Almanaque Desportivo do Distrito de Aveiro 1950, pág. 32-33.


Horácio Velha

UM ILHAVENSE QUE PODIA TER SIDO
                                                    CAMPEÃO DA EUROPA

Cerca de cento e cinquenta combates disputou Horácio, nascido em Ílhavo no dia 1 de Outubro de 1910, cento e cinquenta lutas sem conhecer o K. O. e somando apenas meia dúzia de derrotas aos pontos.

Filho de José Tude de Oliveira Velha e de Rosa Lau de Oliveira, depois de frequentar o Liceu de Aveiro, empregou-se no Porto e, em breve, o desporto era a grande paixão da sua vida. Pelo Fluvial praticou remo, «cross-country» e basquetebol, modalidade em que chegou a ser seleccionado para o Porto-Lisboa.

Como o F. C. do Porto abrisse uma escola pugilística sob a direcção de Ferreira Júnior, Horácio Velha frequentou-a, passando a representar os «azuis-brancos". E, em 1928, efectuou, na Invicta, os seus primeiros combates. Castro Mendes, com quem se estreou, foi obrigado a desistir ao 2.° «round».

No mesmo ano e por intermédio de Oliveira Valença, deslocou-se a Vigo, onde boxou duas vezes vitoriosamente.

Depois abalou para os Estados Unidos, sempre agarrado ao seu sonho – ser alguém
no mundo do boxe. E, na realidade, as suas aspirações não se desfizeram, como tantas vezes acontece, quais outras bolas de sabão... Na pátria por excelência do pugilismo, Horácio Velha começou a impor-se de tal modo que, em breve, arrecadava colecção invejável de triunfos, obtida a partir de certa altura sobre homens de prestígio: Charlie Taylor, Willie, Lefty Wright, Watter Petter, campeão da Alemanha, Kid Sullivan, Nadeau, Patsy Reno, Jimmy Abbruzzi, T onny Aquaro...

Um dia, coube-lhe finalmente defrontar o campeão do mundo, Lou Bruillard.

Porém, Horácio não conseguiu pôr K. O. o antagonista e, por isso, ante ruidosos protestos, foi declarado vencido aos pontos...

Em 1934, o «iron-man», como o cognominavam os americanos, foi ao Brasil, onde disputou cinco combates,. vencendo sem dificuldade Valdemar Januário, Vitor Manine, António Gauchito e Tobias Viana. Contra Rubens Soares foi obrigado pelo árbitro a perder aos pontos...

Após esta derrota em frente de dois... adversários, Horácio regressou a Portugal, efectuando uma série de bons combates: vencedor de De Cêa e Amoedo sem dificuldade; de AngelSobral, campeão de Espanha, aos pontos; do francês Thouvenin por K. O. ao 1.º «round»; aos pontos do campeão espanhol Martinez, que anos antes pusera  /p. 33/ Crespo K. O. ao 1.º «round»; de Ferrer e de Gavalda... Seus adversários foram também Kid Janas e Wouters, dados por certa crítica como carecidos de valor.... A verdade é que Kid Janas viria a ser campeão de França dos médios e Wouters, campeão belga, havia feito «match» nulo com SibyIIe, ex-campeão da Europa dos leves. O mesmo Wouters não tardaria em conquistar o título europeu dos meios-médios – para confusão de certos cépticos... O próprio Martinez, vencido por Horácio, disputou depois, em Berlim, o título europeu dos meios-médios a Gustavo Eder, perdendo apenas por pontos em 15 assaltos.

Voltando aos Estados Unidos, Horácio, menos desiludido pelos punhos dos adversários do que pelos golpes de certos personagens que pululavam nos meios pugilísticos, combateu novamente na América.

A Califórnia foi o palco das suas lutas de agora e Joe Noto e Migdget Mexico dois dos vencidos... De passagem, afirme-se que no ano anterior Mexico defrontara Tony Canzoneri, combate de onde saiu o «chalanger» de Lou Ambers, campeão mundial dos leves...

Desejoso de voltar ao seu país, o ilhavense encetou segunda viagem. Em Novembro
de 1937, em Lisboa, encontrou Viez, ex-campeão francês dos leves, contentando-se com um empate.

Depois, não comparecendo para efectuar um combate à porta fechada com Prior, perdeu em favor deste o seu belo título de campeão de Portugal dos meios-médios...

Auxiliado por uns punhos tão férreos como a sua vontade, Horácio, que galvanizou multidões, levando as lotações do Coliseu a esgotarem-se uma hora depois de aberta a bilheteira, não teve todavia quem, na Europa, lhe aproveitasse as formidáveis qualidades.

Defrontando os melhores da América e da Europa do seu tempo, travando com eles lutas de igual para igual, pode dizer-se que o invejável título de campeão da Europa, como acontecera já com o mundial, deixou de lhe pertencer por uma unha negra, por um fio de seda...


Durante o combate, travado nos Estados Unidos, entre Rudy Marshall, campeão da Nova Inglaterra, e Horácio Velha, não havia maneira do negro abandonar a defensiva.

Porém, no intuito de enervar o branco, Rudy, a certa altura do 7.º «round», increpou Horácio:

– Ó meu preto português, porque é que tu não combates?

O pugilista ilhavense compreendeu imediatamente o truque. E, sem perder a serenidade ante tal «achado» do adversário, objectou com o melhor sorriso que pôde arranjar:

– Ó meu branquinho de neve, porque não arranjas tu uma bicicleta para fugir mais depressa pelo ringue?

O negro embuchou, acabando Horácio por lhe amarrotar os queixos...


 

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