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Resenha Bibliografia

A «TÁBUA BIOBIBLIOGRÁFICA DE CESÁRIO VERDE — 1855-1886» que apresentamos a seguir é da autoria do prestigioso historiador e ensaísta Doutor Joel Sertão e foi extraída do seu livro «OBRA COMPLETA DE CESÁRIO VERDE, 2.ª edição, págs. 219 a 222 — Colecção Poetas de Hoje, Portugália, 1970». Justifica amplamente esta reprodução a circunstância de o referido escritor se ter creditado, sem qualquer dúvida, o mais informado investigador da obra do poeta de «O Livro» através dos muitos e valiosos estudos que sobre Cesário vem publicando. A única alteração que introduzimos na citada «TÁBUA BIOBIBLIO­GRÁFICA» é de natureza tipográfica — e praticámo-la apenas para mantermos uma uniformidade com outras edições didácticas que temos dado a lume. Apesar de inofensiva tal alteração, dela nos queremos aqui desculpar perante o autor.

 

1855 — José Joaquim Cesário Verde nasceu a 25 de Fevereiro de 1855 na freguesia lisboeta da Madalena. Era filho do Sr. José Anastácio Verde e de D. Maria da Piedade dos Santos Verde, O pai, abastado comerciante de ferragens, com estabelecimento na Rua dos Fanqueiros, dedicava-se também à agri­cultura na sua granja de Linda-a-Pastora, sita nos arredores de Lisboa. A família Verde não praticava qualquer religião, e o chefe da casa, segundo parece, havia sido, na época da guerra civil, miguelista.

1865 — Cesário Verde com 10 anos de idade faz o seu exame de Instrução primária. A família vivia então na Rua do Salitre, n.º 107, 1.º andar. Após o exame, e de acordo com a tradição familiar, deve ter principiado a sua actividade comercial ao balcão da loja paterna.

1873 — Aos 18 anos, quando começou a publicar os primeiros versos, matriculou-se sem seguimento no Curso Superior de Letras (ano lectivo de 1873-1874), onde se relacionou com a mocidade letrada de então, e, principalmente, com Silva Pinto que viria a ser o amigo «para a vida e para a morte». A 12 de Novembro estreia-se nas colunas do Diário de Noticias, dirigido então por Eduardo Coelho que na juventude havia sido caixeiro do pai de Cesário. Publicou ai, nesse ano, 3 poesias — A forca, Num tripúdio de corte rigoroso, ó áridas Musselinas, e, no portuense Diário da Tarde, Eu e ela e Lúbrica...

1874 — Neste ano foram dadas à estampa as poesias Impassível, Lágrimas, Proh Pudor!, Manias!, Heroísmos, Cinismos, Canto da tristeza, Fantasias do impossível - I, Caprichos, Esplêndida, Arrojos, Flores venenosas - I, Cabelos, Vaidosa, Cadências tristes, Melodias vulgares, inseridas no Diário da Tarde, no Diário de Notícias, na Tribuna e na revista portuense Harpa.

Em folha solta, dá a lume Ele.

Cesário, ou alguém por ele, anunciou no jornal “A República” (Lisboa, 27 de Dezembro de 1874) a próxima publicação de um volume de poesias, que não chegou a vir a lume.

Rebenta o escândalo literário suscitado pelo baudelairiano poema Esplêndida. Ramalho Ortigão, com quem viria a relacionar-se posteriormente, fustiga n’As Farpas o jovem poeta, pedindo-lhe que «seja menos verde e mais cesário». Fialho, que viria a admirá-lo, arranha-o também. Por seu turno, Teófilo Braga era de opinião «que um poeta amante e moderno devia ser trabalhador, forte e digno e não devia rebaixar-se assim».

1875 — Publica em revistas de pequena circulação (Tribuna, Mosaico) Ironias do desgosto, Deslum­bramentos, Humorismos do amor. No jornal “O Porto”, é dada à estampa Desastre. Cesário Interessa-se pelo lançamento de uma revista, Mundo Novo, que não passou de projecto.

Em carta a Silva Pinto confessa: «Cá vou vivendo cheio de trabalho comercial.»

