In: João Lopes, Aniki Bóbó, Nº 18, Algueirão, Secretaria de Estado da Reforma Educativa, M. E., SD, 24 pp.

Aniki-Bóbó

Texto de João Lopes

Brochura acerca do filme «Aniki-Bóbó» - Dim. 21x14,5 cm - Clicar para ampliar.

   Ficha Técnica
    O Filme

    Sinopse

   Um poema cinematográfico

    Os actores e os técnicos

    Questões interdisciplinares

   Manuel de Oliveira - Biofilmografia

    Filmografia

    Sobre o filme e sobre Manuel de Oliveira

   Manuel de Oliveira - Bibliografia

    Videografia

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Aniki-Bóbó

O filme

Imagem do filme Aniki-Bóbó - Clicar para ampliar.

Produção: António Lopes Ribeiro; Argumento: Manoel de Oliveira, inspirado no conto "Meninos Milionários», do Dr. Rodrigues de Freitas; Diálogos: Manoel de Oliveira, Manuel Matos, António Lopes Ribeiro e Nascimento Fernandes; Versos: Alberto de Serpa; Fotografia (preto e branco): António Mendes; Cenários: José Porto; Montagem: Vieira de Sousa; Música: Jaime Silva (Filho); Som: Sousa Santos; Assistente de realização: Manuel Guimarães; Assistente de imagem: Perdigão Queiroga;   Interpretação: Nascimento Fernandes (o

logista),  Vital dos Santos (o professor), Manuel de Azevedo (o cantor da rua), Fernanda Matos (Teresinha), Horácio Silva (Carlitos), António Santos (Eduardito), António Morais Soares (Pistarim), Feliciano David (Pompeu), Manuel de Sousa (o filósofo), António Pereira (o Batatinhas), Rafael Mota (Rafael), Américo Botelho (o Estrelas), Armando Pedro (o caixeiro); Duração: 102 minutos.

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Sinopse

Imagem do filme Aniki-Bóbó - Clicar para ampliar.

 

Cenário: os bairros populares da cidade do Porto. Próximo da via férrea, nas margens do Douro, as crianças brincam despreocupadamente. Mas as suas brincadeiras são também formas de iniciação ao mundo dos adultos, da lei e da ordem. "Aniki-Bóbó» é a expressão mágica que lhe serve para determinar uma diferença fundamental: quem é política e quem é ladrão.


A loja onde se vende um pouco de tudo, incluindo os brinquedos que as crianças cobiçam, é um pouco o centro dos acontecimentos, o lugar onde todos se cruzam. Para Carlitos, um dos garotos das redondezas, há um desejo que já se transformou numa obsessão: oferecer à Teresinha a boneca que o lojista expõe na sua montra.

A dificuldade de obter o dinheiro, a presença constante da autoridade e as complicações que enfrentam alguns dos seus companheiros vão marcar todo o seu comportamento.



Um poema cinematográfico



Quando realiza Aniki-Bóbó, Manoel de Oliveira é, no essencial, um documentarista. Como vimos, tal designação não pode ser tomada à letra; não pode, pelo menos, ser reduzida à noção corrente de alguém que se limita a filmar aquilo que a realidade lhe dá a ver, para depois o apresentar de forma mais ou menos organizada e "descritiva». Seja como for, através de títulos como Douro, Faina Fluvial ou Famalicão, respectivamente de 1931 e 1940, Oliveira tinha-se mostrado como retratista de realidades muito palpáveis: a zona ribeirinha do Porto, a vida quotidiana e uma feira em Famalicão.


Nesse sentido, podemos considerar que Aniki-Bóbó parte de uma atitude documental. Basta sublinhar o partido que o cineasta sabe extrair dos cenários portuenses e, de novo, dos lugares das margens do Douro. Mas é também por aí que Aniki-Bóbó começa a ser diferente de um simples testgemunho documental. Por aí, e não apenas pelo facto de naqueles cenários surgir inserida uma história / 5 / típica de confronto de um grupo de crianças com o mundo dos adultos. De facto, Oliveira filma o Porto não tanto para produzir o seu «retrato», mas mais para inventar uma cidade imaginária que, como por acaso, tem como matérias principais as pedras e as ruas do Porto.

Imagem do filme Aniki-Bóbó - Clicar para ampliar.

