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A caminho das
Pirâmides, pelo Canal de Aveiro, deparámos com um
espectáculo insólito. Os marnotos, que também são
pescadores por arte e ofício, tinham aberto as
“bombas” do viveiro para apanharem o peixe, montando
uma rede. Robalos, tainhas e solhas, ao serem arrastados
pela força da água, ficaram no saco do botirão ou
caixilho, mas as enguias foram ficando no fundo até ao
último fio de água, enfiando-se na lama. |
Então um homem,
munido de uma foice com o gume cegado, e como quem corta a
lama em fatias, com golpes certeiros e violentos, arrancava as
enguias da lama, projectando-as pelo ar a longa distância,
parecendo gravetos contorcendo-se no ar. Aí a uns quinze
metros, dois homens segurando cestos de duas asas, redondos
como os de ir a erva, esperavam as enguias vindas pelo ar como
quem espera uma dádiva do céu, sem contudo deixarem de andar
às correrias de um lado para o outro para as apanharem sem
tocarem de novo a lama e limos. Junto com as enguias vinham
pedaços de lama negra, que se colava ao corpo, deixando-os
pintalgados e caricatos!
É um espectáculo
que proporciona gargalhadas a todos os presentes. servindo de
gáudio e proveito.
Há outras formas de
apanhar enguias como “à sertela”, que consiste em fazer
uma enfiada de minhocas fazendo uma meada que se amarra na
ponta dum vime ou salgueiro fino, aí com metro e meio. Após
mergulhar as minhocas de forma a não tocar o fundo, é só
sentir as sacudidelas da enguia e puxar lentamente a favor da
corrente. E sacudir para dentro da embarcação, mas há quem
utilize um guarda-chuva preto aberto, com a copa pousada na água!
Ainda me lembro, três
dezenas de anos atrás, de ir com um meu amigo da Gafanha,
numa noite escura e de águas barrentas como convém, para
debaixo da ponte entre a Gafanha e Ílhavo e encher de enguias
as cavernas da bateira! Essa ponte foi construída em pedra
com três arcos, em Novembro de 1862, para substituir uma
antiga ponte de madeira; e por essa construção se interessou
junto do Governo o tribuno José Estêvão.
Mas na Ria há várias
formas de pescar, para além das já mencionadas, - “àunha”,
ao anzol, com serradela, casulo, cabra, caranguejo, ou outras
iscas, porque, como já disse, à fisga é proibido.
Pesca-se com rede,
com a nassa, com o botirão, ao candeio e ao arrasto.
Há vários métodos,
como o “escoar”, que se processa em valas de água parada,
tapando os topos e escoando até o peixe ficar em seco; ao
“toldo”, que consiste num rolo da largura da cova, feito
de ramos de árvores, misturadas com ervas aquáticas,
fazendo-o rolar em águas pouco profundas empurrando o peixe
para zonas secas, isto especialmente no rio, onde proliferam
os pimpões, ruivacos, carpas, barbos, etc. Também se usam as
“vides” para apanhar enguias no Verão, deixando um feixe
de vides com isca de um dia para o outro, içando-o ao outro
dia e sacudindo-o para dentro da embarcação; ao
“candeio”, em noite escura de águas luzas, sem vento,
prendendo à proa da embarcação um candeeiro ou um
“petromax” que permite ver o peixe e fisgá-lo. Há a
“palma”, que é uma rede de malha estreita com 3 a 4
metros de comprimento e 1,5 de altura, com chumbeiras no lado
de baixo, e bóias no outro lado. Nos topos tem duas estacas
afiadas para espetar no fundo e fixar a rede. A rede deve
ficar um pouco bamba, circundando uma zona escolhida. Os
homens calcam os fundos no sentido da rede, enxotando os
peixes. Outros homens levantam rapidamente a rede como se
fosse um coador, apanhando assim o peixe encurralado. Há o
“enxoto” que é o método de vedar uma zona com redes de
emalhar, formando uma meia-lua com as pontas a tocar as
margens. Com varas enxota-se o peixe que está entocado,
obrigando-o a emalhar. Também se pode mergulhar, enxutando-os.
Há o “nasso”,
que é uma armadilha com 0,75x0,25x0,60 metros feita de vime
em forma de cesto sem fundo, que é posto em águas paradas
pouco profundas e onde haja nenúfares, em tempo de sol
quente, pelo estio; quando o pescador pressente peixe,
mergulha o nasso com a boca mais larga para baixo, apanhando
com as mãos o peixe pela parte mais estreita.
Há o “nasso” e a
“nassa”. Esta é usada na pesca das enguias, pimpões e
barbos. Pousa-se no fundo, junto às margens onde haja vegetação
aquática, calcando com os pés o fundo e encaminhando o
peixe, levantando depois a nassa com a boca para cima.
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Há também o
“Côvo” que é uma armadilha em vime e de salgueiro;
o vime, para a construção da bolsa interior e das tranças
e o salgueiro é aplicado no corpo e arco da boca. No
extremo do cone tem uma porta em madeira para retirar o
peixe. Coloca-se com a boca virada para a foz, nos
fundos do rio, pondo pesos dentro para o manter no fundo
e de forma a manter-se horizontal. A isca pode ser
batata cozida, broa, ou espigas de milho, sendo a melhor
época em Março. |
Há ainda o “botirão”
e o “galricho”, este mais pequeno do que aquele, tendo a
forma de uma bolsa de rede em forma de funil, com armadura em
arco. Dentro, há outro funil que evita que o peixe que entrou
volte a sair, ficando prisioneiro. Antigamente era em algodão
branco de tecedeira ou linha branca n.º 14. Agora
usa-se “nylon” e o arco é feito de salgueiro, vime ou
mesmo ferro. O botirão é fixado ao fundo por duas estacas,
uma em cada extremo, esticando bem a rede.
