Vilar, Doce e Poético Cantinho

OS MOINHOS MOVIDOS A ÁGUA - EÓLICOS - DE TRACÇÃO ANIMAL

 

As Azenhas

 

Pelo vale fora que sulca as terras de Vilar e por entre uma vegetação verdejante espalhavam-se as azenhas que aproveitavam do declive e das águas transportadas.

Sabe-se que os moinhos já existiam nos primeiros séculos da nossa era, durante a civilização romana e castreja.

1 - Represa; 2 - Pejadouro ou comporta; 3 - Tubo; 4 - Guilho e Rela; 5 - Rodízio; 6- Pela ou eixo; 7 - Lobeto; 8 - Mó fixa ou pouso; 9 - Mó de cima ou andadeira; 10 - Tremoia ou tremonha; 11 - Taramela ou chamadouro; 12 - Regulador; 13 - Terminado; 14 - Aliviadoiro; 15 - Cambas; 16 - Bucha; 17 - Segurelha.

Cá os nossos devem ter aparecido quando a aldeia começou a crescer e os seus eidos começaram a ser cultivados. Arriscaríamos o século XVI.

Já em 1883 o António Gamelas possuía a azenha que, embora não fosse em Vilar, dava uma ideia da sua exploração na época, assim, “Recebi do Sr. Domingos Coelho do lugar do Bonçuçesso o foro da sua azenha çita no Caniço do mesmo lugar vendido no anno de 1883 e três e recebi também o foro do anno de 1884 e por ter pago estes dois annos lhe paço este para sua defeza.

Villar 11 de Fevereiro de 1885 e sinco António Duarte por si e seu irmffo, o foro é de 28 alqu.es de trigo gallego cada anno”.

Pelo vale fora emergiam as azenhas branquinhas do António Rei — na parede tinha escrito “Burro 1904” — do João Vieira e a do Manuel Silva, estas de roda horizontal. Mais abaixo a dos Maias de roda grande e lateral, com aquelas “heras” cobrindo parcialmente o telhado, dando-lhe um aspecto romântico de sons cristalinos no espargir da água caída em catadupas.

Depois e por último, a de duas mós, a da Ti Cândida que era do Carlos Couceiro que comercializava a moagem, e que servia de habitação aos moleiros.

As azenhas eram constituídas por uma represa que armazenava as águas, um tubo em madeira com comporta que fazia incidir a água numa roda horizontal de palhetas que através dum veio vertical fazia girar uma mó que esmagava o grão contra outra fixa, grão que caía um a um da tremonha, no tremelicar duma taramela bem regulada por mão sábia. O som do espilrar da água e do trrr da taramela enchiam os ouvidos.

Tudo isto dentro duma casinha aí com 3x2,5 metros com uma porta e um pequeno postigo.

A azenha próximo da Fonte do Gordo foi desactivada em 1950. Foi do João Vieira dos Santos de parceria com Manuel Vieira “Machuco”, mas já tinha sido duns avós oriundos da Oliveirinha.

Um homem simulou ter levado várias facadas dadas pelo avô Vieira para através desse estratagema ter direito à utilização das águas que abasteciam a azenha. O processo arrastou-se pelos tribunais do Porto e Coimbra e o citado homem conseguiu o direito a parte da água.

A dos Silva, que fica na servidão em frente à escola, ainda tem as paredes no alto e podia ser recuperada.

A dos Maias, que tinha servidão próximo da Fonte de S. Rita, era conhecida pela azenha do Cavaco ou Cabouco, que Manuel Gonçalves Bastos comprou em 1871 a um doutor.

Foi habitada por Augusto Gomes de Bastos de Paramos, e sua esposa Rosa Marques da Silva de Esmoriz. Antes, dedicavam-se à candonga, e quando da Traulitada de Janeiro a Fevereiro de 1919 acabaram por ficar a viver na azenha, nascendo ali a sua filha Alda e tendo morrido a filha Laura, de poucos meses, mordida por uma rela. Passados quatro anos mudaram-se para as Pereiras, montando aí um moinho de vento de dois pares de mós, com estrutura em madeira construída por José Bolais Mónica.

