O Trabalho na Cozinha

A arte de cozinhar envolve todo um mundo de acções, preceitos, prazer e preocupações, mundo esse que se projecta para além do âmbito restrito da copa e da cozinha.

Com efeito, aquele que, no mercado, se afadiga na escolha dos produtos que, depois de confeccionados, hão-de constituir as refeições de familiares, amigos ou clientes, preocupando-se em não exceder determinados orçamentos, está já a entrar nos domínios da cozinha.

Igualmente, ao dar os últimos retoques na composição de uma travessa ou na decoração de um bolo ou, ainda, quando, discretamente, dirige o serviço de mesa, durante um jantar de cerimónia, está então a desempenhar funções que se enquadram perfeitamente no mundo da arte culinária.

Todavia, o trabalho na cozinha não se resume à preparação das refeições. Muitas outras operações complementares de natureza não caracteristicamente culinária são necessárias para atingir o objectivo final. Chamamos-lhes trabalhos acessórios. Dentre eles, consideramos, em especial, os seguintes:

            - Lavagem das loiças e utensílios (copos, pratos, talheres, panelas, tachos, etc.);
            - Limpeza do equipamento (fogão, frigorífico, batedeira, máquina de passar carnes, superfícies de trabalho, etc.);
            - Limpeza da cozinha (paredes, chão, chaminé, etc.)

 

Passemos, agora, aos trabalhos de âmbito culinário.

Se acompanharmos os alimentos, desde o mercado até à mesa, passando pela cozinha, poderemos, no percurso, distinguir as seguintes fases:

            - Aquisição
            - Confecção: a) selecção e limpeza; b) preparação; c) cozedura
            - Apresentação: a) distribuição; b) composição; c) decoração
            - Serviço de mesa (e de copa)

 

1. AQUISIÇÃO

Não vamos desenvolver este capítulo, porquanto a aquisição não se trata propriamente de trabalho na cozinha. Apenas damos algumas breves notas sob o aspecto de conselhos. A grande inimiga de quem se ocupa das culinária, no que respeita a preços, é a interminável rede de intermediários: produtor, fabricante (incluindo embalagem e acondicionamento), transportador, armazenista, retalhista, propagandista, etc. Quanto à tão divulgada especulação com os preços e adulteração dos pesos e medidas, elas só são possíveis com a conivência dos compradores que, conhecendo os preços tabelados e tendo possibilidade de verificar que os pesos, com frequência, não atingem os valores que foram pagos, não se queixam a quem de direito, tornando-se assim cúmplices e vítimas de autênticos roubos que defraudam o orçamento em centenas de escudos mensais.

Assinale-se, ainda, que os vendedores ambulantes, embora apresentando preços aparentemente baixos, fazem, quase sempre, uma «compensação» no peso da mercadoria vendida, anulando assim a possível vantagem de um custo mais acessível.

 

2. CONFECÇÃO

Como dissemos, os trabalhos de confecção abrangem três fases distintas: selecção e limpeza, preparação e cozedura. Vejamos, de uma maneira geral, em que consiste cada uma destas fases:

 

a) Selecção e limpeza 

Os alimentos, normalmente, não podem ser utilizados tal como são adquiridos. Na sua constituição inicial há muito de imprestável (ou, até, nocivo para a saúde) que tem de ser retirado antes da preparação.

Assim, o peso do alimento tal como se compra (peso bruto) é quase sempre superior à parte aproveitável para preparação e cozedura (peso líquido).

Vejamos, para cada caso de alimento, quais as partes que, mais vulgarmente, constituem desperdício (que indicamos entre parêntesis):

            - ovos (casca);
            - carne (ossos, vasos sanguíneos, nervos, tendões, cartilagens, sebo, etc.);
            - aves (cabeça e vísceras, com excepção do coração, moela e fígado);
            - peixe (escamas, barbatanas, vísceras e, nalguns casos, a cabeça);
            - legumes e hortaliças (folhas velhas, partes fibrosas, talos, pedaços deteriorados, cascas, pele, pevides, etc.);
            - fruta (casca, pele, caroços, pés, etc.);
            - mariscos (casca e conchas).

