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Exposição Anual do AVEIROARTE - 2004 - Museu da República.


          Introdução        

 

Reúnem-se mais uma vez os artistas de Aveiro/Arte para expor os seus trabalhos. É uma espécie de ritual a que a cidade já se habituou. Ritual de profundo simbolismo, pois que, sendo diversificado e numeroso o agrupamento que constitui a associação, ele procura manter-se unido, mantendo o princípio sagrado da liberdade de cada elemento, quer no estilo e na concepção, quer na projecção do mundo que de cada um deles traz em si. Ora, numa sociedade cada vez mais dividida por competições nem sempre legítimas, por rivalidades movidas mais pelo egoísmo do que pela conquista esforçada e digna do lugar cimeiro do pódio, mais pela vã cobiça do prémio transitório do que pelo direito aos louros amplamente merecidos, existir nesta pluralidade harmónica é, por assim dizer, um milagre. O que é que tem acontecido para que este milagre se realize perante os nossos olhos espantados? Em primeiro lugar, o amor que ligou, desde a primeira hora, os fundadores do grupo à arte. Nomes como o de Zé Penicheiro, Vasco Branco, Jeremias Bandarra, Artur Fino, Gaspar Albino, têm hoje os seus firmados na história das artes plásticas da nossa região e do país, porque neles a paixão criadora foi capaz de subsistir e sobrepor-se a todos os demais apelos da vida. Conseguiram juntar-se e combinar esforços para trabalhar e expor colectivamente, num tempo em que qualquer pequeno agrupamento era considerado subversão, muito mais se esse ajuntamento apresentava como traço de união a actividade intelectual livre e criativa. Mais fácil lhes foi manterem-se fiéis a essa opção vital pelos anos fora, depois que a liberdade foi reconhecida com o 25 de Abril, como direito inquestionável de todos os Portugueses. Daí o fogo que foram capazes de transmitir a outros artistas mais novos e a facilidade com que a associação cresceu pela adesão constante de novos membros. Em segundo lugar o reconhecimento que o município, através dos seus mais altos dirigentes, tem dedicado a Aveiro/Arte. Disponibilizando espaços para os seus elementos se reunirem e tornarem visíveis as suas obras, os poderes públicos aveirenses têm sabido criar as condições necessárias para que Aveiro se mexa no sentido de constituir uma “polis”. Para que serve a arte se ela não se comunica ao povo? Como é que uma comunidade se afirma se, a par do desenvolvimento económico e social, não desenvolve a necessidade de beleza, sobretudo a necessidade daquela beleza profunda que envolve, como defendia a filosofia antiga, a justiça, o amor, a virtude? Será o ter o que mais importa no mundo? Não será o ser em toda a sua busca de equilíbrio, de harmonia, de dignidade conscientemente procurada o que mais importa à sociedade humana? Estas interrogações só vincam a força das respostas que todos sabemos quais são. Louvores pois aos artistas que prosseguem no seu afã de dar a Aveiro a dimensão cultural de que ela precisa. Louvores ao município que os protege. Louvores ao público que acorre às exposições para tomar conhecimento da beleza que os artistas aveirenses criam, dispondo-se a acompanhá-los nas descobertas que eles nos propõem, dos caminhos possíveis para chegar até ela.

Joaquim Correia


“Penso que nosso sentido de realismo até certo ponto mudou depois do Surrealismo – bom, na verdade depois de Freud -, porque nos tornou mais conscientes da maneira como o realismo se serve do inconsciente. E um bom exemplo disso, são alguns trabalhos que Picasso fez por volta de 1930, umas pequenas telas que executou em Dinard de figuras na praia – se não me engano em 1928. Como acho que Picasso absorveu tudo, ele não podia deixar de absorver também o Surrealismo, e essas imagens, apesar de profundamente não-ilustrativas, são profundamente reais no que toca às figuras. Por exemplo, aquela interessante imagem, de forma curva, que destranca a porta de uma cabine de praia é muitíssimo mais real do que se ela fosse simplesmente a ilustração de alguém que destranca a porta de uma cabine de praia”.  David Sylvester, Entrevistas com Francis Bacon.


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