Textos Inéditos

Aveiro é uma cidade predestinada a vir a ser uma cidade de eleição, não só pela sua localização geográfica, como também pela sua luz sedutora, onde os artistas e os poetas podem dar largas à sua imaginação. Se recuarmos no tempo muitos artistas de renome nacional vaguearam por estas paragens, pintando e cantando as suas belezas. Estou-me a lembrar, no campo da pintura, um Lauro Corado, Manuel Tavares, Cândido Teles, Daniel Constant, Fausto Sampaio, Júlio Resende, Arlindo Vicente, etc.

Leitura do texto pelo autor - Aveiro, 19 de Maio de 2008.

No campo das letras grandes escritores deixaram nos seus escritos estrofes lindíssimas sobre esta cidade da luz: Jaime de Magalhães Lima, Eça de Queirós, Egas Moniz, Miguel Torga, Frederico Moura, António Lobo Antunes, Raul Brandão, Homem Cristo, D. Evangelista de Lima Vidal, etc.

Aveiro é o refúgio dos artistas e dos poetas!

Aveiro, 8/4/2008
Jeremias Bandarra
Pintor, Artista plástico e gráfico, Fundador do Grupo AveiroArte e CETA


Tempo e Modo

Por caminhos, canais e vento
Passas princesa crente do amor
E mito,
Semeando como previsto
As benditas sementes
Na cidade devagar bordada.
Só tu sendo o fio de bruma
E água ou as gaivotas
Porque nos fariam conhecer o mundo,
Entre avenidas e para além da ria.
Por vezes são os próprios barcos
A passarem como mestres
Só o tempo e o modo variam.

Aveiro, 16/04/2008
Rosa Maria Oliveira
Professora, Escritora, Jornalista

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Apresentação da Antologia, 19 de Maio de 2008. Da esquerda para a direita: Rosa Maria Oliveira, Eugénio Beirão (João Rodrigues Gamboa), Idália Sá Chaves e Artur Fino.

Apresentação da Antologia, 19 de Maio de 2008. Da esquerda para a direita: Rosa Maria Oliveira, Eugénio Beirão (João Rodrigues Gamboa), Idália Sá Chaves e Artur Fino.




Contemplação sonora
com cores dentro

O Outono entrara já por Novembro adentro e as suas cores mais características coalhavam-se, agora, nos tons de castanho, vermelho-ferrugem e amarelo. Uma suavidade dolente, uma paz dulcificadora inundava-me os olhos e poisava no meu interior, em fímbrias de felicidade.

Foi assim, com a alma revestida de oiro, que entrei na Igreja da Misericórdia. Sentei-me. Progressivamente, a visão bela dos azulejos vai-se-me impondo, na semi-penumbra, com a frieza deslumbrante do seu azul, matizado de branco e amarelo-torrado. A luz coada das janelas começa a aquecer-me o olhar. E do coro alto, onde a luminosidade é mais intensa, saltam, abruptamente, e a galope, ondas sonoras que enchem o espaço. É o órgão de tubos restaurado que entra em festa. Surpreendido, concentro-me no seu apelo. Não são melodias comuns, construções harmónicas que todos ouvimos com frequências. São aglomerados sonoros que me entram pelos tímpanos e, arrebatando-me me sugerem manchas coloridas intensas, em tons de castanho doirado, vermelho-ferrugem, amarelo, verde com ouro…, como em quadro polifónico. Oiço e vejo ao mesmo tempo. E contemplo imóvel cerrados os olhos, o interior todo a vibrar…

Abril 2008
Eugénio Beirão (João Gamboa)
Escritor, Professor, Compositor


 


        Uma Ria à Janela


Sempre abri a janela para o mar.
A ria levava-me e trazia-me a casa
ao anoitecer. A cidade passeava
pela avenida onde ondulavam saias
e línguas viperinas: rias de lodo
onde desaguavam os esgotos da cidade.
Eu fazia-me subterrânea como o moliço
para não ser apanhada. Quando subia
à superfície o meu reflexo nas águas
era só o lugar onde não estava.
As salinas eram a cidade branca
com casinhotas e trilhos no meio de nada.
Eram a cidade que eu queria ser
quando queria ser barco e amarelo pintado,
petisco de fogareiro, nome na madeira
a caminho da barra. Vivi perto de mim
nas avenidas do mar. Fui espuma
de uma onda que rebentou em letras
e remo contra e a favor do vento.
Ainda hoje abro a janela do mar.
Ainda me escondo no fundo do fundo,
mas o marulhar das águas
traz à tona palavras que sobem sem mim,
e eu sou só uma mão ao leme
à procura do norte para me perder
nos cristais salgados das palavras.


