Completados os 75
anos, nova fase se inicia na vida da Associação.
A Direcção
presidida pelo Capitão Firmino da Silva, homem de grande prestígio,
antigo Comandante da Polícia de Segurança Pública em Aveiro, de
oratória brilhante, consegue formar um elenco directivo que foi digno
de uma PLACA DE HONRA gravada a letras douradas, que é a única afixada
no Salão Nobre da Associação.
A Corporação tinha
vivido muitos anos de grandes dificuldades, sem ajudas de entidades
oficiais ou particulares. Com ele, eis que se deu o milagre. Havia
apenas dois velhos carros de fogo descobertos — «Comandante
Firmino
Fernandes» e «Comandante Firmino Costa» e duas ambulâncias: «Dr.
Nascimento Leitão» e «Coronel Dias Leite».
Do corpo activo
faziam parte apenas 36 homens.
Em poucos anos,
chegaram a esta casa um pronto-socorro ligeiro, ao qual foi dado o
nome de «EGAS SALGUEIRO» (então Presidente da Assembleia-Geral), uma
ambulância, que teve como padrinho o Dr. Vale Guimarães (que havia
sido Governador Civil), e, pouco depois, um pronto-socorro de
nevoeiro, que, na época, era considerado do melhor que havia, que o
então Governador Civil, Dr. Lousada, teve a honra de apadrinhar em
sessão pública.
Havia dificuldade
no recrutamento de jovens da Cidade, o que obrigou os bombeiros a
fazê-lo, a convite, em localidades mais distantes. Surgiram, porém,
dificuldades em momentos de alarme, sobretudo de noite.
Em 28 de Janeiro de
1960 inaugurou-se uma camarata para pessoal de serviço nocturno, e
constituiu-se um piquete de fogo formado por oito homens, sistema esse
que se vem mantendo.
Foram dez anos de
progresso em que homens de puro ideal voluntário deram o seu melhor a
esta Associação. Foram eles, o capitão Firmino da Silva,
João
Salgueiro, Severiano Pereira,
Décio Ala Cerqueira e
Manuel da Costa
Freitas.
Era Comandante o
aveirense Albano Henriques Pereira, homem que fez parte da mesa da
Assembleia-Geral, durante muitos anos.
Foi num jantar de
aniversário que o presidente da Direcção, quando mostrava o poder da
sua palavra, anunciou a intenção de se retirar, por ter cumprido o
programa traçado, e, olhando a mesa dos convidados, apontou com o seu
dedo de mestre e disse: «nunca me engano, está ali o homem que vai ser
um grande Presidente da Direcção, o Sr.
Engenheiro Branco Lopes». A
assistência aplaudiu de pé, vindo, de facto, a confirmar a escolha em
Assembleia-Geral.
Estávamos em 1967:
surgia o mestre que, durante 14 anos, deu o melhor da sua inteligência
e saber à causa do voluntariado, ultrapassando as fronteiras deste
quartel de bombeiros, projectando-se a nível nacional. Foi na
administração do engenheiro Branco Lopes — que teve como 1.º
Comandante Albano Henriques Pereira e, depois,
Carlos Alberto Soares
Machado, seguido do Engenheiro
Joaquim Arnaldo da Silva Mendonça e,
por fim, António Manuel Pinto Soares Machado, — que esta Corporação
teve intervenções dignas de referência.
No Congresso 70, a
pioneira Federação dos Bombeiros do Distrito de Aveiro (B.D.A) marca
presença digna a nível nacional. Os Bombeiros Velhos, na pessoa do seu
Presidente, tomaram parte activa — de alto relevo, diga-se!
Sexta-feira, 19 de
Abril de 1968, dia de instrução, 20,20 horas.
Programada a
instrução dessa noite, entendeu-se que a MANGA DE SALVAÇÃO era o tema.
Chefiava a
instrução o bombeiro Carvalho Júnior que, colocado na varanda do 2.º
andar, explicou os pormenores. Assim, começou a descida dos salvados
(bombeiros). Desceram cinco homens. Foi diferente com o sexto, de nome
Francisco Silva, por se ter rompido a referida MANGA, à altura de sete
metros, na vertical. O instrutor correu e conseguiu apanhá-lo nos
braços. Dado o peso do homem e a velocidade na queda, a perna direita
aguentou mas... com várias fracturas.
