Em
2000, uma equipa do Centro de Histocompatibilidade do Norte, no
Porto, desenvolveu uma técnica de selecção genética de embriões
para que um casal pudesse gerar um filho que pudesse ser um
dador de medula óssea compatível com o irmão, que sofre de
leucemia. O projecto, visto como revolucionário na altura, foi
financiado em quase 25 mil euros. Mas a equipa não pôde usar
esse dinheiro, porque se levantaram dúvidas sobre se a selecção
de embriões com fins terapêuticos não poderia ser equiparada
à clonagem terapêutica.
Helena
Alves, imuno-hemoterapeuta da Universidade do Porto, hoje
directora do Centro de Histocompatibiidade do Norte (CHN), conta
como o casal que a procurou tinha tido um segundo filho, para
ajudar a tratar a leucemia do primeiro, e como, após nove meses
de gestação, o sistema imunitário da criança nascida se
provou incompatível com o do irmão doente. “Fui chamada num
sábado de Páscoa para fazer os testes. A probabilidade de um
irmão nascer compatível é de apenas 25 por cento.”
Lembrou-se
então que se o casal se submetesse a uma fertilização “in
vitro” e se se seleccionasse para implantação no útero da mãe
um embrião compatível, as hipóteses subiam para 100 por
cento. A criança com leucemia poderia curar-se através de um
transplante de medula. “Se fosse para diagnosticar se o embrião
sofria de uma mesma doença dos pais não havia problema. Podíamos
fazer um aborto terapêutico.”
Um
ano depois, quando a equipa recebeu verbas do Programa de
Investimento e Despesas para o Desenvolvimento da Administração
Central (PIDDAC) para desenvolver o projecto, um deputado do
PSD pediu explicações ao ministro da Saúde socialista,
Correia de Campos, e quis discutir o caso no Parlamento.
Nuno
Freitas disse ter serias dúvidas sobre a legitimidade e
legalidade do tratamento, e a equipa de Helena Alves viu-se,
desde então, impedida de mexer nas verbas.
“Mantemos
as tecnologias mas estamos parados. Somos um organismo estatal
e, como se levantaram muitas questões, continuar poderia ser
prejudicial para o nosso trabalho e para a instituição. Sem um
aval do Conselho de Ética [há cerca de um ano à espera da
nomeação de novos membros] não poderíamos arrancar”,
explica.
Em
Novembro de 2000, um casal que tinha uma filha com uma doença
grave — a anemia de Fanconi concebeu um segundo filho através
de técnicas de reprodução assistida nos Estados Unidos,
seleccionando um embrião geneticamente compatível com a irmã,
para lhe dar um transplante de medula Assim Moily Nash foi salva
pelo nascimento do seu irmão Adam. Foi um procedimento
semelhante ao idealizado por Helena Alves.
“Quando
me lembrei desta técnica, ela não estava descrita para o
tratamento da leucemia. Fiquei feliz por alguém a ter feito com
sucesso, mas sei que podia ter sido feita pela nossa equipa”.
Helena Alves lembra que todas as técnicas podem ser usadas de
forma negativa e que o melhor exemplo disso é o aproveitamento
de vacinas no bioterrorismo.
A
directora do CHN explica que ali faz-se investigação no
sentido de apoiar a transplantação de órgãos e não só de
medula óssea para tratar a leucemia: “Usamos técnicas de
clonagem terapêutica e temos financiamento da União Europeia
para avançar nas técnicas de cultura de tecidos. E importante
que se treine, mas não podemos usar nada. Há cinco anos que se
sabe que a clonagem de células estaminais pode ser usada para
minimizar a incompatibilidade dos órgãos transplantados e
diminuir os efeitos negativos dos medicamentos imunossupressores.
Mas isso também não interessa à indústria farmacêutica.”
E
alerta para outro facto: “Se os Estados não mantiverem as
tecnologias na mão, um dia vamos ser compradores de serviços,
o que vai sair muito caro. Temos toda a vantagem em dispor
destas terapias.” • ANA MACHADO
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