Maio, 2008
Rosa Alice Branco
Poetisa, Ensaísta, Tradutora, Professora
 

 

Aveiro

Aveiro é um hino à liberdade!

São as pessoas – cagaréus, ceboleiros e bicudos – são as ruas que são gente que engrandeceu de prestígio esta terra dos congressos republicanos, dos injustiçados, da democracia.

Aveiro é ria com a sua paisagem e emoções, são as aves nas suas danças ondulantes, é a luz que se espelha na água, são os moliceiros, as marinhas, os esteiros e o cheiro a maresia.

Aveiro são as tradições, as festas, as procissões, a gastronomia e os Ovos-moles.

Aveiro é a Modernidade!

A. Carlos Souto
Engenheiro agrário, Jornalista, Pintor


 

Sorria com a Ria

Para dizer a verdade, não sei quem foi o padrinho que resolveu chamar à água salgada do atlântico que namora com a água doce dos rios Vouga, Águeda, Antuã, Cértima e Mau, Ria de Aveiro! Os entendidos dessas coisas de nomes esquisitos, subsidiências e outras ciências e distinguem uma deriva litoral, duma restinga ou de um delta, chamam-lhe outros nomes como Delta, Haff-Delta, Estuário e Laguna. Muito embora eu concorde com Estuário, prefiro Ria porque é feminino e é um namoro de muitos anos (Laguna também, mas…) e quem a navegar e se deixar abraçar por tantos braços, até mais do que a Deusa Chiva tem, fica com uma paixão e amor eternos. É uma “Deusa” enorme com os seus quarenta e sete quilómetros de comprimento e imensos alfinetes de peito com jóia a que os artistas deram o nome de Ilha dos Ovos, Monte de Farinha, Tostada Amorosa e outras pequenas missangas.

Depois, aqueles brilhantes cristais que estão encastoados entre os caixilhos das marinhas e estas com as suas casinhas de brincar. E onde entre outros elementos está a bilha de barro que mata sedes ancestrais. Nos mencionados braços com nomes como Espinheiro, Cal do Ouro, Veia da Testada, Laranjo, Canal de Ovar, Canal de Mira, correm céleres as bateiras, os mercantéis e o símbolo mais belo que é o Moliceiro filho do casamento mar, ria.

O mar queria tanto misturar-se com os doces rios que zangado rompia o hímen, ou seja, o cordão litoral, pois sabia que os homens e mulheres que labutavam pela sobrevivência dependiam física e economicamente desse casamento. Esse namoro prolongou-se ao longo dos séculos, pois em 1200 estendeu um frágil braço ali pela Torreira. Depois foi fazendo tentativas em 1500, 1584, 1643, 1737, 1756, 1762, 1778, 1802, 1838, até que o homem, munido de engenho e arte o ajudou definitivamente com proveito para as três partes. Finalmente, a 3 de Abril de 1808 celebrou-se o casamento indissolúvel e os burgos confinantes cresceram e olham fascinados os afilhamentos, produtos do matrimónio de uma “noiva” engrinaldada e um “noivo”, às vezes revoltado, mas que sem o seu trabalho incessante não lograria o sustento dos aveirenses, ilhavenses, vaguenses, murtoseiros e os outros mais pequenos irmãos nem permitiria rumar a outras paragens levando o que produziu e trazendo o que precisamos e, de há muito, desde o século XVI, o fiel amigo bacalhau.

Por tudo isto, proclamo, declaro e grito: “Abençoada Ria!” Quem me dera que sejas o ataúde dos meus sonhos, pois amo-te para além do último sopro.

10-4-2008
João Pereira de Lemos
Escritor, Desenhador-Projectista, Pintor de azulejos
 


 

Aveiro, Terra Salgada

Quando se fala de Aveiro, uma tão velha quanto inadequada comparação é repetidamente evocada e que consiste em chamar-lhe Veneza portuguesa. Ora, a verdade é que não há proximidade alguma, quer estética, quer física, quer monumental entre estas duas cidades. Cada uma tem a sua personalidade e carácter próprios. Assim, desmistificada aquela ideia errática, é tempo de afirmar que, sem dúvida, Aveiro se apresenta como uma terra de água de singularidade única, com características próprias, bem vincadas, diferenciadas de todas as outras cidades deste nosso país.

