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Encontros - Júlio Resende e Vasco Branco



OLHARES RECÍPROCOS

 

AveiroArte, em larga medida, existe, como grupo de artistas plásticos perseguindo objectivos de experimentação e de modernidade, porque existem Vasco Branco e Júlio Resende. Sem estes dois grandes nomes da cultura portuguesa, que transvazam do século passado para o actual, dificilmente seria possível termos a nossa Associação com o estatuto que soube conquistar ao longo de mais de três décadas.

Com efeito, ao primeiro, Vasco Branco, ainda que muito bem acolitado por, entre outros, não muitos, Artur Fino e Jeremias Bandarra, se deve a força que aglutinou vontades e centriptou esforços desde os nossos primeiros passos associativos.

Ao segundo, Mestre Júlio Resende, mercê da amizade que, de há muito, o liga a Vasco Branco, se devem avaliações qualitativas das obras que os nossos associados de entoo apresentavam para as primeiras exposições colectivas de AveiroArte. Muitas vezes, essas avaliações eram complementadas com adequado comentário que muito acrescentava à verdura iniciática de muitos de nós. Essas sessões apreciativas, muitas vezes enriquecidas pela opinião de Mestre Amândio Silva, também amigo de Vasco Branco, eram verdadeiras aulas teóricas, de técnica e de estética.

Por tudo o que vem de ser dito e muito mais que outros com mais sapiência poderão expor, entendeu a Direcção de AveiroArte promover uma homenagem a Mestre Júlio Resende e a VlC/Vasco Branco com uma mostra de seus trabalhos.

Foi-me pedido que alinhavasse algumas palavras sobre estes dois grandes artistas plásticos e bons amigos. Não o farei, pois sempre ficaria aquém do que merecem. Optei por ir buscar aos meus arquivos textos nos quais cada um deles fala do outro.

Aí vai o primeiro, da lavra de Vasco Branco, contido no belíssimo catálogo, editado pela Câmara Municipal de Aveiro, em Janeiro de 2000, primeiro da série ARTE NO SÉCULO, para a exposição de Júlio Resende, COR DE GOA quando era vereador do pelouro da cultura o nosso associado Jaime Borges.

 

Júlio Resende, o Homem e o Artista

Quando lemos Hubert Reeves ou Edgar Morin ficamos horrivelmente elucidados quanto à loucura que hoje possui o nosso mundo aceitando a feitura, a granel, do arsenal da bomba termonuclear.

A facilidade lembra-nos a irrisória ignorância do mais humilde dos fogueteiros. E, todavia, está a pôr-se em risco a existência do nosso mundo na sua totalidade.

O exacto oposto da destruição pode ter como paradigma Júlio Resende, o Artista com A grande que não necessita de qualquer encómio ou mesmo de simples apresentação formal. A verdade é que eu já confundo o Júlio Resende Artista com o Júlio Resende Homem. É que nem sequer os imagino cindidos. Conheci-o há quantos anos? Há muitos. E a sua imagem serena continua a ser, para mim, constantemente revisitada. Mas recordo-me que quando do nascimento de Aveiro/Arte ele condescendeu em dar uma vista de olhos às obras, com certeza imaturas, que em boa hora se juntaram sob o nome de arte aveirense. Éramos poucos, mas cheios de ambição legítima de mostrar o melhor ou o que tínhamos como melhor e que, na altura, seria uma mostra de imaturidade. Com o seu companheiro e amigo Amândio Silva desceram até nossa cidade. Mais. Tiveram a condescendência de nos criticar um a um, o que, para nós, ficou gravado a ouro fino. Escrevo mais com o coração do que com o cérebro. Mas suponho que é precisamente isto que o Professor Júlio Resende sempre esperou de nós, os iniciadores do grupo que espero me ultrapasse em durabilidade. Hoje diz-me, frequentemente, que nunca esperou que o nosso grupo funcionasse durante tantos anos. Não porque o desejasse, mas sabia como tinham sido goradas, quase à nascença, tentativas idênticas ensaiadas noutras cidades. E durante anos os nossos professores e amigos roubariam ao seu tempo precioso a disponibilidade da sua visita que tanto nos distinguiu e ensinou. Aveiro/Arte tem esta dívida de gratidão que nunca esquecerá. Depois tudo volveu amizade. E é fácil ser amigo do nosso Professor. Pessoa de uma simplicidade exemplar, tão grande quanto o seu enorme talento. E era tão franca e espontânea essa amizade que um dia me sugeriu acompanhá-lo ao Brasil garantindo-me uma visita a Jorge Amado. O certo é que com o Professor suponho que todos educamos o nosso gosto artístico e o ver muitíssimo mais em qualquer quadro. Mas dominando a cerâmica, colhi muitíssimos ensinamentos que me eram transmitidos muito naturalmente, ali na viela dos Oleiros e na nossa oficina Arcimex Quatro, onde os meus filhos também iniciaram as suas experiências. Por mais que viva nunca esquecerei quanto lhe devo em ensinamentos ditos em coloquial e como que por acaso. E tudo isto nos dá o Homem que encarna o enorme Artista desta nossa época tão conturbada que esquece, com frequência, o que a Arte Portuguesa lhe deve.

