Fazenda do pai do Fernando
– Amanhã vamos almoçar à fazenda do pai do Fernando –
diz-nos o Alferes. Vão dois Unimogues e o jipe. Temos de estar lá antes
do meio-dia.
Sempre tínhamos ouvido falar daquela fazenda. Todas
as semanas o Fernando (rapaz ainda novo), passava pela Muxima, atracava
o seu barco no cais, indo sempre perguntar se era necessário trazer
alguma coisa de Luanda.
Era ele que fazia os transportes marítimos da Muxima,
num barco em chapa de ferro já com um certo arcaboiço, ao qual tinha
aplicado um motor para mais rápido se deslocar sobre as águas do rio.
Carregava o barco na fazenda e, seguindo rio abaixo,
atracava na fazenda “Bom Jesus”, onde tinha uma camioneta de carga que
transportava tudo para Luanda para ser vendido no mercado. No regresso,
atracava na Muxima, descarregando as encomendas para quem lhas tivesse
pedido e seguia viagem até ao destino.
Era um rapaz simpático, de poucas falas, e sempre
pronto a ajudar quem precisava.
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O barco do Fernando na Muxima |
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A fazenda não era muito longe. Seguimos pela estrada
que leva a Novo Redondo e cerca de uma hora depois virámos à esquerda
até chegar à fazenda.
Mais adiante começou a ouvir-se um ruído estranho
vindo do meio de uma plantação de palmeiras. Bem, o Alferes ia à frente;
era a ele que competia indagar! Avançámos com cuidado, até que pouco
depois vimos, à esquerda da estrada, uma espécie de instalações em
madeira que, pelo seu aspecto, deviam ter largos anos de vida. Ficavam
num alto. Era uma pequena fazenda, que se dedicava à exploração de óleo
de demdem. Parámos!
Os pretos, funcionários da exploração, pediram-nos
para esperar, que o patrão já vinha… “Nós foi chamar o patrão que estava
do outro lado” – querendo dizer que estava longe.
Enquanto esperávamos íamos observando, no meio do
palmar um pequeno armazém de madeira, um "telheiro" que resguardava as
máquinas das intempéries, e uma quantidade de bidões que serviriam para
guardar o óleo. Pouco depois chega o "branco", encarregado da
exploração. De corpo forte, embora não fosse muito alto, barriga
proeminente, descia apressado em nossa direcção. O seu aspecto parecia o
de quem não vê higiene há muito tempo, ou talvez o sol de África lhe
tenha escurecido a pele e o óleo, as roupas.
Chega-se junto ao Alferes, abraça-o com força, e
põe-se a chorar copiosamente!
– Ó meu Alferes, há tanto tempo não via um branco!
– Então o Fernando não passa por aqui? – perguntou o
Alferes.
– Não, ele faz as suas viagens sempre pelo rio. É
mais rápido e menos perigoso.
Este rapaz tinha trinta e poucos anos, embora o seu
aspecto deixasse transparecer muito mais. Contou-nos que era da região
de Almeirim, que tinha pertencido ao Grupo de Forcados Amadores de Vila
Franca. Tinha feito a tropa e emigrado para Angola. Depois de diversos
empregos em diversas cidades, resolveu vir para o mato onde se ganhava
mais, estando neste local já há uns anos.
– E como foi durante as “makas” de 1961? –
Perguntou-lhe o Alferes.
– Nós tivemos sorte, assim como os pais do Fernando.
Como nos dávamos bem com os assalariados negros e as nossas fazendas
ficavam fora da estrada principal, nunca fomos incomodados.
Seguimos viagem, até ao nosso destino.
Chegados, fomos apresentados à família. O pai do Fernando, casado com
uma senhora preta, tinha três filhas e dois filhos. O terreiro onde se
encontravam as habitações era ladeado num dos topos pela habitação da
família; no lado oposto estavam as habitações dos serviçais.
No centro do terreno havia uma árvore frondosa,
debaixo da qual tinham montado uma mesa extensa, com toalha, um prato e
um garfo para cada militar!
Olhei para aquilo e pensei que aquele era bom exemplo
de como deveria ser uma família portuguesa em África.
Íamos conversando e aguardando a hora do almoço. O
que nos iriam oferecer? Chegaram dois panelões cheios de comida, que
foram postos em cima da mesa. À ordem de avançar, cada qual servia-se do
panelão e sentava-se à mesa. Arroz de pato! Estava cheiroso e sabia
ainda melhor, pelos condimentos africanos que lhe haviam juntado. Uma
maravilha! Nós esperávamos uma churrascada, por ser uma refeição normal
naquelas paragens e por ser fácil de confeccionar. Mas eles capricharam.
Melhor assim…
Era bem visível nos olhos do pai do Fernando a felicidade que sentia
vendo a nossa satisfação. E começou a contar histórias da sua mocidade.
Estava a “desabafar”, pareceu-nos.
O Bifanas, dirigindo-se ao pai do Fernando,
lembrou-se de contar também uma história da sua mocidade:
– O Senhor sabe qual era a minha profissão quando era
novo?
– Estás velho, estás! Qual era?!
– Empregado de mesa...
– E então, que tal? – Pergunta o dono da casa –
davam-te muitas e boas gorjetas?
– Era conforme o cliente. Se era bom dava uma boa
“gorja” e eu agradecia. Se era um cliente forreta e só dava uma moedita,
eu punha-a na bandeja e fazia com o braço o gesto do “queres-fiado-toma”.
A moeda ia cair direitinha no bolso da camisa. Eu nem lhe agradecia.
O pai do Fernando desatou a rir às gargalhadas com a
piada. Apareceu-lhe um adversário à altura e ele sentia-se feliz.
Depois de bem comidos, ao meio da tarde regressámos à
Muxima.
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