 

A história do Carlitos e da Teresinha é assim algo mais do que uma fábula que se vem inscrever em paisagens conhecidas e facilmente reconhecíveis. Essa sua dimensão de fábula contamina todos os elementos do filme, justificando o epíteto que, historicamente, o tem acompanhado: «realismo poético». Talvez que a designação se preste a equívocos, em especial porque surge também associada a outros contextos (franceses, por exemplo) e outros autores (Marcel Carné) bem diversos e distantes do mundo de Oliveira. Seja como for, ela tem, pelo menos, um mérito: o de sublinhar que os modos de relação do cinema de Oliveira com a realidade estão longe de corresponder a uma qualquer «espontaneidade» do olhar ou das coisas olhadas. Ele é um cineasta de transfiguração da realidade, alguém que acredita no poder mágico do cinema face a essa mesma realidade.

 

No contexto português da altura, semelhante atitude estava longe de ser indiferente. Basta recordar que Aniki-Bóbó foi feito na mesma época de grandes sucessos populares como O Pai Tirano (1941), de António Lopes Ribeiro, ou O Pátio das Cantigas (1942), de Francisco Ribeiro. Perante tais títulos, é óbvio que Aniki-Bóbó instala uma diferença importante: em vez do humor directamente ligado ao teatro de revista e às suas caricaturas sociais, o filme de Oliveira propõe, por assim dizer, uma «evasão» para um domínio em que prevalece o anti-naturalismo, e até mesmo algum apelo fantástico.

 

Basta recordar sequências como o pesadelo de Carlitos ou da viagem que este faz pelos telhados para entregar a Teresinha a tão ambicionada boneca. São situações em que o irrealismo do tratamento dos cenários e objectos vai a par de um clima ambíguo, dir-se-ia puramente onírico.

 

Curiosamente, estas características de Aniki-Bóbó acabariam / 6 / por transformá-lo num filme premonitório (ou como tal considerado) do neo-realismo italiano. Compreende-se que assim tenha acontecido. Tal como nas obras determinantes do neo-realismo – por exemplo, Roma, Cidade Aberta (1945), de Roberto Rossellini, e Ladrão de Bicicletas (1948), de Vitorio De Sica – existe em Aniki-Bóbó um gosto especial pela exploração dos cenários naturais e também pela utilização de actores cuja presença se confunde com a do homem da rua. Não será até deslocado considerar que todos eles são filmes que se ligam através de um «sentimento estético» de atenção á vida das classes mais pobres que marcava muito cinema da época.

 

Para além disso, porém, importa lembrar que a origem de Aniki-Bóbó não tem nada a ver com as determinações históricas do neo-realismo italiano: isto é, a preocupação – aliada ao imperativo moral – de dar conta das feridas sociais e individuais da guerra. Neste aspecto, poderemos dizer apenas que Aniki-Bóbó contém uma mensagem linear e ingénua de alguém que filmava na mesma altura em que grande parte da Europa sofria os efeitos dramáticos da Segunda Guerra Mundial: as crianças são, neste caso, a imagem cândida de uma pureza que o mundo dos adultos não ostentava.

 

Porque, afinal, talvez que a força vital que faz mover estas personagens, mesmo quando a sua acção parece situar-se num clima mais ou menos idílico, seja esse medo a que se refere João Bénard da Costa a propósito de vários filmes de Oliveira: "O medo cresce na noite, na solidão, nos espaços fechados. O Porto policiado do Douro está cercado pela barra (...). O mesmo cerco espreita o pintor na cidade, tentando fechar no espaço da tela a vida que a tela destrói. Entre algumas ruas, a escola, a loja das tentações e o molhe onde brincam, estão cercados os miúdos do Aniki-Bóbó que no escuro encenam a morte e aprendem que não há fugas possíveis para os ladrões doutro espaço» (in "Manoel de Oliveira», Cineasta Portuguesa, Lisboa, Outubro 1981).

 

Daí que valha a pena sublinhar a importância do conflito entre o Indivíduo e a Lei em todo o cinema de Oliveira. Poder-se-á considerar que Aniki-Bóbó não tem nem a maturidade nem a qualidade de elaboração formal e técnica de alguns dos filmes mais recentes de Oliveira como, por exemplo, Benilde ou a Virgem Mãe (1974) ou Francisca (1980). De qualquer modo, não será abusivo ver em Aniki-Bóbó uma espécie de ultrapassagem fabulosa (entenda-se: em forma de fábula) das limitações do quotidiano por parte do indivíduo. Oliveira filma como evidente ternura as crianças de Aniki-Bóbó porque nelas reconhece uma força criativa cuja «irracionalidade» escapa ao mundo de razões (e de Razão) dos adultos. Não será que, quase quatro décadas passadas, ele encontrou a mesma força em Teresa e Simão, os protagonistas do Amor de Perdição que o cineasta foi buscar a Camilo Castelo Branco?