Considerados os dotes naturais, intrínsecos, que possui, bem que Aveiro poderia e deveria constituir um excelente exemplo de urbanismo de qualidade, respeitador do seu património histórico construído, o que lamentavelmente, nem sempre tem acontecido. A par de uma certa política do betão, a cidade tem sido atulhada de construções incaracterísticas, algumas mesmo abomináveis, esquecendo a inadiável criação de espaços urbanos de acordo com equilíbrios físico-ecológicos e, concomitantemente, praças, parques, jardins,
etc. – e até amplos estacionamentos. Depois, como se constata, Aveiro é carente de monumentos, sobretudo de arte contemporânea inovadora, o que em nada abona em favor da nossa sensibilidade de aveirenses, para esta vertente cultural tão decisiva, até como enriquecedora atracção turística.

Por outro lado, temos algumas realizações muito positivas como são, entre muitos outros, os casos dos túneis rodoviários (para o trânsito), e das zonas pedonais (para as pessoas); aqui, o espaço onde um número assaz significativo de predadores-condutores-auto permanentemente circulam e/ou estacionam. Para além do facto abominável destes criminosos se manterem impunemente à solta, Aveiro é uma cidade bela em que, apesar de tudo, há uma certa qualidade de vida e é, pois, bom viver. É, por assim dizer, no contexto nacional, uma cidade diferente, que não fica a perder em confronto com algumas centenas de urbes de dimensão equivalente de outros países que já tivemos oportunidade de visitar e que, sem receio, testemunhamos.

Maio de 2008
Artur Fino
Fundador do Grupo AveiroArte e CETA, Artista plástico

Pormenor da mesa: figuras típicas (Zé Augusto), canastra de ovos moles e bóias de pesca artesanal. Aveiro, 2008


   


Tomaz Parreira lê o seu texto - Aveiro, 19 de Maio de 2008.

 A Criação da Água


Um filamento de luz
A mais,
Invisível
Fio largo, uma gota
A mais de água, iluminada

E o ar
Parece ter suspensa
A Ria,
Em braços cristalinos
Onde estremece o sal

O vento vem na mão extensa
Vêm ínfimos instantes
Milénios em busca
De luz, e uma gota
A mais de mar

Uma gota a mais
De céu que se deita
Nesta terra
Sem abismos
A casar com a água.


20/04/2008
J. T. Parreira
Bancário aposentado, Jornalista, Poeta

 


Caixa dos amores - Artesanato tradicional da Beira-Mar. Aveiro, 2008


Cidade Pura

Nem as manhãs frescas e molhadas, nem a noite escura e fria deixam a cidade
desvanecida ou descalça. E a gente que a compõe é feliz por ser um pedaço dela. É uma das mais bonitas regiões deste nosso país, não pelo seu tamanho e conteúdo, mas pela sua pureza e simplicidade, nas estreitas e curiosas travessas, nos espaços verdes que a iluminam, no convívio que a sua gente preserva e mantém. Aveiro necessita de ser privilegiada e glorificada por todos os que nela vivem e por todos os que nela não podem viver.

15/05/2008
Catarina Correia
Elemento do Grupo de Trabalho, 12º H



Inspiramo-nos, muitas vezes, para a simples construção de um verso ou parágrafo, nas cidades que nos fascinam, nos tocam e nos fazem sentir vivos. E orgulho-me em dizer que esta cidade, a pequena Veneza de Portugal, tem esse poder. Basta um simples passeio pelas ruas e parques deste nosso Aveiro para recuarmos no tempo e compreender todos os sonhos e esperanças que gerações passadas aqui depositaram. E cada passo que damos nesta terra, cada vontade que deixamos escapar de nós, fazem-na crescer.

15/05/2008
Vanessa Gonçalves
Elemento do Grupo de Trabalho, 12º H

 

Tela

A calçada azul e branca que pisamos diariamente,
O moliceiro percorrendo as águas calmas da ria,
A Biblioteca embevecida de antigos e recentes, mas preciosos saberes,
Os encontros amigáveis no Fórum,
As palmeiras enfeitando os agitados ares do Rossio,
O “Beira-Mar” que recebe os convidados para mais uma partida,
As muitas gaivotas sobrevoando os telhados das casas,
A correria matinal e sonolenta dos estudantes,
Os ovos-moles servidos nas diversas pastelarias,
As salinas ilustrando uma veia que é nossa!
A mão inteligente de José Estêvão reclamando sabedoria,
Os quietos bancos do jardim onde vagueiam as gentes,
O calor da Feira de Março que traz alegria aos mais novos,
A Universidade formando mais e mais talentos,
As gravuras inscritas nos azulejos das ruas,
A avenida repleta de gente apressada, sorrindo ou barafustando.

Recebeu-me,
Acarinhou-me,
Perfilhou-me.

Esta é a minha cidade! Esta é Aveiro!

15/05/2008
Ana Castro
Elemento do Grupo de Trabalho, 12º H

As três alunas do grupo de trabalho - Aveiro, 19 de Maio de 2008.

 
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