Dulce da Cruz Vieira, Estudo/aprendizagem do vocabulário nos estudos iniciais do Latim, In: separata das actas do «III Colóquio Clássico», Univ. Aveiro, 1999.

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Igualmente, a consideração do significado dos radicais de numen, inis (cf. nuo, is, ere), nutus, us etc.,) de fanum, i, de fatum, i (cf. fari, fanaticus, a, um, profanus, a, us); ainda de placare (cf. placere), placamen, inis, placamentum, i, supplex, cis, supplicium, i, supplicationes “as preces públicas” será contributo para uma mais profunda compreensão de aspectos fundamentais da religião, da postura dos romanos face à divindade, da própria concepção do divino e, consequentemente, da pronta memorização desses vocábulos.

Convenhamos, pois, que se torna premente repensar este assunto, bem como as metodologias dirigidas ao ensino/aprendizagem do vocabulário, que se requer sejam variadas, progressivas e adequadas à maturidade dos estudantes. Não é suposto alongar-me muito; porém, não deixarei de referir que o recurso à etimologia, apoiado no apelo aos mecanismos da formação de palavras por composição e derivação, se me figura “a galinha dos ovos de ouro”, tal a vastidão de exercícios e de aquisições que prodigaliza.

Contempla, entretanto, alguns pressupostos:

     1. Implica o conhecimento dos principais afixos; facilitada está, pelo estudo da sintaxe das preposições, a tarefa no que respeita aos prefixos; os sufixos requerem progressiva selecção com base, talvez, no critério da maior utilidade.

     2. Pressupõe a observação e compreensão de alguns processos da fonética no que toca à evolução de vogais, ditongos e consoantes, que, em todo o caso, constam dos programas do ensino secundário.

     3. Requer continuidade organizada, registos correctos e processados de jeito a facultar a consulta acessível, pois se impõe assídua e contínua actualização.

 

Considerando a impossibilidade de mais longa explanação, passarei a apresentar alguns exercícios passíveis de realização na aula de Latim do ensino secundário. São baseados num texto tomado de um manual conhecido, programado para o décimo ano. Salvaguardo o carácter apenas exemplificativo dos esquemas apresentados, bem como o reconhecimento da eficiência de diversos modos de operacionalização. Esclarecido fica também que não se concebe a execução seguida de todos eles.

Texto

In uilla

Mane uillicus asinum parat et in eius dorso sarcinas ponit, deinde ad urbem propinquam properat.

In urbe gallinas, cuniculos hortique poma et herbas nummis incolarum permutat.

Tum uestimenta et instrumenta emit, deinde ad uillam redit. Vespere in agris laborat, prata amnis aqua irrigat et seruos laudat aut uituperat.

Tandem ad mensam cum uillica et pueris adsidit et bonum uinum bibit.

Postremo lecto et sommo membra recreat.

Ita rusticis uita sana est.

 

1. Asinus, i poderia pretextuar a observação de fenómenos básicos da fonética e da formação de palavras em língua latina e em língua materna: cf. asno e os derivados de carácter erudito: asinário, asinino, etc.; a conotação depreciativa assumida pelo vocábulo é comum às duas línguas (asinus/asno - homem estúpido; asina/asna — mulher estúpida e intrometida); prestar-se-ia também para informar como os Romanos brindavam aqueles que reciprocamente se bajulavam: ASINVS ASINVM FRICAT: “um burro coça o outro burro”.

2. Os diminutivos asellus, i, asella, ae e os nomes próprios Asinius, i, Asellus, i, Asellius, i, Asellia, ae, Asellio, onis, Asina, ae (cognomen da gens Cornelia) levariam a outro tipo de referências, nomeadamente à observação da permanência na Língua de marcas das mais remotas origens do povo e suas ocupações - caso para repetir com o poeta

      “... E mesmo pálidas / verdes paraísos lembram ainda

3. Amnis, is daria azo à exploração da sinonímia, com necessária precisão dos matizes dos chamados sinónimos; o recurso à etimologia facilita:

amnis, is -“o rio”, “rio rápido de forte corrente ( cf. amnicola, ae “que habita junto de um rio”; amniculus, i - “uma corrente de água de menor caudal;” amnigena, ae - “nascido do rio”;

flumen, inis (<*fluo is, ere “correr ininterruptamente, manar”) designava “a água corrente”, “o curso do tempo”, “a fluidez das palavras no discurso”;

riuus, i e riuulus, i “canal de irrigação”, “levada”, “ribeiro”, “pequeno curso de água” (cf. nuales, ium - termo que designava as questões e disputas frequentes entre as pessoas que, no meio rural, usam o mesmo curso de água, sobretudo para regar os campos. De onde a designação genérica de “contendores”, “pessoas de interesses opostos”;

torrens, entis — particípio de torreo, es, ere, torrui - “queimar”, “abrasar”; logo “que queima” “que abrasa “—> impetuoso —> (substantivado) —> torrente, rio caudaloso (também multidão).

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