 

Se há filmes que, no interior da história do cinema português, podem ostentar a classificação de clássicos, Aniki-Bóbó é, por tudo  / 7 / isso, certamente um deles. Não que a sua importância se possa medir em termos de descendência. Quantos filmes portugueses retomaram a herança de Aniki-Bóbó? Talvez nenhum, tanto mais que o seu autor foi o primeiro a romper com as suas características.

 

O valor clássico de Aniki-Bóbó mede-se na sua própria solidão e singularidade: um «poema cinematográfico" que assinala um marco na evolução de um dos mais importantes criadores do cinema português.

 

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Os actores e os técnicos


Mesmo os ecos de popularidade que possamos encontrar, por exemplo, no nome de Nascimento Fernandes, protagonista do filme, não fazem de Aniki-Bóbó um filme «dominado" pelos actores. Neste sentido: embora datado do início dos anos 40, este não é um filme alicerçado na popularidade de figuras – como Vasco Santana ou António Silva – directamente ligados a um registo cómico e, especificamente, ao teatro de revista.

 

Em termos pedagógicos, esse poderá ser um bom pretexto para combater a imagem falsa do passado do cinema português como uma colecção de comédias mais ou menos ligeiras. Não que se trate de recusar os valores de tais comédias ou mesmo os efeitos da sua popularidade. A questão é outra: de facto, e apesar das muitas dificuldades de produção que estiveram ligadas a quase todas as fases da evolução do cinema em Portugal, não é justo considerar que se trata de um cinema homogéneo, sem experiências apostadas em recusar os padrões dominantes.

 

Nesta perspectiva, será justo evocar dois nomes que figuram na ficha de Aniki-Bóbó. Um deles é António Mendes, director de fotografia que iniciara a sua colaboração com Oliveira em Douro, Faina Fluvial: ele é, sem dúvida, um dos grandes talentos das primeiras décadas do cinema em Portugal e, em especial, um notável criador de imagens a preto e branco. O outro é António Lopes Ribeiro: além de cineasta, ele foi um dos poucos verdadeiros produtores da história do cinema português e a sua aposta em Oliveira e no projecto de Aniki-Bóbó não terá sido das coisas menos importantes da sua actividade; além do mais, o facto de Lopes Ribeiro ter surgido, durante largos anos, como uma / 8 / emanação directa dos valores do regime salazarista para o cinema, confere-lhe o estatuto de personalidade essencial em toda a história do cinema português até 1974; foi ele que realizou A Revolução de Maio (1937), uma ficção que é também uma espécie de panfleto dramático do Estado Novo.

 

Questões interdisciplinares

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Em termos muito simples, vale a pena utilizar Aniki-Bóbó como exemplo de um cinema português «diferente», alheio a esses vícios de raciocínio que tendem a reduzi-lo a uma colecção de comédias populares ou, pior ainda, a um conjunto de objectos esotéricos.

 

O paralelismo, precisamente com as comédias da época, pode ser interessante para mostrar como, já nos anos 40, a produção cinematográfica portuguesa estava longe de ser estética e tematicamente homogénea. Além do mais, Aniki-Bóbó reflecte uma antinomia, se não eterna, pelo menos muito importante em diversos sectores da história da expressão pelo cinema: é a que se estabelece entre o «naturalismo» das imagens e a «fantasia» dos ambientes, no fundo, entre a constatação realista e a transfiguração irrealista.

 

Em termos videográficos, não é muito fácil a comparação do filme com outros momentos da obra de Manoel de Oliveira (as edições dos seus trabalhos são ainda escassas). De qualquer modo, havendo possibilidade de acesso a esses momentos, seria interessante vê-lo a par de Douro, Faina Fluvial ou O Pintor e a Cidade, filmes de Oliveira em que a cidade do Porto surge também transfigurada através de um olhar documental que não esconde a sua dimensão anti-naturalista.