Depois de se terem retirado todos os desperdícios (selecção), executa-se a lavagem ou limpeza, quase sempre em água, de preferência corrente.

Hoje em dia, os supermercados e grandes superfícies apresentam grande parte dos seus produtos já devidamente seleccionados e limpos, em embalagens higiénicas que poupam tempo à dona de casa, sendo, em contrapartida, de preço um pouco mais elevado, mas compensador, na maioria dos casos.

 

b) Preparação

Se analisarmos as diversas operações que, após a selecção e limpeza, precedem a cozedura, verificamos que elas se resumem apenas a três espécies diferentes:

- Subdivisão
- Separação
- Mistura

 

(1)   Subdivisão

As dimensões iniciais das peças alimentares necessitam, quase sempre, de ser reduzidas. Isto por razões várias entre as quais destacamos:

- a necessidade de harmonizar as dimensões da peça com as do utensílio a empregar;

- imperativos da receita;

- aumentar o grau de digestibilidade (quanto mais subdividido estiver o alimento, mais pontos de ataque permite aos sucos e aos fermentos digestivos; na verdade, a uma maior subdivisão corresponde também uma maior possibilidade de deterioração).

Vejamos, por ordem decrescente de grau de subdivisão, os termos mais vulgarmente utilizados:

Cortar (com faca ou máquina própria) em pedaços que tomam várias designações conforme o tipo de alimento: bifes, tornedós, escalopes (carne), palitos, rodelas (batatas), filetes, postas (peixe), fatias, quartos (frutos), cubos juliana (legumes), etc.

Migar (com faca ou máquina especial) hortaliças, de uma maneira geral.

Picar (com faca ou utensílio próprio) cebolas, alhos, coentros, salsa, etc.

Picar ou passar (com máquina própria) carne.

Ralar (com máquina ou utensílio próprio) amêndoas, cenouras, queijo, casca de limão, etc.

Esmagar (no triturador eléctrico ou almofariz) coentros, alhos, etc.

Passar (por peneira ou passe-vite) frutos e legumes descascados (cozidos ou crus), etc.

Moer (moinho manual ou eléctrico) pimenta café, cereais, etc.

Homogeneizar (com batedor eléctrico, «mixer», varas ou batedor manual) cremes e purés.

 

(2) Separação

- De dois líquidos diferentes: Faz-se, normalmente, por decantação, isto é, deixando repousar, num recipiente, os líquidos misturados, de forma a que o mais denso se condense na parte inferior, e vertendo com cuidado o menos denso para outro vaso.

Embora fora do âmbito doméstico, a centrifugação e destilação constituem também formas de separar líquidos.

- De dois sólidos: Descascar, peneirar.

- De um sólido e um líquido: Espremer; coar; filtrar; decantar.

 

(3) Mistura

a) Mexer — para ingredientes miscíveis basta, com o auxílio de uma colher, bater a mistura até que as substâncias intervenientes não se distingam umas das outras. Exemplo: leite e açúcar.

b) Bater — se é necessário misturar substâncias dificilmente miscíveis, empregam-se movimentos mais rápidos e enérgicos, podendo utilizar-se a batedeira eléctrica. Exemplo: manteiga e açúcar.

c) Amassar e Sovar — a confecção de massas exige movimentos não muito rápidos mas enérgicos.

d) Mistura simples — por exemplo, a adição de condimentos.

c) Cozedura

 

(1) Transmissão do calor

As formas de transmissão de calor são, fundamentalmente, três: por convecção, por condução e por irradiação.

