Novamente em Luanda
Serviço ao Cinturão Verde
Era um serviço chato, desgastante, com os soldados distribuídos em
grupos de três (esquadras) por diversos postos, entre o aeroporto e um
pouco a Norte na estrada de Catete, junto aos “Muceques”. Havia um jipe
onde era feita a ronda.
Apesar de o calor naquela altura ser sufocante,
tínhamos de andar devidamente fardados, com o fato de combate. Na zona
não havia árvores excepto raros embondeiros. Era um suplício passar a
vida a olhar para o nada durante o dia. Durante a noite era necessária
uma maior atenção.
Por vezes tínhamos o espectáculo dos pára-quedistas,
que nos seus treinos semanais, saltavam sobre o aeroporto mesmo ali ao
lado. Um dia, creio que era domingo, ia eu com o condutor de jipe a
fazer a ronda para os lados do aeroporto e os “páras” andavam em treino
de salto. Parámos para apreciar melhor o espectáculo.
– Olhe, olhe, meu Furriel, o pára-quedas daquele não
abriu!
Olho, e vejo um homem chegando à terra com o
pára-quedas fechado! Ouve-se um baque…
– Aquele já lerpou… – diz-me o condutor.
Vida boémia em Luanda
Era assim a vida em Luanda. Vida boa para quem lá estava. Findo o
serviço diário, era um ver se te avias a ir para a cidade. Despir a
farda tomar um bom banho, vestir a roupa "civil" e aí íamos nós até à
baixa. Para os mais sequiosos o destino era a Biker onde, com cada
caneca de cerveja, era oferecido ou um pires com torresmos fritos
salgados (coiratos) ou um pires de dobradinha com muito gindungo!
Sabia bem e com este "pé" a cerveja não subia à
cabeça. E se subisse?! Até nos dava a ideia que o dia seguinte não seria
de muito perigo!
O meu irmão Plínio estava a terminar a sua comissão.
A família do Sr. Nero ofereceu-lhe um jantar de despedida, para o qual
fui convidado. Arranjei emprestado um gravador portátil e resolvi gravar
a festa. Festa rija. Dela constava, além de outras iguarias, chanfana de
cabrito bem temperada com gindungo. A bebida era vinho tinto do "Puto",
daquele que era vendido em garrafões de cinco litros, com "capacete"
como nós dizíamos. A rolha era lacrada com gesso, para evitar que fosse
violada, o que nem sempre acontecia.
Só me lembro do início da festa. Comemos bem, bebemos
melhor, cantámos. Não sei porque cantei! Afinal eu não ia regressar. Era
o meu irmão que regressava!
No dia seguinte acordei na minha cama, no quarto que
tínhamos alugado, e só aí me contaram o que tinha acontecido:
– Era noite velha, quando ouvimos ruído na estrada em
frente à casa. Olhámos para a tua cama e estava vazia. Sabíamos onde
tinhas ido jantar, mas era muito tarde para chegares. Dois de nós saímos
do quarto e fomos ver o que se passava na rua. Demos contigo sentado no
passeio, encostado a uma árvore, abraçado ao gravador a tocar... e tu
dormias! Trouxemos-¬te para a cama onde continuaste a dormir. Agora toca
a levantar, toma uma chuveirada, que temos de ir para o Grafanil!
E assim continuava a vida na cidade onde nos
encontrávamos, e naquela tropa a que pertencíamos. Vida de cidade
demasiado agitada para o ambiente a que estávamos habituados.
Arame farpado, para quê?!
No dia 10 de Janeiro de 1964, fomos substituir a 307 que ocupava a área
Cabo Ledo/Muxima. Viajar cedo, pela fresca, era o lema. Lá fomos em
direcção a Cabo Ledo, sempre em direcção ao Sul, junto à costa. Tivemos
de atravessar o Rio Quanza, mesmo junto à foz. Havia uma barcaça grande
– podia com uma GMC carregada – com dois potentes motores fora de borda,
que fazia a travessia.
A Companhia 307 já tinha regressado ao Grafanil, pelo
que tínhamos as suas instalações disponíveis. Sempre para Sul íamos
andando e observando. Atravessado o rio tínhamos entrado na reserva de
caça da Quissama.