 

Por fim, e para além da maior ou menor justificação que possamos atribuir ao paralelismo de Aniki-Bóbó com o neo-realismo, será sempre interessante evocar as suas obras, quer no cinema (italiano), quer na literatura. Além do mais, convém recordar que o facto de o conto de Rodrigues de Freitas que serviu de inspiração ao filme ter sido publicado na revista «Presença» pode permitir uma evocação motivadora da paisagem cultural portuguesa no inicio da década de 1940.

 

Manuel de Oliveira - Clicar para ampliar. Manuel de Oliveira


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Biofilmografia

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A história da obra cinematográfica de Manoel de Oliveira é mais do que o relato particular do trajecto de um autor. É também, de certo modo, uma história paralela das dificuldades de fazer cinema em Portugal.

 

A imagem de Oliveira como uma espécie de símbolo central do cinema português contemporâneo e, mais do que isso, como bandeira desse cinema no estrangeiro está longe de ser uma imagem que o tenha acompanhado deste sempre: Nascido no Porto, a 10 de Dezembro de 1908, Oliveira esteve ligado ao cinema desde muito cedo. Mas não esteve sempre ligado ao cinema, como o demonstram os vários hiatos da sua produção fílmica.

 

Em 1928, surge como figurante do filme Fátima Milagrosa, rodado por Rino Lupa, nos estúdios da Invicta Filmes no Porto. A sua primeira realização é Douro, Faina Fluvial, curta-metragem documental sobre a zona ribeirinha do Porto. O filme teria duas versões: uma muda, estreada a 21 de Setembro, no Cinema Central, no âmbito do Congresso Internacional da Crítica, e outra sonora, com partitura musical de Luís de Freitas Branco, que surgiria nas salas a 8 de Agosto de 1934, servindo de complemento a Gado Bravo, de António Lopes Ribeiro.

 

A evocação precisa da época em que surgiu Douro, Faina Fluvial revela-se especialmente importante se tivermos em conta que terá sido a partir daí que que se instalou (para durar algumas décadas) a noção equívoca de um Oliveira documentarista mais ou menos «naturalista». Na verdade, o filme segue uma estratégia documentarista, mas está longe de se poder incluir em qualquer vertente naturalista da história do cinema. Aliás, foi o próprio Oliveira que, desde sempre, confessou ter-se inspirado naquele que é um dos modelos históricos do documentarismo anti-naturalista, mesmo com um apelo fantástico: Berlim, Sinfonia de uma Cidade (1927), do alemão Walter Ruttmann.

 

Numa opinião expressa por altura do lançamento do filme de Oliveira O Passado e o Presente (1971), o crítico e o cineasta Alberto Seixas Santos resume a atitude criativa de Oliveira, / 11 / afirmando: «Documentarista, se tal título se justifica, o que duvido, Manoel de Oliveira foi-o marginalmente e à sua maneira. Ou melhor, à maneira de Entre Douro e Minho, à maneira de Camilo, Raul Brandão ou Amadeo de Sousa Cardoso. Do outro lado do realismo."

 

Parafraseando esta leitura, talvez pudéssemos dizer que Aniki-Bóbó (1942), a primeira longa-metragem de Oliveira, pode ser apontado como um objecto que está "do outro lado do neo-realismo». É, pelo menos, um filme que nunca deixou de ser aproximado desse movimento que, logo após a Segunda Guerra Mundial, se impôs no interior do cinema italiano através de nomes tão emblemáticos como Roberto Rossellini e Vittorio De Sica. Seja como for, mesmo que reconheçamos em Manoel de Oliveira um neo-realista "por antecipação» não se pode dizer que a sua obra se encaixe rigorosamente nos seus modelos e valores.
 

Durante a filmagem - Clicar para ampliar.

É que, na verdade, se há tendência que distingue o trabalho de Oliveira é o da experimentação. Podemos gostar mais de um ou outro dos seus filmes (e nunca ninguém foi tão discutido no cinema português como Oliveira), mas é forçoso reconhecer-lhe o gosto pela mudança e, mais do que isso, a capacidade de surpreender tudo e todos, resistindo quase sempre a reproduzir num filme as fórmulas aplicadas em qualquer dos filmes anteriores.

 

Sem filmar depois de Aniki-Bóbó, Oliveira só regressaria ao trabalho de realização em 1956 (portanto, catorze anos depois) para uma nova curta-metragem: O Pintor e a Cidade. O pretexto é constituído pelos quadros de António Cruz, sendo o tema, de novo, a cidade do Porto. De qualquer modo, o essencial do documentário que O Pintor e a Cidade também é joga-se numa dimensão interior, iniciática – entre o «real» e a sua «representação», entre a evidência das coisas pintadas (e filmagens) e os seus enigmas.

