A inconstante vida de Fernando de Oliveira
levou-o a passar muitas dificuldades, chegando a passar fome. Pois, além
do pouco rendimento e despesas com pesquisas, viagens etc., os víveres,
como o pão que não aparece no mercado, quando aparece custa 40 reis o
alqueire e um almude de vinho 60 reis. Para além disso, a roupa está
muito cara. Um gabão com um debrum custa 55 reis e um capuz de frade 12
reis.
Oliveira, ao comentar com os amigos sobre a
fome que grassava no reino, começava por dizer que não sabia se o que se
passava era por culpa do rei que, apesar de tudo, tomava grandes medidas
para proteger as artes e as letras, fundando, entre outros, o Colégio
das Artes. Talvez os ataques aos nossos domínios não permitissem que as
riquezas da Índia e outros lugares chegassem até cá e, ainda, os maus
anos agrícolas condicionassem a nossa vida colectiva.
Mas como é possível que, há 20 anos atrás,
Damião de Góis, ao escrever sobre Lisboa, dissesse: "Passando ao
longo da Rua Nova, onde abundam os gravadores, joalheiras, ourives,
douradores e casas de escambo, voltando sempre à esquerda, chega-se a
outra rua, chamada também Rua Nova dos Mercadores, muito mais vasta que
outras ruas da cidade, adornada, dum lado e doutro, com belos edifícios.
Aqui se juntam todos os povos e partes do Mundo, com extraordinário
concurso de gente, por causa das facilidades que o comércio e o porto
oferecem.
Deixando a praça do peixe e passando o
mercado dos padeiros, dos vendedores de hortaliça e de fruta, dos
passarinheiros e a praça dos comestíveis, fica situado um edifício que
chamamos a "Casa de Ceuta", onde os comissários régios tratam das
questões relativas à guerra de África. Não longe desta casa, num lanço
pegado de edifícios, levanta-se um monumento, de obra e feição
maravilhosas. Ali se tratam os negócios da Índia e, por isso, lhe dão o
nome de "Casa da Índia". Contudo, a mim me parece que se deve chamar o
empório dos aromas, Pérolas, rubis, esmeraldas e outras pedras preciosas
que, de ano em ano, nos são trazidas da Índia; talvez, com maior
verdade, se lhe pudesse chamar o armazém da prata e do ouro, quer em
barra quer trabalho. Ali estão patentes, para quem os quiser admirar,
inúmeros compartimentos, distribuídos com arte, tão recheados com
aquelas preciosidades todas que − palavra − mal se poderia acreditar, se
os olhos não vissem tais maravilhas e as mãos não lhes tocassem."
Na sua pátria, ninguém o reconhecia, a não
ser um reduzido número de mestres intelectuais e alguns estrangeiros. O
embaixador de Espanha, em Lisboa, disse que Fernando de Oliveira, como
piloto e pessoa experiente em assuntos marítimos, era disputado por
franceses e espanhóis com alguma intriga na corte de Lisboa. O
embaixador D. Hernando Carrilo de Mendonza, numa nota, escreveu: −
O Doutor Oliveira, clérigo de missa e homem de mais de cinquenta e cinco
anos, está descontente, neste reino, pela pouca mercê que diz que lhe
fazem e a estreiteza que lhe parece que há.
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