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2ª Cena

 

(Entra Hermes, mensageiro de Zeus. Aproxima-se lentamente.)

Hermes — Choras, Perséfone, tu, a que foi arrebatada por Hades para o reino das sombras? Zeus sabe, o mundo todo sabe da tua desgraça e Deméter, tua mãe, também está inconsolável.

Perséfone — Minha mãe Deméter chora muito por mim? E porque não me acode?

Hermes — Zeus não o permitiu ainda, mas os deuses vão reunir em concílio para decidirem do teu futuro. No mundo superior, tua mãe, Deméter, revoltada contra Hades, teu tio, deixou de prestar assistência aos homens e às suas colheitas. A terra está dura e fria, as plantas não crescem, as searas não produzem e as árvores não dão fruto. A terra é maninha e os animais deixaram de parir as suas crias. Os homens clamam contra os deuses, desesperados. Sentem frio, e fome, e solidão. Ninguém ajuda ninguém, pois não há com quê. Até os deuses se queixam a Zeus por não receberem as libações e oferendas dos mortais.

Perséfone — E meu pai Cronos, o Tempo? Também me não pode acudir, a mim, e aos homens, na miserável situação em que nos encontramos? Eu, soterrada viva, e eles passando tantas mortificações? Ó Hermes, não me digas que não há esperança alguma!...

Hermes — Nada sei, Perséfone. Nada sei. Tudo depende do que resolvam os deuses no concílio. Mas tem esperança... Essa tem de ser a última a morrer. (Preocupado.) Olha cá: tu não comeste nada aqui, nem bebeste água do Letes, pois não?

Perséfone — Não, Hermes. Meu tio Hades, que me quer tomar por esposa e fazer-me rainha do seu reino de sombras, bem tem insistido comigo, mas tenho conseguido resistir. Às vezes a sede devora-me as entranhas, mas sei que se beber ou comer algo que se crie no reino dos mortos será a minha perdição: esquecerei por completo tudo o que se refere à vida, ficarei sem recordações, e eu não quero esquecer a minha meninice e a minha alegria a correr pelos olorosos e escarpados campos da Sicília, bebendo das suas águas límpidas e frescas, colhendo flores, assistindo ao nascimento dos cabritinhos e ovelhinhas, no pasto, e ouvindo e vendo o eclodir dos ovos das avezinhas nos seus ninhos de penas macias. E não quero esquecer sobretudo o carinho de que minha mãe me rodeava, os seus beijos e abraços, as nossas ternas conversas e também do folgar e rir, despreocupada, com as minhas amigas de quem fui tão cruelmente separada!...

Hermes — Então, se é assim, não temas, Perséfone. Basta voar até ao Olimpo e informar Zeus, que me enviou até ti, de que estás realmente viva e tão desesperada quanto tua mãe, que se não cansa de clamar vingança contra teu tio Hades pelo que te fez, e a ela.

Perséfone — Ainda vislumbras algum raio de luz para a negra solidão que me rodeia aqui, no reino dos mortos? Não me dês falsas esperanças, Hermes.

Hermes — Ânimo, Perséfone. Não te deixes abater. Eu vou levar-te a Zeus. Ele vai decidir de acordo com o destino. Também está muito incomodado com toda esta situação e é do seu interesse resolvê-la o melhor que souber e puder. Tem fé no destino! Que este te seja propício! Vem.

Perséfone — (Chorando)Que ele te ouça, Hermes! E que Zeus nos proteja no voo até ao Olimpo! E se vires minha mãe, Deméter, diz-lhe o quanto sofro no inferno por me ver separada dela e de tudo quanto mais amo no mundo superior.

Hermes — Direi, descansa. Tu mesma vê-la-ás e abraçá-la-ás. Ela deixará o luto em que se confinou desde a tua ausência e toda a Natureza renascerá e deuses e homens ficarão felizes.(Dando-lhe a mão) Vem.

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