João Pereira de Lemos

FERNANDO DE OLIVEIRA

(1507-1585)

2º Excerto − Tempos depois

A inconstante vida de Fernando de Oliveira levou-o a passar muitas dificuldades, chegando a passar fome. Pois, além do pouco rendimento e despesas com pesquisas, viagens etc., os víveres, como o pão que não aparece no mercado, quando aparece custa 40 reis o alqueire e um almude de vinho 60 reis. Para além disso, a roupa está muito cara. Um gabão com um debrum custa 55 reis e um capuz de frade 12 reis.

Oliveira, ao comentar com os amigos sobre a fome que grassava no reino, começava por dizer que não sabia se o que se passava era por culpa do rei que, apesar de tudo, tomava grandes medidas para proteger as artes e as letras, fundando, entre outros, o Colégio das Artes. Talvez os ataques aos nossos domínios não permitissem que as riquezas da Índia e outros lugares chegassem até cá e, ainda, os maus anos agrícolas condicionassem a nossa vida colectiva.

Mas como é possível que, há 20 anos atrás, Damião de Góis, ao escrever sobre Lisboa, dissesse: "Passando ao longo da Rua Nova, onde abundam os gravadores, joalheiras, ourives, douradores e casas de escambo, voltando sempre à esquerda, chega-se a outra rua, chamada também Rua Nova dos Mercadores, muito mais vasta que outras ruas da cidade, adornada, dum lado e doutro, com belos edifícios. Aqui se juntam todos os povos e partes do Mundo, com extraordinário concurso de gente, por causa das facilidades que o comércio e o porto oferecem.

Deixando a praça do peixe e passando o mercado dos padeiros, dos vendedores de hortaliça e de fruta, dos passarinheiros e a praça dos comestíveis, fica situado um edifício que chamamos a "Casa de Ceuta", onde os comissários régios tratam das questões relativas à guerra de África. Não longe desta casa, num lanço pegado de edifícios, levanta-se um monumento, de obra e feição maravilhosas. Ali se tratam os negócios da Índia e, por isso, lhe dão o nome de "Casa da Índia". Contudo, a mim me parece que se deve chamar o empório dos aromas, Pérolas, rubis, esmeraldas e outras pedras preciosas que, de ano em ano, nos são trazidas da Índia; talvez, com maior verdade, se lhe pudesse chamar o armazém da prata e do ouro, quer em barra quer trabalho. Ali estão patentes, para quem os quiser admirar, inúmeros compartimentos, distribuídos com arte, tão recheados com aquelas preciosidades todas que − palavra − mal se poderia acreditar, se os olhos não vissem tais maravilhas e as mãos não lhes tocassem."

Na sua pátria, ninguém o reconhecia, a não ser um reduzido número de mestres intelectuais e alguns estrangeiros. O embaixador de Espanha, em Lisboa, disse que Fernando de Oliveira, como piloto e pessoa experiente em assuntos marítimos, era disputado por franceses e espanhóis com alguma intriga na corte de Lisboa. O embaixador D. Hernando Carrilo de Mendonza, numa nota, escreveu: O Doutor Oliveira, clérigo de missa e homem de mais de cinquenta e cinco anos, está descontente, neste reino, pela pouca mercê que diz que lhe fazem e a estreiteza que lhe parece que há.


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