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A Lógica Formal e a Matemática

 I

Definição de Lógica

Quantas e quantas vezes, num quotidiano e rotineiro diálogo, produzimos uma afirmação do género: o teu ponto de vista peca por não apresentar lógica alguma.

Saber o que é lógico, ou o que apresenta uma estrutura lógica , num contexto linguístico, sempre foi uma questão de grande estudo e reflexão, pelo menos desde a época da Revolução Socrática e seus pensadores. Dentro destes, devemos destacar aquele que sem dúvida mais contribuiu para o esclarecimento destas matérias, sendo ainda considerado, nos nossos dias, uma referência incontornável devido ao legado que nos foi transmitido.

 Com efeito, consideramos que os estudos de lógica clássica, ou formal, foram na sua génese constituídos por essa grande figura da civilização europeia que foi Aristóteles.

 As definições que hoje em dia apresentamos a respeito da Lógica, enquanto ciência, fundam-se ainda no contributo do pensador de Estagira.

Trata-se de uma ciência que procura encontrar as leis em relação às quais o nosso pensamento deve obedecer para que possa ser considerado válido.

Parece confuso ? Então vamos por partes: como o pensamento produz raciocínios, devemos pois analisar a essência ou estrutura do raciocínio para que saibamos com exactidão do que é que falamos.

Dessa forma, sabendo que os raciocínios, ou argumentos,  não são mais do que um meio de passar de certos conhecimentos já adquiridos para outros, que são as suas consequências, e apresentando-se esses conhecimentos em juízos, ou proposições, que , eles próprios,  religam ideias, designadas por conceitos , ou termos, …surge daqui a divisão  tripartida da Lógica Formal: - Lógica do Conceito,  Lógica do Juízo,  Lógica do Raciocínio.

Maurice Gex, Logique Formelle, pág. 17

 

II

O problema da verdade material

e da validade formal

Contrariamente ao que se costuma pensar, a disciplina da lógica não se debruça sobre a componente semântica dos conhecimentos expressos nos conceitos ou nos juízos. A este respeito é costume efectuar uma distinção entre a validade dos raciocínios (saber se a conclusão está devidamente fundamentada nas informações antecedentes - as premissas) e a verdade material dos enunciados (saber se determinado enunciado é verdadeiro ou falso, em confronto com a realidade empírica).

A Lógica apenas irá debruçar-se sobre o primeiro caso, isto é, averiguar se um determinado raciocínio chegou legitimamente a uma conclusão, e nunca irá perder tempo em verificar se o raciocínio assenta em pressupostos reais ou irreais.

Podemos pois dizer que à lógica em nada interessa o problema da verdade.

É pois possível produzirmos raciocínios válidos, mas assentes em premissas (informações) falsas, e raciocínios inválidos, mas assentes em verdades factuais, empiricamente verdadeiras.

Vejamos um exemplo de um raciocínio válido, mas materialmente falso:

Se...        Todos os Homens são imortais

E se...     Todos os batráquios são Homens

Logo,    Todos os batráquios são imortais

 

Com efeito, logicamente é possível chegarmos a uma conclusão legítima, na medida em que ela se encontra fundada nas premissas apresentadas, independentemente do conteúdo veiculado.

Vejamos agora um outro exemplo, nomeadamente de um raciocínio inválido, mas que materialmente ou semanticamente é irrepreensível :

Todos os Homens são mortais

Todos os Homens são mamíferos

Todos os mamíferos são mortais

 

Trata-se de uma nítida  infracção às mais básicas regras da Lógica Formal. Podemos desde já, pelo sentido, constatar que a informação dada nas premissas não permite fundamentar a conclusão. Se referimos que todos os homens são mortais e se todos os homens são mamíferos , a partir destas indicações, jamais poderíamos justificar a conclusão de que todos os mamíferos são mortais (quando muito poderíamos referir que alguns mamíferos são  mortais).

Apesar de se estruturar unicamente em verdades materiais, sob um ponto de vista lógico, o raciocínio não é válido.

 

III

O conceito

Procuremos relembrar os conteúdos estudados: O pensamento produz raciocínios que conjugam juízos  e estes, por sua vez, efectuam relações entre conceitos.

Iremos agora elucidar o significado de conceito.

Definição:  o conceito é uma representação mental que reúne numa expressão linguística (termo), uma série de características comuns a uma conjunto de seres. A partilha da mesma essência, permite a estes elementos  formarem uma mesma classe e serem designados pelo mesmo nome.

Exemplo: o conceito de felino reúne numa palavra  todos os elementos e seres (gato, tigre, lince, puma, leão) que partilham um conjunto de características genéricas (animal, ser vivo, mamífero, vertebrado) e as diferenças específicas ( aquelas características que só os felinos possuem e mais nenhuma outra classe possui).

Quando definimos um determinado conceito, poderemos consequentemente distingui-lo de todos os restantes, em virtude da diferença específica. Assim, quando nos referimos ao conceito cão e ao conceito gato, a diferença específica de cada um destes conceitos é inconfundível: o cão é um animal que ladra (diferença específica) e gato é um animal que mia (diferença específica). As características genéricas ajudam a definir o conceito, sob o ponto de vista da compreensão e poderão ser comuns a diferentes conceitos . No presente caso, o conceito de cão e o de gato têm em comum, entre outras, as seguintes características: ser vivo, animal, vertebrado, mamífero, animal com cauda...etc.

