Liturgia Pagã

 

Faça-se ao mar, mas aprenda a nadar.

19º Domingo do Tempo Comum (ano A)

1ª leitura: 1º Livro dos Reis, 19, 9, 11-13.

2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Romanos, 9, 1-5

Evangelho: S. Mateus, 14,22-33

 

Se não aprende a nadar, acaba por «ir a banhos com S. Pedro», que teve muita sorte em receber uma mãozinha do Mestre…

Muita gente mostra afoiteza para dar nas vistas – mas quantas vezes o mar da vida lhes troca as voltas! S. Lucas (14,28-33) sabia do ofício: é bom ter grandes ideais e deixar-se apaixonar. Mas se a paixão não é sustentada pelo esforço quotidiano de avaliar o que fazemos e o que podemos fazer, arriscamo-nos a ir ao fundo.

A amizade de S. Pedro por Jesus Cristo era tão fogosa, que por vezes não conseguia levar os propósitos até ao fim (lembremos a negação de Pedro quando Jesus foi preso). Quase que poderíamos dizer, lendo o evangelho de hoje, que Pedro  não esteve para aprender ou desenvolver técnicas de boa natação… – ele que era pescador!

Mas Pedro até sabia nadar e bem (João,21,7). Então, porque é que se conta uma história inverosímil?           

Hoje é cada vez mais difícil falar de «milagres», sobretudo quando contradizem as leis da natureza, como a multiplicação dos pães ou andar sobre as águas. Porém, para o pensamento antigo, as «leis da natureza» e a «acção de Deus», por muito que esta parecesse extraordinária, eram formas de experimentar o espantoso universo. E a ciência actual leva a aprofundar a experiência religiosa – como esta, por sua vez, fortalece o entusiasmo da pesquisa científica.      

Diz-se que Jesus realizava muitos milagres – mas é mais exacto dizer que as pessoas «se admiravam» ou «ficavam espantadas» perante o que Jesus dizia e fazia. Aliás, os relatos facilmente eram empolados (como ainda hoje se faz…), sublinhando a importância e bondade de Jesus Cristo. De resto, é impossível comprovar a veracidade destas histórias.

Jesus não era um fabricante de prodígios, um super-homem, como ainda hoje as massas (que não pensam) desejam ver. O evangelista João é quem mais explora o significado das «acções maravilhosas» de Jesus: chamava-lhes «sinais», porque se destinavam a chamar a atenção para o «reino de Deus», anunciado e revelado em Jesus. Por outro lado, o «reino de Deus» surge como realização de toda a perfeição humana, simbolizada desde já na superação de doenças e da fome, e sobretudo na dignidade igualmente atribuída a enfermos, pobres, desprezados, velhos… e não apenas aos jovens, aos poderosos, aos que irradiam saúde. Um projecto a desenvolver na sociedade, como longa travessia a nado e muitos «ventos contrários»… Jesus deixou entender claramente que este esforço concreto é que é o grande «milagre».

O cristianismo, portanto, não se fundamenta em «milagres», nem estes «produzem fé» (lembre-se a incredulidade de muitos contemporâneos e acompanhantes de Jesus). É mais correcto dizer o contrário: porque temos fé, porque estamos abertos à realidade de Deus, encontramos o sentido do que nos foi e é transmitido como «milagres».

A 1ª leitura e o evangelho, qualquer que seja a realidade por trás das histórias, mostram que, quando aceitamos que Deus esteja connosco, garantimos a tranquilidade no meio do maior esforço.

Elias, em plena fuga dos perseguidores, reconheceu essa tranquilidade. E para S. Pedro, que bem lhe terá sabido o braço amigo do Mestre a livrá-lo das ondas agitadas! E nesse gesto reconheceu a «espantosa» missão de Jesus.

Mas «Deus ajuda a quem se ajuda». E o tempo de férias vem a matar para cursos de «natação»…

10-08-2014


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