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Caso curioso, para espanto de todos, o bombeiro que caiu partiu apenas o
pulso direito.
Foram os dois para a
Casa de Saúde da Vera-Cruz com um sofrimento que a todos impressionou. O
bombeiro Carvalho Júnior seria condecorado com a Medalha de Salvamento
«de ouro de 3 Estrelas, conferida pela Liga dos Bombeiros Portugueses».
Ao princípio da
madrugada do dia 9 de Dezembro de 1973, recebemos uma comunicação do
Regimento de Infantaria n.º 10, situado na Rua de Castro Matoso,
alertando os bombeiros que na ala esquerda, lado Sul, (Avenida Araújo e
Silva) havia um pequeno incêndio, que o pessoal militar de serviço
estaria a procurar resolver.
Era uma recomendação
feita para que os bombeiros se preparassem para avançar à segunda
chamada.
Momentos passados
gritam: «Venham depressa»!
Pessoal preparado,
saída imediata, primeira intervenção e pedido de ajuda a várias
corporações vizinhas — tudo num ápice!
Dada a configuração
do edifício, os bombeiros sentiram-se impotentes por não haver, na
altura, meios para poderem chegar ao telhado. Em cerca de 45 minutos o
fogo deu a volta ao telhado. Edifício muito antigo, pó de muitos anos
que se torna pólvora e toda a espécie de dificuldades, incluindo a falta
de pressão nas bocas de incêndio, pelo que houve necessidade de ir
buscar água ao Lago do Parque através de moto-bombas. Com todas estas
dificuldades, sentiram-se os bombeiros satisfeitos, pois só ardeu o
telhado do prédio, que era de configuração quadrada, com pátios
interiores. Sentiu-se, na altura, a falta de uma auto-escada. Com as
tradicionais escadas de lanço não foi possível atingir o telhado, mas
procurou-se evitar que o fogo atingisse o sobrado do primeiro andar.
Também não chegaram a arder as janelas do primeiro andar nem as cortinas
do Gabinete do Comando.
Apesar da grande
superfície de construção e da dificuldade de penetração do pessoal, o
fogo só atingiu o rés-do-chão, no centro do Quartel.
O rescaldo
prolongou-se por todo o dia e noite.
Existia, nos
Bombeiros Velhos, uma escada de madeira adquirida nos anos 20, assente
em duas rodas grandes e uma pequena para mudar de direcção, (a que
vulgarmente se chamava escada Magirus), que foi usada durante muitos
anos, para receber visitantes ilustres ou para dar beleza a cortejos que
passavam à Rua Coimbra (Ladeira da Costeira).
Contam os mais
velhos, que a escada chegou, pelo caminho-de-ferro, à Estação de Aveiro.
Uma equipa de poucos bombeiros deslocou-se, com uma pequena carreta de
duas rodas, à estação para a transportar até ao quartel. Mas, qual não
foi seu espanto, quando depararam com um monstro de cerca de 14 metros.
O caso ainda hoje é contado e com certa graça.
Estamos em 1973, ano
em que veio a Aveiro o Presidente do Conselho de Ministros, professor
Dr. Marcelo Caetano, e, como sempre, a velha escada (que para fogos
pouco servia, mas que prestou para caiação de prédios) é colocada no
local do costume.
Por excesso de
inclinação e com três bombeiros em cima, para lançamento de flores, a
escada tombou roçando pela parede do prédio em frente. Resultado:
ferimentos ligeiros e a estrada coberta de serradura carunchosa da velha
madeira. Isto a 10 minutos da passagem do cortejo automóvel!
A imprudência no
trabalho leva, com frequência, à intervenção dos bombeiros. Desta vez
foi o salvamento de um jovem de 18 anos, entalado numa máquina de
fabrico de PASTA «MADEL» para a construção civil.
O misturador de
cimento e palha de madeira foi, inadvertidamente, accionado. A máquina
rodou 1800 e um dos muitos varões em aço, de 32 mm com esfera na ponta,
perfurou-lhe o abdómen, ficando o jovem nessa crítica posição à espera
de socorro.
