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Por Terras do Maciço Calcário

"Região Bairradina", n.º 712, Maio 2002

 

 

Há já algum tempo que não venho ao contacto com os meus leitores (será que os tenho?) e, por isso, venho hoje propor-lhes (à guisa de compensação) uma pequena viagem pelo centro do país. Uma tal viagem teria a sua primeira paragem em Leiria onde o Castelo e o Paço de D. Dinis são visita obrigatória. Felizmente ainda o podemos ver num estado de conservação assinalável e dele se podem avistar as belas terras agrícolas da região.

De Leiria e para o caso de nunca terem visto o Mosteiro de Alcobaça e/ou o Mosteiro da Batalha (gravíssima lacuna cultural da qual os eventuais pecadores se devem penitenciar, imediatamente, indo lá), poderão começar, justamente, por essa pérola que é Alcobaça. Não conheço nenhum outro exemplo de cisterciense que se lhe possa comparar, nem cá dentro nem lá fora. Sobre a austeridade da nave central, da sua grandeza, leia-se o belíssimo poema de Jorge de Sena incerto no seu livro Metamorfoses. Aí nos fala Sena de uma [...] Hierarquia / de uma outra vida sobre a terra. Gesto /de pedra branca e fria, sem limites/ por dentro dos limites. Esperança /vazia e vertical. Humanidade. Este Mosteiro foi o centro de uma intensa actividade que muito contribuiu para o desenvolvimento agrícola da região.

Daí passem à Batalha, exemplo maior do gótico terminal ou tardio, chamado, entre nós, de manuelino. Não deixarão aí de ver a célebre abóbada da Sala do Capítulo a que se refere o célebre conto de Alexandre Herculano onde se fala do primeiro arquitecto do Mosteiro, Mestre Afonso Domingues.

Sugiro-lhes agora que subam a Porto de Mós onde poderão ver o castelo, um exemplo de estrutura militar, mais tarde adaptada a paço solarengo pelo conde de Ourém, D. Afonso, em meados do século XV.

A partir daqui deixariam os monumentos em paz e passariam a tomar mais atenção à natureza, já que começa por aqui uma região designada de Maciço Calcário Estremenho. Logo um pouco à frente, na estrada que se dirige para Mira d’Aire, encontrarão um conjunto de grutas (Santo António, Mira d’Aire, Alvados). Se nunca viram nenhuma, não devem perder a oportunidade. Uma gruta é um espaço fantástico onde a rocha adquire as formas mais bizarras por acção da água. Aí encontrarão formas típicas como sejam as estalactites e as estalagmites cuja delicadeza dá a esses espaços uma aura de templo natural. Sobre essas figuras esguias, elegantíssimas, escreveu Carlos de Oliveira um dos seus mais importantes poemas : Estalactite do livro Micropaisagem.

A esse envolvimento espacial se referia ele nestes versos: Espaço /para caírem /gotas de água /ou pedra /levadas /pelo seu peso, suaves acidentes /da colina /silenciosa para /a cal /florir /nesta caligrafia /de pétalas /e letras. [...]

Em Mira d’Aire verá uma forma típica destas regiões, ditas cársicas, o polje. É uma forma única no nosso país. Está situado a cerca de 400 metros de altitude e constitui uma depressão completamente fechada que em tempo de muita precipitação (inverno) se transforma em lago. Fora desta circunstância, o polje assume-se, numa região muito pobre, como a única ou quase única alternativa para a produção agrícola.

Não esquecer que nestas regiões (Serra dos Candeeiros, Serra de Sicó) a maior riqueza agrícola é a oliveira. A cobertura vegetal é constituída por espinhosas pelo que o gado que melhor se adapta a estas terras é a cabra. Já dizia o poeta nordestino João Cabral de Melo Neto que [...] Viver para a cabra não é /re-ruminar-se introspectiva. //É, literalmente, cavar /a vida sob a superfície, /que a cabra, proibida de folhas, /tem de desentranhar raízes.  E é a cabra que fornece o leite para uns queijinhos deliciosos que poderão encontrar nalgumas localidades da serra.

O resto, meus amigos, é pedra e é tanta que o homem para se desembaraçar dela e cultivar alguns escassos metros quadrados constrói muros à volta das propriedades, não para defender estas de intrusos mas para lhes dar uma ocupação (às pedras, entenda-se).

Uma vez que estão perto, embora a hora comece a ficar tardia, recomendava-lhes ainda uma última visita: à Pedreira do Galinha. Fica a poucos quilómetros de Fátima, na estrada para Torres Novas, próximo da aldeia de Bairro, e está muito bem assinalada ao longo da estrada. Aí poderão admirar trilhos de pegadas fósseis de grandes sáurios, as maiores que se conhecem em Portugal, no meio de uma paisagem verdadeiramente arrebatadora.

Ah, ficaram entusiasmados com o que viram e resolveram ficar para o dia seguinte? Bom, se assim é, então visitem Tomar e a velha Ourém onde se encontra o velho Paço dos Condes de Ourém (século XV). Esta estrutura residencial está situada num monte que se eleva no meio dum belo vale pleno de terras agrícolas e tem a rodeá-la a primitiva povoação de Ourém com as suas casinhas brancas e as suas ruas estreitinhas – uma delicadeza para os olhos!

Em Tomar são muitas as coisas que podem ver: o Convento de Cristo com a sua janela manuelina, única no género, a Igreja Matriz, o castelo, a Sinagoga onde se encontra instalado o Museu Luso-Hebraico de Abraão Zacuto. Não esqueçam a doçaria, os queijinhos e o tinto, que aqui para nós, não é nada mau. Já agora, aproveito para lhes dizer que em Tomar nasceu o grande compositor, já falecido, Fernando Lopes-Graça e também o meu querido amigo Manuel Simões, colaborador regular destas páginas, a quem daqui envio uma piscadela de olho.

Bom, o melhor é ficarmos por aqui e regressarmos a casa que já vão sendo horas.

Luís Serrano, Maio 2002

 


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