Ali morreu o seu filho Arnaldo com quatro anos, trucidado pela engrenagem do moinho onde meteu as mãos.

Mais tarde o Augusto montou no terreno do Melura um novo moinho com três pares de mós, mas já com estrutura de ferro construído por António Bolais Mónica.

Foram desmontados em 1945 e vendidos para a Bairrada, começando desde aí as mós a ser accionadas por motor mas em sociedade com o seu cunhado Lino.

Entretanto, os pais de Maria Rosa, António Joaquim Pereira de Oliveira, cordoeiro e Cândida Marques de Oliveira de Esmoriz, vieram para a azenha dos Belas ou Ana Couceira, que ficava na encosta do Pinhal dos frades, por volta de 1920, até que o António Joaquim partiu a coluna na Fábrica Campos, vindo a morrer em 1935 e com ele o fim da azenha.

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Também os vários moinhos a vento a que os seus construtores chamavam “motor aéreo”, tiveram a sua época, sendo de grande rendimento, e impressionaram pela sua grande envergadura atingindo aproximadamente 18 metros de altura e as suas “velas”, 7 metros de diâmetro!  

António Bolais Mónica, construtor de moinhos com oficina na sua casa, ali onde hoje é uma oficina de automóveis e em frente à casa dos Escuteiros, era primo do célebre construtor da caravela para a Exposição do Mundo Português, e de muitos lugres, Manuel Maria Bolais Mónica, e era filho de José Bolais Mónica, falecido em 1926 e também construtor de moinhos.

A fama do António Mónica estendia-se a vários pontos do país, havendo registos de moinhos por si construídos em Pardilhó — 1922 — Espinho, Leiria e Algarve.

A primeira anotação da feitura dum moinho que se conhece foi para o Sr. Vitorino Tavares do Bunheiro no valor de 7.131$00 no dia 12 de Setembro de 1929.  

Moinho a vento

As rodas e carretos vinham da Fundição das Devezas em Vila Nova de Gaia.

Curiosas são as suas facturas que tinham a foto de um moinho implantado em cima de quatro pilares que limitavam a casa das mós, e os seguintes dizeres:

 

“ANTÓNIO BOLAES MONICA
CONSTRUTOR

AVEIRO — VILAR

oficina de motores a vento, para moer de 1 a 6 casais de mós e tirar água de grandes profundidades. Também constroi nóras de tirar água, lagares de azeite, engenhos puxados a gado para moer, carros e bombas de madeira.

Todos os trabalhos saídos desta oficina são aperfeiçoados como se vê da gravura acima”...

Ele próprio, assim como seu pai e o irmão Manuel Maria possuíam os seus moinhos a vento que desapareceram à volta de 1946. No temporal de 15 de Fevereiro de 1941, um dos moinhos abria e fechava como um guarda-chuva, foi pelos ares, indo parar parte dele à Agrinha.

Reparados, mantiveram-se pouco tempo, pois um foi montado no aido do Joaquim Galego, junto ao Albergue, e pouco tempo depois foi vendido para Setúbal.

Outro parece que foi vendido ao Ti Augusto das Pereiras. Na frontaria da casa dos Mónicas, havia um painel de azulejo mostrando um moinho, que mãos criminosas arrancaram!...

 

São referenciados moinhos de vento dos Moreiras, e outros mais antigos no Chão da Eira, dos quais ainda havia vestígios da casa redonda em 1920.

No entanto os moinhos mais presentes na memória de todos eram os dois moinhos do caminho das Pereiras, mais propriamente implantados em Chão d’El Rei (referência curiosa) que eram como já se disse de Augusto Bastos e Maria Rosa. Um tinha dois casais de mós e outro três. Devem ter sido instalados em 1923. Mais tarde o Augusto fez sociedade com o cunhado Lino Pereira de Oliveira nascido em 1911 em Ovar, tocador de banjo, bandolim e violino em várias tunas, colaborando nos teatros e pastoras em Vilar. Emigrou para África e hoje vive próximo da casa do João Maria Pereira dos Santos.