 

Pelo caminho, iam ficando diversos projectos (Desemprego, Gigantes do Douro, Angélica, Pedro e Inês, etc.). Oliveira dedica-se a outras actividades, nomeadamente a agricultura e, em 1955, desloca-se à Alemanha para estudar a cor no cinema (tal estudo seria, aliás, fundamental para os resultados (obtidos em O Pintor e / 12 / a Cidade). O Pão (1959) e A Caça (começado em 1959 e só terminado em 1963) são outras experiências «documentais» que confirmam a originalidade do universo de Oliveira. Pelo meio, em 1961-62, o cineasta realiza aquele que é, para muitos, o núcleo irradiante do seu cinema: Acto da Primavera, registo de um auto da Paixão, tradição da aldeia da Curalha, próximo de Chaves, que excede, em muito, a sua lógica aparentemente documental.

 

Em Acto da Primavera está bem patente o gosto de Oliveira pelo Teatro. E não apenas como «representação em palco», Aquilo que o fascina é a própria teatralidade, quer dizer, o sentimento de proximidade dos corpos que representam e, ao mesmo tempo, a ideia de que tudo o que eles representam é resultado de um artifício que não se esconde. Toda a sua obra mais conhecida – de O Passado e o Presente a O Sapato de Cetim (1985) – decorre dessa propensão teatral.

 

Os anos 60, em particular depois de Acto da Primavera, revelar-se-iam decisivos para a consagração internacional de Oliveira. O filme recebeu mesmo a medalha de ouro do Festival de Siena de 1964, em Itália. Um ano mais tarde, Oliveira era alvo de uma consagração de peso para qualquer autor cinematográfico: uma retrospectiva da sua obra na Cinemateca Francesa de Henri Langlois.

Durante a filmagem de Ani-Bóbó - Clicar para ampliar.

 

Apoiado pelos membros do Centro Português de Cinema para a realização de O Passado e o Presente, Oliveira tem, a partir de então, a possibilidade de trabalhar com regularidade. Basta dizer que, nos últimos vinte anos, a sua obra inclui muito mais títulos que nas anteriores quatro décadas da sua trajectória. Amor de Perdição (1978), produzido para televisão, ou Non ou a Vã Glória de Mandar (1990), produção já com significativos apoios internacionais, podem exemplificar alguns dos sinais, mais importantes daquela trajectória. Dois merecem ser sublinhados. Em primeiro lugar, a permanente relação de Oliveira com a literatura e/ou com a história de Portugal e os valores do ser português; depois, a sua inserção polémica no próprio espaço da cultura portuguesa contemporânea (raras vezes / 13 / filmes portugueses como os citados têm desencadeado paixões tão extremadas e opostas).
 

Imagem do filme Aniki-Bóbó - Clicar para ampliar.

Num célebre texto publicado no «Diário de Lisboa» (10/3/1972), a propósito de O Passado e o Presente, o cineasta João César Monteiro terá apontado com singular rigor algumas das raízes do universo de Oliveira e também dos seus efeitos contraditórios: «Manoel de Oliveira faz parte, no contexto português, da pequena minoria de cineastas católicos (os outros são o Paulo Rocha e, numa escala bem mais modesta, o autor destas linhas) para quem o acto de filmar implica a consciência de uma transgressão.

 

Filmar é uma violência do olhar, uma profanação do real que tem por objectivo a restituição de uma imagem do sagrado, no sentido que Roger Caillois dá à palavra. Ora, essa imagem só pode ser traduzida em termos de arte, no que isso pressupõe de criação profundamente lúdica e profundamente ligada a um carácter religioso e primitivo.»

 

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Filmografia

1941 – Douro, faina fluvial, Curta-metragem
1937 – Em Portugal já se fazem automóveis
1937 – Miramar, praia das rosas
1942 – Famalicão
1942 – Aniki-Bóbó

1956
– O pintor e a cidade
1959 – O pão, média-metragem

Douro, faina fluvial, Curta-metragem - Clicar para ampliar.

