição de 1883. O altar do Senhor Crucificado estava situado do lado norte do corpo central; a sua imagem está hoje no altar do Coração de Jesus, tendo sido transformada no Senhor Morto. A cruz à qual esta imagem estava pregada ainda hoje se aprecia na sacristia situada no lado norte por debaixo da Sanefa que ali existe. O altar da Senhora da Boa-Morte ficava do lado sul; a sua imagem ainda hoje se admira no altar do Coração de Maria. Os dois altares que em último lugar citamos, o do Senhor Crucificado e o da Senhora da Boa-Morte, foram vendidos para a cidade do Porto, ainda que de valor riquíssimo, pois a sua talha era de real significado artístico.

O produto da sua venda reverteu a favor da construção da igreja actual, não sem provocar da parte dos crentes uma certa indignação devido ao acrisolado amor e veneração que tinha pelos citados altares Além das primeiras imagens, outras mais passaram para igreja nova e ainda hoje as podemos ver. São elas: a de S. João Baptista, do Mártir S. Sebastião, de Sant’Ana, da Senhora do Rosário, de S. José, S. Bento, S. Gonçalo, S. Braz, Senhora do Desterro, de S. Torcato e do Menino Jesus. Diz-nos mais o Rev. Almeida e Pinho que «entre as imagens de santos que a velha igreja nos legou existe ainda uma pequena imagem do Mártir S. Sebastião, muito imperfeita e truncada, feita de gesso ou matéria parecida, a qual foi encontrada dentro duma pia de pedra debaixo da soleira da porta principal da igreja velha, aquando da sua demolição».

Outras peças e objectos de culto passaram e ainda hoje existem na nossa igreja provenientes da velha; assim, a tribuna do Altar-Mor que teve de ser aumentada ainda que insuficientemente, a pia baptismal modificada no seu aspecto exterior, a antiquíssima cadeira paroquial, a grade que serve de «mesa de comunhão», o relógio da torre tão primitivo e que foi substituído, no ano de 1943, aquando de novos melhoramentos da iniciativa do actual pároco, os três sinos (sino grande, meão e pequeno).

(11) – Neste momento queremos lembrar também outra publicação local, a qual se pode considerar precursora de «O Regional». É ela a «Defesa Local», quinzenário que apareceu em 31 de Janeiro de 1915 e saiu com regularidade até 6 de Fevereiro de 1916. Era seu director Domingos Oliveira, editor M. Lopes Simões, administrador, Quintans Braga e M. Caseiro.

(12) – Em «O Regional», de 30 de Julho de 1922.

 

páginas 12 a 20

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