Helena Silva, Queimadas e incêndios - A natureza em perigo. Março de 2005


<<<

Queimadas e incêndios - A Natureza em Perigo

 

Capítulo 1 – O caos ambiental provocado pelo Homem

 

           

Afirmam os cientistas da Liga para a Protecção da Natureza (LPN) que, uma época muito longínqua, a paisagem na Terra era preenchida por imensas manadas de auroques, os ancestrais dos nossos actuais bovinos. (Mendes. 1995). Frequentavam locais próximos de clareiras de bosques densos. E se, causada por uma tempestade, uma queimada ou um incêndio acontecessem, atingindo o bosque, o facto não apresentava o perigo ecológico de hoje, realidade do século XXI, porque logo sementes sobreviventes voavam, levadas pelo vento, na direcção da nova clareira formada após o incêndio. Chegada a Primavera, sob a energia dum sol resplandecente, essas sementes germinavam. Quando as manadas de auroques, afugentadas pelo incêndio para outras paragens, regressavam, alimentavam-se dos tenros rebentos e rapavam a clareira. Depois a manada seguia o seu destino em procura de outros locais de vegetação abundante.

 

E o ciclo da natureza não parava: o vento espalhava as sementes caídas das árvores pelos campos e, na Primavera seguinte, quando as manadas de auroques voltavam por ali no seu nomadismo incessante pastavam de novo as plantas tenras e o solo ficava nu até que um ano passasse para brotarem novas plantinhas que alimentavam os auroques…e assim sucessivamente.

 

Qual o papel desempenhado pelos auroques neste ecossistema de que faziam parte integrante, juntamente com o solo, o sol e, naturalmente, a água sem a qual a flora não nascia e se desenvolvia? Eram consumidores, utilizadores que contribuíam para a renovação de uma área geográfica a que correspondia um conjunto homogéneo de factores físicos ambientais, ou seja, um novo biótopo.

 

Se nos umbrosos bosques a luz do sol não penetrasse nas clareiras que o fogo produzira, e que tinham sido mantidas pela cíclica visita primaveril dos auroques, as plantas silvestres não teriam feito a fotossíntese, ou não a teriam efectuado em pleno e agora encontrar-se-iam perante o desafio de se adaptarem às novas condições surgidas ou perecerem. Paulatinamente a clareira tinha evoluído – haviam brotado novos tipos de vegetação capazes de resistir à luz forte do sol, por vezes em situação de sequeiro, e o novo biótopo surgira e mantinha-se.

 

Mas os auroques não eram a única diversidade genética sobre a fina crosta terráquea pois havia outras espécies que dela, e nela, viviam e, entre elas, o Homem. Apareceram, dizimaram os auroques e deles aproveitaram carne, pele, ossos e chifres.

 

Agora, sem auroques, a clareira que fora o seu alimento em cada Primavera apresentava, a crescerem, as plantinhas que o vento de novo dispersara após o incêndio, semeando-as, algumas delas desenvolvendo-se desmesuradamente de acordo com a sua predisposição genética. Doravante não se falará mais da clareira onde os auroques pastaram porque um imenso bosque lhe está, ano após ano, a dar lugar e, tão denso, que a luz custa a penetrar. E em consequência desse pormenor os arbustos e a tenra vegetação rasteira conseguem germinar pela última vez, florescendo e produzindo fruto. Quando as sementes tombam no solo este guarda-as sob si, no húmus que resultou da decomposição das folhas mortas do Outono e da humidade, ajudadas pelos decompositores, organismos que fragmentam a matéria orgânica morta para dela se alimentarem.

 

Um dia, o Homem voltou a aparecer por aquela zona e já não é nómada, mas sedentário. Vai precisar da sombra acolhedora do bosque e, com o fim de se resguardar das intempéries, aquecer-se e cozinhar, pôr-se-á a abater árvores e pisará e desbastará o mato rasteiro e surgirá uma nova clareira à luz do sol. Esta fará com que brotem de novo do subsolo algumas sementinhas entretanto aí adormecidas que germinarão se o grande predador deixar que tal aconteça.

 

 

   
 

Fotografia 1 – O velho carro de bois ligeiramente alterado pelo progresso, sem as tradicionais rodas de madeira, agora substituídas por outras de ferro. Freg. de Ribafeita, Março de 2005.

 

 

O Homem domesticará alguns animais e dedicar-se-á a agricultar a terra, modelando-a de acordo com as suas necessidades. Os seus descendentes irão repetir incansavelmente essas tarefas e farão com que as sementes das árvores de grande porte fiquem de novo escondidas até que, por milagre, um novo ciclo de vida as possa fazer renascer se o factor de “stress” não se mantiver. (“Portugal Natural”, L.C.N., 1995,p.17).

Parece, mas não é, um conto para explicar às crianças como se processava a vida na Terra quando os auroques foram os seus senhores e do que aconteceu quando surgiu o mais perigoso dos predadores – o Homem.

 

   
  Fotografia 2 – Casas de granito. Freg. de Ribafeita, Março de 2005.  

 

 

   
  Fotografia 3 – Traseiras da igreja de Ribafeita, Março de 2005.  

>>>
 

 

Página anteriorÍndicePágina seguinte