a) Convecção — Em culinária, é a forma normal de aquecimento dos líquidos, consistindo na deslocação das moléculas que, do fundo do recipiente, onde aqueceram (e, portanto, aumentando de volume se tornaram menos densas), sobem e vão sendo substituídas pelas mais frias que, por sua vez aquecidas, sobem também. Estabelece-se, desta forma, uma corrente que obriga o líquido a circular, praticamente na sua totalidade pela zona aquecida e, assim, a temperatura vai subindo até atingir o estado de ebulição.

b) Condução — Por contacto directo. É o caso dos bifes grelhados na chapa.

c) Irradiação — É a transmissão de calor por intermédio de ondas caloríferas que se propagam através do ar e, até mesmo, no vácuo, raios solares, infravermelhos, etc.

 

(2) Fontes de calor

São várias as fontes de calor utilizadas na cozinha: os combustíveis (álcool, petróleo, gasóleo, carvão, lenha, gás) e a electricidade.

Na sua escolha deve atender-se a:

- preço de equipamento inicial;
- rendimento calórico;
- resíduos a limpar (cinzas, fuligem, etc.) ;
- facilidade de controlo de calor;
- possibilidade de regulação automática da temperatura (termóstato);
- toxicidade;
- espaço necessário para armazenagem;
- facilidade de reabastecimento.

 

Entrando em linha de conta com todos estes factores, facilmente se é levado à conclusão de que as melhores soluções são: o gás e a electricidade.

O primeiro, embora apresentando o inconveniente de um elevado grau de toxicidade (que obriga a um cuidado permanente no sentido de evitar fugas) constitui, sem dúvida, a modalidade mais compensadora de fonte de calor doméstica, pelo menos enquanto se mantiverem as actuais tarifas da electricidade

 

(3) Modalidades de cozedura

Podemos definir «cozedura» como a transformação dos alimentos pela acção do calor a uma temperatura mais ou menos elevada. O calor confere, assim, aos alimentos, modificações nas suas características iniciais com especial incidência sobre o sabor, densidade, digestibilidade, maciez, textura e composição química.

Basicamente, há dois processos de cozedura:

              - por calor seco
              - por calor húmido

 

A forma como é aplicado o calor e as substâncias que intervêm nessa aplicação, determinam os diversos métodos ou modalidades de cozedura que referimos, seguidamente, agrupados da forma que nos parece mais conveniente:

 

a) Por calor seco

1. Pela acção do ar aquecido: assado. O ar aquecido pode ser livre (espeto, «barbecue», fogareiro de carvão., etc.) ou condicionado (forno).

2. A fogo directo: grelhado. Pode utilizar-se a chapa aquecida, brasas, radiações, infravermelhos, etc.

3. Com aplicação de gordura: fritura e salteado.

 

b) Por calor húmido

1. Com água: cozido. A água pode ser aplicada:

- em ebulição;
- em banho-maria;
- a fogo lento;
- sob a forma de vapor;
- em panela de pressão. (vapor).

2. Com um molho: guisado.

3. Com os sucos próprios de alimento (ou dos alimentos que se juntaram à peça fundamental) e, ainda, algum caldo, vinho ou água: estufado.

O estufado, tal como o guisado, é uma cozedura a vapor. As modalidades de cozedura em calor húmido são hidratantes. Desta forma se explica o aumento de voIume (cerca de 2 ou 3 vezes o volume inicial) sofrido pelos alimentos que contêm percentagens elevadas de amido. (que absorve grande quantidade de água).

O calor húmido é dissolvente, sendo o grau de dissolução tanto maior quanta mais prolongada for a cozedura e maior for a quantidade de líquido interveniente. Por dissolução, passam para o caldo de cozedura algumas vitaminas (as hidrossolúveis), sais minerais, proteínas, etc., empobrecendo a peça cozinhada em benefício do caldo.

O calor seco é desidratante e concentrante do suco e substâncias de composição dos alimentos, melhorando, normalmente, o seu sabor.


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