1962 – Acta da Primavera
1963 – A caça
1965 – As pinturas do meu Irmão Júlio
1971 – O passado e o presente
1974 – Benilde ou a virgem mãe
1978 – Amor de perdição
1980 – Francisca
1982 – Visita ou memórias e confissões
1983 – Lisboa cultural
1983 – Nice –  À propos de Jean Vigo / Nice – A Propósito de Jean Viga
1985 – Le soulier de Satin / O Sapato de Cetim
1985 – Simpósio Internacional de Escultura em Pedra –  Porto, co-real. Manuel Casimiro

1986 – Mon cas /O Meu Caso
1987 – A bandeira nacional
1988 – Os canibais
1990 – Non ou vã glória de mandar
1991 – A divina comédia                      Nota – Outros filmes foram posteriormente realizados por Manoel de Oliveira.

 

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Cena do filme Aniki Bóbó - Clicar para ampliar.

Sobre o filme

e sobre

Manuel de Oliveira


«Depois de tantos anos maus, o ano de 1941 é o ano bom. António Lopes Ribeiro tinha criado uma empresa produtora de filmes (o sonoro e a guerra pareceram-lhe propiciar um surto de filmes portugueses) e ofereceu a Manoel de Oliveira a oportunidade de realizar Aniki-Bóbó, uma história que no ano anterior tinha adaptado livremente de um conto de Rodrigues de Freitas (Meninos Milionários) publicado na revista "Presença". A planificação passou por três fases e foi mudando de título: primeiro, o filme chamar-se-ia Corações Pequeninos; na segunda fase trazia o título de Gente Miúda; finalmente passou a intitular -se Aniki-Bóbó.

 

«(...) Quando da estreia do filme, o seu realismo poético não seduziu tanto o público como seria de esperar. Uma certa dose de incompreensão marcou, também, algumas críticas da época. Mesmo os amigos mais chegados de Manoel de Oliveira (que foram sempre os seus críticos mais exigentes) puseram alguns reparos de pormenor. O valor e a importância de Aniki-Bóbó só iriam ser unanimemente reconhecidos muito mais tarde.»

Alves Costa
(in «Manoel de Oliveira«, Cinemateca Portuguesa, Lisboa, 1981)


«Eu suponho, e talvez erradamente, que procurava um certo realismo, procurava inserir (...) pequenos arranjos nos documentários como se fossem naturais, como se fossem casuais, como se os surpreendesse em realidade. Mais tarde, apercebi-me que não seria tanto assim! Talvez por isso o Aniki.Bóbó ainda tenha (porque é o salto que dei do documentário para a ficção) a aparência de um documentário. Muito recentemente compreendi que o filme que alterou o meu esquema foi o Acto da Primavera. Vi que estava dentro de um texto, dentro de uma representação, que vinha do século XVI, de um acontecimento de há cerca de dois mil anos e que era mostrado hoje. Isto dá bem a ideia de representar uma realidade, não simular, representá-la apenas.»

Manoel de Oliveira
(idem)

 

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«Nas muitas conversas que tive com ele, verifiquei que Manoel de Oliveira era um excelente técnico, conhecendo profundamente os diversos domínios respeitantes à feitura de um filme: a imagem, o som, o laboratório. Por detrás de uma personalidade de artista, que aparentemente dir-se-ia só se interessar pela parte humana e expressiva do cinema, está um dos maiores, se não o mais competente, profissional do cinema português.»

António da Cunha Telles
(in "Manoel de Oliveira",
Centro Português de Cinema, Lisboa, 1976

 

«Chamo teatro a tudo o que se põe diante da câmara. Não é propriamente o palco, o teatral. É claro que a técnica cinematográfica permite uma dispersão, outras facilidades que o palco não tem e que, influenciado pelo cinema, em certa medida, procurou. Vários tipos de teatro tentaram ultrapassar, aproximar-se ou igualar-se ao cinema, mas aí o cinema teve vantagem.»

Manoel de Oliveira

(in "Manoel de Oliveira".

Cinemateca Portuguesa, Lisboa, 1981)

 

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«Se me perguntarem porque faço cinema.

Logo penso: não perguntam antes se respiro?

Faço isto umas vinte e quatro vezes por minuto.

Em dois tempos perfeitamente coordenados:

Primeiro absorvo o oxigénio, segundo expulso

o anidrido carbónico.
Um, dois...
Um, dois...»