Mas comecei, quase que simultaneamente, a visitar o atelier do Professor. E tive variadíssimas e enormes emoções perante a obra que se ia acumulando e que inopinadamente desaparecia levada pela fúria dos «marchands». Grandes e elucidativas conversas diante de uma pintura! O Professor aparava as minhas perguntas, na altura creio que ingénuas, com o seu sorriso simpático. E com paciência evangélica procurava explicar-me esse motivo da experiência pictórica. Enfim, Mestre é Mestre e nada há que o conteste. Eu, que sou nada, contento-­me com as suas razões e agradeço. Somente.

 

Reeves, Morin e muitos outros pensadores autorizados, conscientes do perigo real que os governos trilham, muitas vezes em nome da paz, deixam-nos o aviso desta era damocleana que prolífera sobre as nossas cabeças talvez ingénuas, talvez distraídas com a argumentação dos profissionais da guerra moderna.

Vasco Branco — 17/11/1999

 

E agora recuperamos de Júlio Resende a sua leitura de Vasco Branco, conforme texto contido no catálogo com o mesmo nome, editado, em 1997, pela Universidade de Aveiro, em pública homenagem a este nosso grande aveirense.

Assim:

 

O Nome da Singularidade

As sociedades são elos de uma cadeia que vem do fundo dos tempos e se mantém forjando o elo seguinte numa natural predestinação. A robustez dessa corrente, dependendo da natureza da liga que lhe dá forma, caracteriza os tempos dessa sociedade.

A imagem é banal, numa reflexão sociológica.

As normas de conduta e o senso comum são um bem envenenado quando conduzem à acomodação, à passividade e ao conformismo e, portanto, aquele elo da cadeia deverá possuir a capacidade vitalizante de modo a evitar toda a cristalização.

Tenho para mim, que um espaço é bem mais que a sua configuração física. Aveiro, sem Vasco Branco, decerto que seria outra coisa.

A peculiar luz que na urbe se derrama, advém muito do espírito que é da natureza humana. 

Mas quem é Vasco Branco, afinal? Será que haverá alguém que não lhe reconheça as virtudes da solidariedade que fazem do homem, homem-bom? Nele, a naturalidade é tão natural que dir-se-ia que o seu coração está em tudo que se move — na atitude cívica, no pensamento literário, nas artes plásticas e nas imagens em movimento. Coração que se não fecha em si próprio num egocentrismo alheado do mundo circundante. Bem pelo contrário! Como o farol da barra, tornou-se apoio de gerações que têm vindo a dinamizar o pensamento da sociedade aveirense no desbravamento do terreno das ideias.

E quem conhece o homem, pelo simples aperto de mão, logo se apercebe da estatura de carácter da pessoa Vasco Branco.

Dinamizador, por excelência, é bem a imagem relevante pela simbologia do farol a iluminar uma enorme circunferência cujo diâmetro alcança as margens de um rio, como o Douro, meu robusto vizinho...

Que o digam as gerações de aveirenses, a partir dos anos sessenta! Vasco Branco, sempre jovem entre os demais, é espírito em disponibilidade, ensinando e aprendendo. Binómio que faz o retrato da sua singularidade. Gosto de Aveiro! Sinto-me bem em Aveiro!

Em momento de júbilo, aqui estou comungando em momento de justo orgulho pelos filhos que Aveiro tem!

Para Vasco Branco o meu abraço que é de todos os tempos!

Júlio Resende/Novembro, 1997

Que mais posso eu acrescentar àquilo que cada um dos nossos homenageados entendeu escrever sobre o seu amigo? Nada! Mesmo nada! Pois tudo o que por eles foi escrito faço meu. E não me atrevo a acrescentar uma vírgula...

Gaspar Albino — Abril/2005

 

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