Mais a Sul começámos a ver uma torre que deitava
fogo. As informações colhidas em Luanda, pelo Sr. Nero, permitiam-me
afirmar com certeza que aquele era o poço de petróleo de que nós iríamos
ser os guardas enquanto ali estivéssemos.
Chamavam "O Tobias" ao poço. Estava calculado que as
suas reservas dariam para alimentar o "Puto" e o ultramar durante
dezoito anos!
Enfim, chegámos. Toca a descarregar e arrumar as
coisas e a preparar a pernoita. Feito isto, descansámos, observando o
ambiente à nossa volta.
Perto do aquartelamento estavam as instalações da
companhia petrolífera, com as suas casas, as suas máquinas, tudo cercado
por arame farpado. Ali era o verdadeiro coração da exploração
petrolífera. Ao longe divisava-se a savana. Mas arame farpado ali, para
quê? Só no dia seguinte soube a razão, dada por um elemento da
petrolífera:
– Vê aqueles burros de mato? – Explicou um indígena –
se deixamos uma porta aberta na rede, entram todos por ali dentro e,
como o espaço é pouco e estão acostumados a andar à vontade, põem-se aos
coices uns aos outros e já têm provocado avarias nas tubagens. Só
conseguimos afugentá-los com um jipe atrás deles!
Admirado inquiri:
– Mas por que vêm eles para aqui, se nem pasto há
para eles comerem?
– Ora, na Quissama há muitos leões e estes preferem
para sua alimentação os burros do mato a qualquer outro animal! Eis a
razão porque eles se refugiam junto de nós.
Esta não sabia eu, e pensei com os meus botões, tudo
tem uma razão, um porquê!
Passámos uns dias a reconhecer o terreno e as praias.
Tudo parecia calmo. Calmo demais para o meu gosto. As praias, com um mar
sereno, passados os primeiros tempos, passaram a ser aborrecidas. Era
tomar banho, dar uns mergulhos e regressar ao acampamento. O mais
violento era a ribanceira que era preciso vencer, quase escalar, para se
chegar cá acima!
Um problema num dente obrigou-me a ir a Luanda ao
Hospital Militar. O médico da nossa Companhia tinha sido evacuado para o
Continente por doença. Obtida a Guia-de-Marcha, dirigi-me à petrolífera
a saber se haveria boleia para Luanda. Que sim, que o avião da companhia
viria nessa tarde trazer umas peças para uma máquina que tinha avariado,
e regressaria ainda nesse dia a Luanda. Havia dois lugares vagos, eu
ocuparia um.
Agradeci, e dirigi-me ao aquartelamento, aguardando.
Ao princípio da tarde lá veio o Teco-teco, um Auster,
que se fez à pista e aterrou, abanando as asas. Dirigi-me para lá e
aguardei que o avião descarregasse. Chegaram os outros passageiros.
Embarcámos e eu tomei o lugar que me foi indicado, ao mesmo tempo que me
deram um pequeno saco de papel impermeável:
– “Para utilizar se precisar” – disseram-me!
Agradeci.
O avião levantou, e quando sobrevoava o pantanal que
ladeava o rio Quanza, foi avistada uma manada de elefantes.
– O nosso Sargento autoriza (?!) que demos uma volta
para vermos melhor a manada?
– Dêem as voltas que quiserem, eu também gosto de os
ver ao vivo, já que é a primeira vez que o faço.
O pedido de autorização era afinal para saber se eu
ia bem-disposto!
Demos umas voltas apreciando aquele espectáculo
extraordinário e seguimos em direcção a Luanda, onde aterrámos pouco
depois.
Tentei saber quando havia avião para Cabo Ledo mas
não me souberam informar! Teria de me desenrascar pelos meus próprios
meios.
No dia seguinte fui ao Hospital Militar onde me
arrancaram o dente, me deram umas pastilhas LM e me mandaram de regresso
para a petrolífera.
Agora tinha de me desenrascar. O pessoal do nosso
Batalhão estava no Grafanil. Passei por lá. Sorte minha. Encontrei o
Vagomestre da nossa Companhia, o Furriel Cura, que tinha vindo a Luanda
com uma GMC, à Manutenção Militar buscar reabastecimento para a
Companhia. Na manhã seguinte, bem cedo, seguiria para Cabo Ledo.
Aproveitei a boleia. Manhã fria, e nós íamos em cima da carga. Na cabine
ia salvo erro o Alferes Barata. Chegámos ao princípio da tarde.
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