Apesar das diferenças específicas, cão e gato partilham características comuns ...

 

IV

O Juízo

O Juízo é uma operação mental  que une dois conceitos por meio de uma afirmação ou negação. Um dos conceitos será o sujeito e o outro será o predicado. Na sua estrutura clássica, o juízo apresenta ainda no início da sua formulação um quantificador  que conjugado com o tipo de ligação existente entre os conceitos origina uma das seguintes quatro possibilidades:

Todos (quantificador)os gatos (conceito) são (ligação) felinos (conceito).

Nenhum (quantificador) gato(conceito) é (ligação) felino (conceito).

Alguns (quantificador) gatos (conceito) são felinos (conceito)

Alguns (quantificador) gatos (conceito) não são felinos (conceito)

  

V

O Raciocínio

O Raciocínio, como vimos no início, permite a passagem de conhecimentos adquiridos para conhecimentos ainda não adquiridos. Referimos também que esses conhecimentos se expressam em juízos e que estes, por sua vez, unem dois conceitos.

Dessa forma, considera-se que um raciocínio expresso numa inferência mediata deverá conter dois conceitos e três juízos, sendo dois deles considerados premissas, e o último deles, a conclusão.

Vejamos um exemplo (como foi inicialmente referido, a componente da verdade material nada interessa, pois perderíamos imenso tempo a verificar se há ou não correspondência com a realidade. Para além deste aspecto, certas verdades, ou mentiras, são muito polémicas. Senão vejamos:

Todos os portugueses (conceito) são admiradores de obras de arte (conceito).

Todos os adeptos do FCP (conceito) são portugueses (conceito) 

Todos os adeptos do FCP são admiradores de obras de arte.

 

Este é um raciocínio inquestionavelmente válido, pois a conclusão encontra-se fundamentada nas premissas. Isto é, o encadeamento das duas primeiras premissas, ou juízos, permite a sustentação da conclusão (3º juízo).

Se não concordamos com a verdade material aqui expressa, poder-se-á mudar o conceito FCP por um outro qualquer (SLB ou SCP), não devendo ser um pretexto futebolístico que origine desconfianças em relação à  Lógica Aristotélica.

 

VI

Algumas demonstrações matemáticas

A matemática não é uma ciência experimental em que a repetição de um fenómeno um grande número de vezes leva a aceitá-la como lei. O conhecimento matemático é demonstrativo. Ora, os conhecimentos de Lógica Formal são um pré-requisito para o estudo da matemática. Não podemos esquecer que a Lógica é um instrumento ao serviço de todas as ciências.

Vejamos algumas demonstrações matemáticas, escolhidas do tema “sucessões”:

 

Demonstração por dedução

Recorrendo ao cálculo dedutivo, a partir de uma proposição deduz-se uma outra.

Exemplo:  Cálculo da soma dos n termos de uma progressão aritmética

Seja:

           

           

            :

            :

             (1) - representa a soma dos n primeiros termos de uma progressão aritmética.

Por outro lado, e uma vez que a adição é comutativa se trocarmos a ordem dos termos a somar tem-se:  (2)

Adicionando termo a termo as expressões (1) e (2), obtém-se

n parcelas iguais a      

(Numa progressão aritmética, a soma dos termos igualmente distanciados dos extremos é igual à soma dos extremos)

Logo,

 é a soma dos n termos de uma progressão aritmética

 

 

Demonstração por Indução

Demonstram-se casos particulares, generalizando para todas as situações.

Exemplo: prove por indução matemática que:

O processo de demonstração por indução matemática apoia-se nos passos seguintes:

1º Provar a veracidade para n = 1

Se n = 1, vem

A propriedade é verdadeira para n = 1

2º Suponhamos que é verdadeira para p, ou seja  

 (1)  

 

Vamos provar que é válida para p + 1 , isto é

(2)

Partindo de (1) e adicionando aos dois membros vem:

  

 (2)

Concluímos então, que se for verdadeira para o inteiro p, também é verdadeira para

Então ficou demonstrado que

 

Demonstração por Redução ao Absurdo

Demonstra-se o teorema através de uma contradição, ou seja: para provar que o teorema é verdadeiro, admitimos que a tese é falsa e através de um raciocínio lógico, chega-se a uma contradição com a hipótese. Pode-se assim concluir que a tese é verdadeira.

 

Exemplo: Teorema da unicidade do limite

(uma sucessão não pode tender para dois limites diferentes)

Demonstração:

Suponhamos que

 e , com a <b

 

Então  e

 

Seja  ( d é um número menor do que metade da distância entre a e b )

Existe uma ordem , a partir da qual
Existe também uma ordem , a partir da qual

 

               a - d              a        a + d             b - d           b         b + d                    

 

Para a maior das ordens  ou , os termos da sucessão  distam de a e de b

 menos do que d, o que é absurdo pois .

 

O absurdo resulta de se ter considerado .

 

Logo .

 

Bibliografia:

NEVES, Maria Augusta Ferreira, Matemática,  11º ano, Parte 3, Porto Editora. 1998.