Ciganos no Alentejo

Tostados pelo sol,
queimados pela geada
do clima alentejano,
passa um cigano e outro e outro cigano;
atravessam a vila até ao campo.
Ao ombro, mantas de cor duvidosa
hão-de abrigá-los do frio
ou duma noite chuvosa.
Donde vêm?
Aspecto miserável, vagabundo!
(Livre-me Deus destes conhecedores do mundo!...)
São párias escorraçados...
... cultivam vida de enganos
não sendo nunca enganados!


Chegados ao montado,
armam a tenda;
e ali fica arrumado
tudo que tem vida.
(Animais são todos eles);
e zurram os burros,
choram as crianças,
blasfemam as mulheres.
Os homens,
dirigem-se ao monte
e ali pedem trabalho e pão,
invocando a fome de dez filhos.


E o lavrador
— há falta de ganhões —
mete-lhes a foice na mão
e paga-lhes alguns tostões:
são para aguardente, tabaco e pão;
há ainda caldo de toucinho,
azeite na almotolia
e um cochezito de vinho.


Acampam algum tempo;
e, um dia,
partem... em direcção à fronteira;
fazem contrabando — é já tradição —
Tragédia da carabina — morre o chefe...
... cumpriu-se a sua sina!
e partem... escorraçados.
Vida de ciganos...
... cultivam vida de enganos
mas nunca são enganados.


E nas feiras
os ciganos trocam mulas velhas,
machos e burros.
Vendem roupas, cestos...
vendem de tudo:
são os senhores daquele mundo.
E ali, na feira,
há desentendimentos;
surge a GNR; ei-los escorraçados,
partem em debandada.


E o cigano caminha de novo
ao sol, à chuva, ao luar.
Pobre, alegre, aquele povo,
esquece desventuras;
e há-de dançar dias a fio
num próximo noivado.


Algures, num descampado,
nascerão os ciganitos.
E a primeira mantinha
do filho de qualquer cigana
sem eira nem beira
serão folhinhas caídas
duma qualquer azinheira.


E lá seguem, errantes,
cultivando vida de enganos
não sendo nunca enganados!
É a sina dos CIGANOS
«Párias escorraçados».

                  Ponte de Sôr, 1945

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