Houve também um “motor a vento” no quintal do Alexandre da Mamarosa, ferroviário, ali em frente à Elisa Maia, mas que só servia para tirar água para um tanque grande onde a miudagem aprendia a nadar, isto até 1950.

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Contavam os mais antigos que um grupo de amigos se juntava no Largo que hoje tem o nome de S. Eufêmea para pregar uma partida ao avô do Manuel Dias que morava onde hoje é a loja do Zé Caçola. O Dias ia carregado com um saco de milho para levar a moer num moinho volante num terreno que possuía na Agrinha, utilizando o carreiro que fica entre a casa do Manuel Sarrador e a dos Carranchos. Como o Dias precisava de casar e não arranjava namorada, os marotos entretinham-se dizendo que fulana e fulana estavam interessadas nele, de forma a ficar longos tempos carregado com o milho!...

Esta história vem a propósito para referir a existência do citado moinho que seria em madeira e assente em rodas que rodavam numa eira orientando as velas de pano em função do vento.

Prova-se assim a existência dum moinho muito antigo (1850?) e da servidão que lhe dava acesso.

Os moinhos de tracção animal “atafonas” deviam ser um engenho caro, e a prova disso é que só se conhece a existência de uns sete ou oito em Vilar, a saber “Chicharro”, “Trangolho”, Gamelas, Neto, M. Dias, “Estudante”, M. Silva e Borralho. A do “Estudante” tinha uma roda de 100 dentes e outra com 70 dentes e eram junto ao teto para o animal poder rodar num espaço exíguo.

Compunha-se duma roda grande com cerca de três metros e 136 dentes em madeira centrada num eixo de grossa madeira que girava em moentes no chão e no tecto, e que tinha um varal onde se atrelava o animal que a fazia rodar.

Accionava uma roda com 11 dentes em ferro implantados num “pinhão” com um veio que perfurando o tecto fazia girar a mó.

Ainda há poucas dezenas de anos a do João Borralho funcionava.

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Poderemos considerar um negócio vender carneiros em dia de festa, e era ver os enormes rebanhos atravessarem a aldeia à espera de serem escolhidos e marcados pelo Ti Pessegueiro e pelo António Tourega que os matavam e esfolavam sem dó nem piedade.

Também o porco “carteiro” como lhe chamavam a propósito, pois andava de porta em porta a levar a “encomenda” a alguma porca saída.

Esta “romaria” obrigatória chocava as pessoas mais puritanas, e contava-se um episódio passado com o João Gamelas que, como se sabe, era um homem íntegro e nada dado a pecaminações.

Um dia estava a rezar o terço quando chegou a Ana Rosa com o porco que encaminhou para a pocilga. Passados uns tempos o João perguntou se “o porco já tinha feito as suas “exequias”, ao que a mulher respondeu sem papas na língua que “o porco já deu duas...” o que levou o escandalizado João Gamelas a pô-la na rua!... Isto foi nos anos cinquenta!...

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“Boer” (camponês branco na África do Sul) é o nome que por aqui é designado o homem que tem bois cobridores.

O primeiro terá sido o Manuel Sarrico na casa dos “Chochas”, o segundo foi o João Cabreiro no Caseiro até ser amanhado por um dos seus bois, e o terceiro o António Ferrão (em frente ao João Vieira Maio) a partir de 1932 até 1952. Seu filho António manteve o posto até 1980 passando depois para inseminação artificial na casa do Manuel Rei.

 

Por último a realidade contestável da existência da “Boîte” “Bataclan” fechada e reaberta a 3 de Setembro de 1982, porque os moradores de Vilar “contestaram mas não com a firmeza bastante que impedisse a sua instalação” — palavras do Governador Civil!...


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