Chegada ao local uma
ambulância e verificada a impossibilidade de o libertar, pediu-se,
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urgentíssimo, material adequado para o efeito. O homem, coberto de
cimento, gritava: «tirem-me daqui».
Não foi fácil. Foram
precisos 45 minutos para o libertar. Utilizaram-se ferramentas
hidráulicas, mas não resultou, optando-se pelo corte do varão com um
disco-abrasivo, com todas as consequências provocadas pelo calor
desenvolvido.
Paralelamente a este
trabalho, acção meritória teve o pessoal na organização de meios para a
descida do sinistrado, que se encontrava na parte superior da máquina.
De tal modo que, quando o sinistrado chegou ao solo, a assistência foi
imediata.
Toda esta
simultaneidade de acções contribuiu para o bom êxito do salvamento.
Finda a intervenção, gerou-se em todos nós um choque emocional, ao
olharmos o infeliz, que estava despido, em cima da maca e com um varão
espetado no corpo.
Sem dúvida comovidos,
mas felizes também, por termos salvo um homem.
O pessoal dos
Bombeiros foi visitá-lo várias vezes ao Hospital.
Um lamento: Era nossa
intenção levar esse jovem ao nosso Quartel com o intuito de o
abraçarmos. Para isso foi convidado, mas não compareceu, o que nos
causou bastante mágoa.
O tempo passou e
ainda hoje não temos a satisfação de o conhecer!
Emigração significa
saudade. Natal lembra família.
Portugueses vindos da
Alemanha, em vésperas de Natal, tiveram um acidente. Alguns encontraram
a morte e outros ferimentos graves, numa curva seguida de uma ponte,
perto de Oliveira de Azeméis, num lugar chamado Silvares.
O autocarro,
conduzido por um motorista alemão, teve necessidade de travar para não
abalroar uma furgoneta e o despiste foi fatal. Junto à ponte, uma queda
pelo ar, (15 metros), acabou com metade do autocarro mergulhado no
caudal do rio que levava águas barrentas e forte corrente. Lama e chuva,
o cenário era de tragédia.
Seriam 7:30 horas.
Foram pedidos socorros aos bombeiros locais, mas depararam com um tipo
de acidente fora do vulgar. Viviam os bombeiros, nessa época, sem
material adequado para esse tipo de acidentes, tal como material
hidráulico para desencarceramento. O Comandante de Oliveira de Azeméis
sabendo que os Bombeiros Velhos de Aveiro possuíam o referido material,
não hesitou em chamá-los.
Nessa manhã de
Domingo, 18 de Dezembro de 1981, eram 8:30 horas, quando o pedido de
ajuda chegou. Logo o Ajudante do Comando dos Bombeiros Velhos, Carvalho
Júnior, fez a mobilização de 7 homens da sua confiança que procuraram
chegar o mais depressa possível ao local.
Durante o trajecto
pouco se falou, todos pensávamos: «com várias corporações à sua volta,
para chamarem Aveiro a coisa deve ser muito grave». Assim nos
interrogávamos!
Várias centenas de
pessoas assistiam ao drama. Três corporações estavam presentes.
Em boa hora iniciámos
os trabalhos, com a ajuda de outros bombeiros, pois que foram precisas
seis horas para retirar daquela amálgama de ferros torcidos cinco
pessoas com vida, terrivelmente massacradas, e sete já mortas. Três
desapareceram na forte corrente das águas, já que, a cerca de uns trinta
metros, havia uma queda de água.
Mulheres, homens e
crianças, completamente entalados pelo tejadilho da viatura contra os
assentos. Recorda-se uma mãe que deixou morrer o seu bebé, afogado numa
poça de sangue, porque tinha os braços presos de tal modo que não pôde
virar a cara de lado ao seu filho. E, recorda-se o dilema: deixar morrer
um homem para salvar cinco vidas. É um choque tremendo, mas tinha que
ser!
O carinho dos
bombeiros de Oliveira de Azeméis não nos faltou. Foi a recompensa.
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