Fernando Pessoa, in Exílio,
Lisboa, 1916.
O
SENSACIONISMO
Desde a data, gloriosa para as nossas letras, em
que, com a publicação de Orpheu, um oásis se abriu no
deserto da inteligência nacional, os Espíritos, a quem
Deus concedeu que com a sua sensibilidade espontânea
iniciassem o Sensacionismo, vêem, com patriótico agrado,
de todos os solos do país, de todos os estratos da
cultura, brotar poetas da prosa e do verso, que, levemente
uns, vincadamente outros, alguns com consciência, outros
como que malgré eux,
vêm aderir de inspiração aos princípios que
constituem a atitude sensacionista. Por toda a parte a
sociedade ocultamente constituída pelas inteligências
portuguesas vai sendo ensopada em sensacionismo. Na
mocidade que começa a escrever-se, os poucos que mostram
esperanças de dar fruto intelectual não florescem senão
adentro do Sensacionismo. Ninguém hoje, entre os
escolares que se prezam, admira ou imita os nossos clássicos
ou os clássicos dos nossos jornalistas.
Tudo isto representa - outro sentido não pode ter -
uma instância da Hora da Raça, que, sentindo a
necessidade de realizar Cosmópolis em si, se vira para
o único núcleo de artistas que, além de darem ao seu
instinto de Chefes a garantia primária de serem quase
todos homens de génio, que tomaram de nascença nas mãos
o pendão da Raça (há tanto tempo bolorejando no túmulo
de Camões, de Garrett ou de outros bric-à-brac),
representam, manifestamente, uma plêiade luzida que nas
suas obras enfeixa, com o máximo utilizável do
sentimento
português, o máximo aproveitável nas actuais correntes
europeias.
O Sensacionismo surgiu, pois, como primeira
manifestação de um Portugal-Europa, como a única «grande
arte» literária que em Portugal se tem revelado, livre
da estreiteza crónica que tem prendido no seu leito de
Procustes todos os nossos impulsos estéticos, desde a tísica
espiritualidade que subjaz ao pseudopetrarquismo dos
tristes poetas da nossa Renascença, até à seca
emotividade em torno à qual nucleou o neo-huguismo
(grande embora) do actual chefe honorário da
intelectualidade portuguesa.
Sintético assim, o Sensacionismo triunfou. Primeiro
pelo escândalo, que outro não podia ser o triunfo
entre os feirantes que ergueram barracas no terreno
desocupado da nossa crítica. O nosso meio jornalístico e
«literário», acostumado ou a ser latoeiramente
estrangeiro, ou a ser nacional no nível da Praça da
Figueira, deu a «Orpheu» a única honra que em tais
almas cabia conferir - a da sua invertebradamente espontânea,
surpreendentemente sincera aversão. Assim, no que facto
publico, se lançou o Sensacionismo. A única propaganda
que se fez foi não se fazer propaganda nenhuma. Grátis
lhe fez esse frete a amabilidade involuntária dos críticos.
Depois, seguro e certo como uma maré que sobe, começou
o triunfo nos espíritos. De alma a alma, das aproveitáveis,
o Sensacionismo correu. Chegou, viram-no, e venceu. E
este muito é o pouco que são todos os princípios. Hoje
é já uma vitória; amanhã será uma nacionalidade.
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