É colocado à noite
e levantado pela manhã, com a boca virada para jusante ou
contrária à corrente. Como isco, usam-se minhocas e caracóis
brancos enfiados em argola de junco, ou dentro duma meia de
mulher para a enguia não destruir o isco, ou àvolta duma
espiga de milho ou uma cortiça para que, quando o peixe lhe
tocar, o isco se afaste e não seja comido de imediato.
A “branqueira” é
um tresmalho com cinco panos de forma rectangular, com 18,5
metros de comprimento e 1,5 metros de altura, tendo dum lado
chumbeiras e do outro bóias de cortiça. É disposto em linha
recta ou em curva; especialmente de noite, com os pescadores a
baterem com paus na borda da “labrega” fazendo barulho
para assustar as tainhas e os robalos na direcção da rede.
Depois há também o
“salto”, que é um tresmalho a que chamam também
“parreira” e “peixeira”, composto de uma rede que se
coloca em espiral, guarnecido por chumbeiras e bóias. O
“salto” só se usa na apanha da tainha, sendo necessário
dois homens. A rede está fora de água. Tal como na “branqueira”,
os pescadores batem na borda da bateira fazendo barulho e
orientando as tainhas na direcção do “curral”, as quais,
ao sentirem-se encurraladas, saltam para a “manta” ficando
presas.
Há a “solheira”
para apanhar solhas, linguados e rodovalhos.
A “camaroeira”
para apanhar camarão, e a “berbigoeira”. O “espinhel”,
que é uma linha comprida que tem na extremidade uma argola à
qual estão ligados dois estropos de arame aí com 0,50 metros
e um anzol cada. Ao largar, se não houver cuidado, produz
feridas profundas nas mãos.
Há o “aparelho”,
que é uma linha comprida com muitos estropos sustentando anzóis,
colocado normalmente junto ao fundo para a pesca do robalo ou
da enguia.
Depois, há os
“arrastos”, que são redes em forma de saco com boca ou
“bocada”, sendo as “mangas” ligadas aos “calões”
e lastradas com pesos de barro cosido e sustentadas com
pequenas bóias de cortiça, que são arrastadas pelo leito da
Ria.
A “mugeira” de
arrasto tem uma manga de 35 metros de comprimento e um saco de
6 metros. São precisos seis homens para a puxarem na direcção
da margem, apanhando toda a espécie de peixe; também a
“tarrafa” é semelhante à “mugeira”, mas mais
pequena.
Há ainda o
“chinchorro” de arrasto, com 30 metros de comprimento e um
saco com 4 metros de malha estreita, sendo necessários 5
homens na sua’ manobra; para além do peixe também
serve para apanhar caranguejo.
Há também a
“chincha”, com uma manga de 15 metros de comprimento e um
saco com 2 metros,
sendo necessário quatro homens na sua manobra; pode ser feita
dentro da própria bateira, destinando-se à pesca da solha,
do linguado e da enguia.
E ainda aquela rede
de malha fininha de um centímetro e com um saco de pano às
vezes feito dum lençol velho, para apanhar “galiota”, que
é um peixe aí com seis centímetros e que parece
transparente e de vidro, pescado aos milhares normalmente por
três homens. Um segura uma ponta da rede em terra, outro rema
afastando-se aí uns trinta metros, remando de forma a fazer
um cerco a favor da corrente e voltando a terra. O outro que o
acompanha na embarcação, vai largando a rede, saltando para
terra, depois de completado o cerco e começa a puxar a rede
conjuntamente com o primeiro homem, aproximando-se lentamente
um do outro, de forma a encaminhar a “galiota” para o saco
de pano, que é puxado para terra lentamente, de forma a não
deixar fugir a pescaria que, acto contínuo, é lançada para
dentro dum balde ou alguidar.
Vai-se fazendo lanços
até haver quantidade para vender a bom preço ou fazer uma
caldeirada entre amigos.
O Zézé, que é um
restaurante que há na Gafanha da Cambeia desde os anos
cinquenta, faz uma rica caldeirada de “galiota”, muito
embora se entenda por caldeirada o cozinhar uma mistura de vários
peixes.
Mas há caldeirada só
com enguias e até só de boas e gordas sardinhas.
Eu já comi boas
caldeiradas na Torreira, junto ao mar e na Epifânia, mulher
de falas e palavrões cantantes, com aquela pronúncia inalterável
pelos séculos, dali da Beira-Mar, mesmo junto ao Canal de S.
Roque. Epifânia, empregada no Jordão, na Costa Nova do
Prado, conheceu gerações e legiões de comedores de peixe.
Ou caldeiradas no Zé Biça, e no Palhuça, ali próximo da
Praça do Peixe, conhecido em todo o País pelas suas afamadas
caldeiradas de enguias com ou sem ‘‘poses” amarelos,...
que é o açafrão.
Mas dizem os
entendidos que caldeirada mesmo, é a caldeirada à
fragateiro; e se for feita à proa dum moliceiro ou mercantel
tanto melhor, só que aqui não devia ter aquele nome, pois a
fragata é uma barcaça usada no rio Tejo.
Por fim há a “garateia”,
com 80 metros de comprimento, que se coloca em cerco, lastrada
com chumbeiras e mantida à superfície com bóias de cortiça,
sendo precisos seis homens para a manejar.
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