Eu e o «Kérigma»


«Junto aos rios de Babilónia me sentei,

a meditar no que diziam sobre Sião»

 (paráfrase do Salmo 137,1)

 – Pelo que investiguei sobre KÉRIGMA, trata-se de uma «proclamação oral» - não exposição teórica, mas um anúncio importante, chamada de atenção ou alerta. No caso do Cristianismo, proclama-se, por ex., Jesus Cristo crucificado e «vivo»; e o «arauto» tem que mostrar que vive o que proclama.

 – Cada «ARAUTO» deve aproveitar o seu próprio estilo e cultura. Por isso, foi necessária, desde o princípio, uma exposição simples e concisa do núcleo da mensagem: confissão ou «símbolo da fé». O grande critério de verdade da mensagem é querer «amar os outros»; «amar a Deus» aponta para o desejo de querer sempre o que vale mais a pena, não se ficar pelo muito que já tenha feito em prol da «grande casa humana»; é confiar no «Deus vivo» e não no «Deus dinheiro»; é investir o dinheiro no bem-estar de todos. Os Actos dos Apóstolos (2,42-47) construíram a imagem idílica de uma sociedade de «bem-estar» como resultado da «encarnação» deste critério de verdade; essa imagem também forma um «kérigma» agradável de ouvir, pois fortifica a esperança de que construiremos uma sociedade verdadeiramente humana, tendo a «boa nova» de Jesus Cristo como alicerce do nosso projecto. Esta esperança, já manifesta nos antigos profetas, pertence ao núcleo da mensagem cristã; e assim contribuiu para o sucesso extraordinário do Cristianismo, juntamente com outros factores ainda não suficientemente discutidos.

 – Que sentido tem proclamar um «Deus de Deus… gerado não criado, consubstancial ao Pai…»?  Ainda por cima, a terminologia é muito próxima do gnosticismo histórico. Até  KARL RAHNER propunha um «novo credo», que exprimisse o núcleo da vida e proclamação de Jesus Cristo (inserida na matriz judaica) e da nova relação entre Homem e Deus. (Veja-se o «gnosticismo actual» na encíclica GAUDETE ET EXULTATE)

 – Jesus proclamou que «querer o melhor» exige não descansar «na Lei» (que até pode favorecer a corrupção). Nas Bem-aventuranças e no «mistério» do «reino de Deus», nada está definido, nem há rankings de classificação: proclamam a tensão provocada pelo desafio de Deus aos Homens. As parábolas e muitas das suas respostas são suficientemente enigmáticas para suscitar a curiosidade, interesse, reflexão… pondo os ouvintes a «mexer por dentro». Mas o «enigma da vida» era acompanhado de fé e esperança na LIBERTAÇÃO das angústias da vida. E o núcleo da sua proclamação (a forma simples do seu «credo») pode ser assim resumido: Deus é como um pai que se alegra por viver com os filhos e por ver regressar os que andam longe (ver artigo de MEIER no Nuevo Comentario Biblico San Jeronimo). E juntá-los na mesma mesa (eucaristia).

 – Pelos tempos fora, os estilos e meios de proclamação naturalmente adquirem novas formas. Os VALORES não são dogmas (e estes são perigosos e abusados). Misturando artigos meus com o livro do P. Tolentino, gostaria de anunciar «um Deus que dança connosco», sem nos impor o ritmo mas também sem pisarmos o outro…

 – Bons e maus seguidores de Cristo. Alguns viveram como sendo possível comprar o Deus vivo com o Deus dinheiro. PÉSSIMOS ARAUTOS, «cegos conduzindo cegos». Transformaram o DIÁLOGO de Jesus num monólogo inquisitório, manietante e manipulador; defendem uma doutrina fixista (medo do exercício da razão), imposta pela «banha de cobra», pelo «assédio moral» e até pela força física e política. A sua riqueza, ostentação e hipocrisia (na comunicação e no ocultamento da corrupção moral) mostram FALSA VOCAÇÃO, sem autenticidade (Mat.12,34). Elite quase intocável (ver o citado  «Gnosticismo actual»).

 –  Porque todos somos ARAUTOS, devemos ajudar-nos uns aos outros e dizer, com suavidade mas sem encolhimentos, o que pode estar a destruir a construção do «reino de justiça e de paz». Não ter medo de ir «de braço dado com FRANCISCO» (tenciono escrever sob este título), com quem se pode falar à vontade. Por exemplo, eu acho que o Papa, ao falar da misericórdia e migração, deixou demasiado para segundo plano a responsabilidade política de todos os países, sobretudo dos mais implicados – na linha da «ética universal» tão bem apresentada por HANS KÜNG. Ajudar os Padres («tipo diocesanos») a viverem connosco, a não terem medo de escutar e discutir conflitos não só ideológicos e religiosos e de enfrentar várias situações de violência (e obtendo preparação para tal). Discutir o celibato e abordar a sexualidade sem meias palavras.

 – Só os leigos é que devem ser «missionários nas coisas do mundo»? Mas porquê afastar padres e religiosos da acção política? A questão não é apoiar partidos ou personalidades: é PROCLAMAR o bem e o mal, onde quer que se encontrem, e quais promovem ou destroem a dignidade humana. Por outro lado, não estaremos perante o fenómeno de «angelismo»? Não se estará a contribuir para uma imagem elitista de «místicos seres humanos», a meio da escala entre «os outros» e Deus? Esta «visão angélica» contribui em grande medida para o «assédio sexual» (está na moda!) a esses «anjos» e para problemas de equilíbrio pessoal.

 – No dia-a-dia: cumprimentamos as mulheres ou homens de limpeza? «Falamos de alto» para pessoal subordinado? É causa principal do «burn-out». Elogiamos o trabalho deles? Preocupamo-nos com o bem-estar deles (necessário para a qualidade)? Quando elogio a arte de condução dos arrumadores de carrinhos nos supermercados, como é bom ver a reacção! Mas um deles respondeu tristemente: «Pois é, para o meu patrão eu nem isto faço bem, nem mereço o que ganho».

10.  – Estratégias de «proclamação»? A missionação tem novas exigências de contacto. Aposto na inserção noutros grupos, criando ambientes de conversa aberta e recíproca, e até de amizade. Cada vez mais penso, paradoxalmente, que «vale a pena morrer porque vale a pena viver». Assim vejo Jesus Cristo e a sua proclamação. Dar a vida para que a vida valha a pena. A começar na vida neste mundo. E em vez de «morrer», por que não dizer «dar a vida»? Aliás, ao longo doa vida, não a vamos dando aos bocadinhos – quando não em grossas fatias?

11.  – Finalmente: Chamo a atenção para os artigos de ANTÓNIO MARUJO  no jornal PÚBLICO, 25 de Agosto e 26 de Setembro. E o que disse o Papa em Dublin: «É necessário que cada baptizado se sinta envolvido na transformação eclesial e social de que tanto necessitamos».

Aveiro, 30-09-2018

 

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