Ana Machado, Confusão com clonagem impede cientistas portugueses de tratar leucemia, in: "PÚBLICO". Ano XIII, n.º 4685, 19/01/2003, pág. 3.

Confusão com clonagem impede cientistas portugueses de tratar leucemia

Em 2000, uma equipa do Centro de Histocompatibilidade do Norte, no Porto, desenvolveu uma técnica de selecção genética de embriões para que um casal pudesse gerar um filho que pudesse ser um dador de medula óssea compatível com o irmão, que sofre de leucemia. O projecto, visto como revolucionário na altura, foi financia­do em quase 25 mil euros. Mas a equipa não pôde usar esse dinheiro, porque se levantaram dúvidas sobre se a selecção de embriões com fins terapêuticos não poderia ser equiparada à clonagem terapêutica.

Helena Alves, imuno-hemoterapeuta da Universidade do Porto, hoje directora do Centro de Histocompatibiidade do Norte (CHN), conta como o casal que a procurou tinha tido um segundo filho, para ajudar a tratar a leucemia do primeiro, e como, após nove meses de gestação, o sistema imunitário da criança nascida se provou incompatível com o do irmão doente. “Fui chamada num sábado de Páscoa para fazer os testes. A probabilidade de um irmão nascer compatível é de apenas 25 por cento.”

Lembrou-se então que se o casal se submetesse a uma fertilização “in vitro” e se se seleccionasse para implantação no útero da mãe um embrião compatível, as hipóteses subiam para 100 por cento. A criança com leucemia poderia curar-se através de um transplante de medula. “Se fosse para diagnosticar se o embrião sofria de uma mesma doença dos pais não havia problema. Podíamos fazer um aborto terapêutico.”

Um ano depois, quando a equipa recebeu verbas do Programa de Investimento e Despesas para o Desen­volvimento da Administração Central (PIDDAC) para desen­volver o projecto, um deputado do PSD pediu explicações ao ministro da Saúde socialista, Correia de Campos, e quis discutir o caso no Parlamento.

Nuno Freitas disse ter serias dúvidas sobre a legitimidade e legalidade do tratamento, e a equipa de Helena Alves viu-se, desde então, impedida de mexer nas verbas.

“Mantemos as tecnologias mas estamos parados. Somos um organismo estatal e, como se levantaram muitas questões, continuar poderia ser prejudicial para o nosso trabalho e para a instituição. Sem um aval do Conselho de Ética [há cerca de um ano à espera da nomeação de novos membros] não poderíamos arrancar”, explica.

Em Novembro de 2000, um casal que tinha uma filha com uma doença grave — a anemia de Fanconi concebeu um segundo filho através de técnicas de reprodução assistida nos Estados Unidos, seleccionan­do um embrião geneticamente compatível com a irmã, para lhe dar um transplante de medula Assim Moily Nash foi salva pelo nascimento do seu irmão Adam. Foi um procedimento semelhante ao idealizado por Helena Alves.

“Quando me lembrei desta técnica, ela não estava descrita para o tratamento da leucemia. Fiquei feliz por alguém a ter feito com sucesso, mas sei que podia ter sido feita pela nossa equipa”. Helena Alves lembra que todas as técnicas podem ser usadas de forma negativa e que o melhor exemplo disso é o aproveitamento de vacinas no bioterrorismo.

A directora do CHN explica que ali faz-se investigação no sentido de apoiar a transplantação de órgãos e não só de medula óssea para tratar a leucemia: “Usamos técnicas de clonagem terapêutica e temos financiamento da União Europeia para avançar nas técnicas de cultura de tecidos. E importante que se treine, mas não podemos usar nada. Há cinco anos que se sabe que a clonagem de células estaminais pode ser usada para minimizar a incompatibilidade dos órgãos transplan­tados e diminuir os efeitos negativos dos medicamentos imunossupressores.  Mas isso também não interessa à indústria farmacêutica.”

E alerta para outro facto: “Se os Estados não mantiverem as tecnologias na mão, um dia vamos ser compradores de serviços, o que vai sair muito caro. Temos toda a vantagem em dispor destas terapias.” • ANA MACHADO

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Inserido em 20-04-2018