Liturgia Pagã

 

«Vê-se pela aragem quem vem na carruagem»

Domingo de Páscoa

1ª leitura: Actos, 10, 34-43

2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Colossenses, 3, 1-4 ou 1 Coríntios, 5, 6-8

Evangelho: S. João, 20, 1-9

  

Ao chegar uma antiga diligência, o «ar» de quem vinha lá dentro podia dizer muito sobre quem era tal gente – se de confiar, se de pôr a andar…

Que aragem vem com a Páscoa?

Ao terceiro dia depois da morte de Jesus, os evangelhos falam de gente apressada, de perguntas, de contradições, de medos, de experiências estranhas, de suspiros de alívio…

E hoje em dia? Como personagem principal da «carruagem pascal», apresenta-se Jesus – mas numa cruz, embora rodeada triunfalmente por guirlandas de rendas e flores…

É bem o símbolo da condição humana: a vida é mistura de prazer e dor. Mas a nova aragem é optimista: a «vida imperfeita» desabrocha em «vida perfeita», pondo a render o próprio sofrimento e morte. Uma aragem de novo mundo, que traz seiva nova às nossas alegrias, que se vão enroscar nas próprias tristezas e crescer e florir.

A aragem diz-nos que Jesus não foi aniquilado pela morte. E diz-nos que homens e mulheres normais fizeram a experiência da «nova aragem» (a «ressurreição» de Jesus não pode ser comprovada historicamente, mas já se pode comprovar a seriedade intrínseca destas experiências e de muitas outras pelos tempos fora).

«Cruz» sem «ressurreição» seria tragédia; «ressurreição» sem «cruz», utopia.

Se temos fé em alguém, é porque apreendemos que essa confiança não só é razoável como, sobretudo, dá sentido à vida. Ao fazer-nos bem, ao contribuir activamente para a felicidade no mundo, a fé religiosa mostra como é dinâmica.

Em vez do ar pesado de condenados à morte, ganhamos uma aragem que harmoniza Deus e a Humanidade. Deus deixa de ser «estraga-vidas», empecilho para a inteligência e afectividade, para ser o «duplo» nas nossas aventuras – nos grandes ou pequenos empreendimentos, no nosso descanso, nos nossos amores…

O discurso de Pedro anuncia esta experiência de integridade do ser humano, em que se afirma o valor da vida de cada qual. A consciência das falhas («pecados») torna-nos capazes de reconhecer perante os outros que estamos dispostos a ter cada vez mais «bom senso» – sem fazer vista grossa ao que está mal feito.

No ambiente festivo da Páscoa, a alegria é tanto maior quanto mais nos sentimos a partilhar a esperança e a fé. Mas ao saudar a cruz engalanada e ao distribuir beijos e abraços (à volta da mesa bem posta, símbolo de união e de alimento para o futuro),  também se partilham memórias queridas e saudades e aprendemos suavemente a ver como o sofrimento e a morte se integram na vida sem a destruir. Porque tudo, mesmo tudo, nos pode ajudar a «nascer de novo» (João,3,3), culminando no misterioso «nascer» que ainda nos falta.

Até ao fim, Jesus Cristo foi um homem livre. Mostramos o nosso apreço à liberdade autêntica, percorrendo os recantos da vida e do mundo e espalhando a «nova aragem» que assegura uma «Páscoa sempre Feliz».

20-04-2014


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