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Manoel de Oliveira
(In "Libération", número especial de Maio
1987 contendo as respostas de 400
cineastas à pergunta "Porque filma'")

 

Manuel de Oliveira Bibliografia

 

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É vastíssima a bibliografia dedicada a Manoel de Oliveira, à sua personalidade e à sua obra. Em especial depois da polémica que envolveu a passagem de Amor de Perdição na televisão, cada filme do cineasta é um acontecimento que invariavelmente mobiliza grande atenção e, nessa medida, muita produção escrita. Estamos mesmo perante um cineasta que tem sido tão comentado em livros ou catálogos como na imprensa nacional e estrangeira. Entre nós, o principal modo de acesso a tal bibliografia é o sector de documentação da Cinemateca Portuguesa (Rua Barata Salgueiro, 39 – Lisboa); para além da quantidade de livros e revistas arquivados, a cinemateca possui um sistema de indexação que permite uma pesquisa eficaz e uma consulta rápida.
 


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Aqui ficam algumas hipóteses, apenas entre livros e catálogos:
– "Aniki-BóBó" – Planificação Integral (Cineclube do Porto, 1963): pode ser um bom pretexto para um estudo comparado do filme e da sua planificação.

Manoel de Oliveira (Centro Português de Cinema, Lisboa, 1976): antologia de textos organizada por ocasião do lançamento de Benilde ou Virgem Mãe.
II Cinema di Manoel de Oliveira, organizado por Paola Pelanti (Grupo Toscano do Sindicato Nacional dos Críticos Cinematográficos de Itália, Florença, 1978): uma das muitas perspectivas estrangeiras sobre a obra do cineasta.
Introdução à Obra de Manoel de Oliveira, de José-Augusto França, Alves Costa e Luís de Pina (Instituto de Novas Profissões, Lisboa, 1981): antologia de textos biográficos e analíticos.
Manoel de Oliveira (Cinemateca Portuguesa, Lisboa, 1981): catálogo editado por ocasião da primeira retrospectiva integral de Oliveira, incluindo uma mesa redonda com o cineasta.
Alguns Projectos Não Realizados e Outros Textos, de Manoel de Oliveira (Cinemateca Portuguesa, Lisboa, 1988): textos de projectos que Oliveira nunca filmou (por vezes incluindo já pormenorizadas planificações com diálogos, tipo e duração de planos) e outros sobre várias questões da sua prática cinematográfica.

 

 

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Videografia


Além de Aniki-Bóbó, só existe mais um filme de Manoel de Oliveira editado em vídeo: Non, ou a vã glória de mandar (Atalanta Vídeo)

 

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Para possíveis paralelismos ou contrastes de leitura, poderão ter-se em conta títulos portugueses com os seguintes:
Ala-Arriba!, de Leitão de Barros (Videotrónica)
Amor de perdição, de António Lopes Ribeiro (Videotrónica)

João Ratão, de Jorge Brum do Canto (Lusomundo)
O pai tirano, de António Lopes Ribeiro (Lusomundo)
O pátio das cantigas, de Francisco Ribeiro (Lusomundo)

 

Ficha técnica

João Lopes

Colaborou na Cinemateca Portuguesa

e na RTP 2, como programador. Crítico do

Jornal "Expresso».
 

Paginação e Grafismo

Cândida Teresa

Gabinete de Meios Técnicos e Materiais

da Direcção Geral de Extensão Educativa
Dim. 21x14,5 cm


Edição

Secretaria de Estado da Reforma Educativa

 

Composto e impresso
 na Editorial do Ministério da Educação

Algueirão


Reconversão para HTML
Henrique J. C. de Oliveira
Espaço Aveiro e Cultura
Secundária J. Estêvão
Projecto Prof2000
Aveiro - 2012

 

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Filmes posteriores de 2012 a 1991: /////

2012 A Igreja do Diabo
2012
O Gebo e a Sombra
2010
O Estranho Caso de Angélica
2009
Singularidades de uma Rapariga Loura
2007
Cristóvão Colombo – O Enigma
2006
Belle Toujours
2005
Espelho Mágico
2004
O Quinto Império - Ontem Como Hoje
2003
Um Filme Falado
2002
O Princípio da Incerteza
2001
Porto da Minha Infância
2001
Vou para Casa
2000
Palavra e Utopia
1999
A Carta
1998
Inquietude
1997
Viagem ao Princípio do Mundo
1996
Party
1995
O Convento
1994
A Caixa
1993
Vale Abraão
1992
O Dia do Desespero
1991 – A divina comédia

 

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Actualizado em
20-04-2018