1876 — Na revista coimbrã Evolução é dada à estampa a sua poesia A débil e, em “O Porto”, Nevroses, que virá a ser recolhida em O Livro sob o titulo de Contrariedades.

1877— Em Parnaso Português Moderno, antologia organizada e prefaciada por Teófilo Braga, não há sequer referência ao nome de Cesário.

Principia a queixar-se aos amigos de falta de saúde.

1878 — Publicação de Num bairro moderno, Merina, Sardenta.

1879 — Publicação de Manhãs brumosas, Em petiz, Cristalizações. O Diário Ilustrado” (4 de Outubro de 1879), referindo-se à poesia Em petiz, considera cada verso «um vomitório, e onde em cada recor­dação se revela de sobejo os maus instintos da criança, e presentemente o desamor do homem já feito pela desgraça e miséria alheias». O poeta, exasperado, desafia o jornalista para um duelo. Em carta a Silva Pinto confidencia: «Eu por aqui me afasto da literatura; amando-a ainda muitís­simo, não penso exclusivamente nela.»

1880 — Publicação de Num álbum, e de O Sentimento dum Ocidental, sua obra-prima, que passou quase desapercebida. Em carta a Macedo Papança lamentava-se: «Uma poesia minha, recente, publicada numa folha bem impressa, limpa, comemorativa de Camões, não obteve um olhar, um sorriso, um desdém, urna Observação.» Parece todavia que Guerra Junqueiro, entretanto, descobrira e apreciara a poesia de Cesário.

Gradual substituição do pai nas actividades da loja de ferragens e na exploração da granja de Linda-a-Pastora.

1882 — Projecto de um jornal portuense, O Mercantil, que se malogrou, e do qual deveriam ser redactores Cesário, Teófilo e João de Deus.

Deve referir-se, aproximadamente, a esta época o retrato que Fialho nos legou do poeta: «Alto e mui grave, vestido de azul e com um colarinho voltado sobre uma gravata escarlate, tinha bem a figura do carácter, e não se podia mirá-lo sem logo lhe ver, na ingénua arrogância, o quer que fosse do ser filtrado misteriosamente por uma estranha e aristocrática selecção. O tipo era seco, com uma ossatura poderosa, a pele de fêmea loura, rosada, de bom sangue, a cabeça pequena e grega, com uma testa magnífica, e feiç6es redondas, onde os olhos amarelo-pardos de estátua, ligeiramente míopes, tinham a expressão profunda, rectilínea, longínqua, que a gente nota nas dos marítimos acostumados a interrogar o oceano por dilatadas extensões.»

1884 — Publicação da poesia Nós, seu último grande poema. Por esta época, em tom de presságio, cantava:

 

A mim mesmo, que tenho a Pretensão
De ter saúde, a mim que adoro a Pompa
Das forças. Pode ser que se me rompa
Uma artéria, e me mine uma lesão.

 

1886 — A doença progride. Em carta de 16 de Junho confessa a Macedo Papança as suas apreensões:

«Subitamente, chegam-me dúvidas, descrenças, terrores de futuro. Curo-me? Sim, talvez.»

Talvez... A 19 de Julho, com 31 anos, morre em Caneças (1), onde se houvera fixado em procura de bons ares, vitimado pela tuberculose, doença a que, anteriormente, haviam sucumbido já dois irmãos. As suas últimas palavras, recolhidas por Jorge Verde, único sobrevivente dos filhos do Sr. Anastácio Verde, foram: «Não quero nada, deixa-me dormir.

Nos necrológios dos jornais, o “Diário de Notícias” considerava o «poeta apreciável», e o “Jornal do Comércio” declarava o seguinte: «Cesário Verde morre quase Ignorado. Circunstâncias especiais da sua vida fizeram talvez com que ele não pudesse apurar as suas faculdades, nem aperfeiçoar os seus processos artísticos; mas o que dele fica basta para revelar uma decidida vocação poética, original e independente como poucas.»

1887 — Devido aos cuidados de Silva Pinto, publica-se em Abril, numa edição de 200 exemplares, que não foi posta à venda, O Livro de Cesário Verde, reeditado depois várias vezes.

(1) - No necrológio do “Diário de Noticias” (20-7-1886) refere-se que o falecimento teria ocorrido «numa casa do Lumiar».



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