Margens do rio Antuã

Estarreja é concelho antigo, com foral dado por D. Manuel, em Évora, a 15 de Novembro de 1519. Até 1780 teve dois juízes ordinários, nomeados pelas freiras de Arouca, e daqui até 1834, por nomeação régia. Por decreto de 8 de Janeiro de 1835 foi-lhe criada a comarca judicial, considerada sempre de primeira classe, só baixando, pela última reforma, a terceira por simples medida económica, pois o movimento judicial continua a ser o das comarcas de primeira categoria.

Com uma receita anual de 716.000$00, o concelho acompanha o ressurgimento do país, graças à boa vontade e inteligente critério do presidente do município, Sr. Dr. Eduardo da Câmara Carvalho e Silva, que não se poupa a esforços nem ao trabalho sensato da execução dum plano de melhoramentos há muito elaborado, com aprazimento da população.

Com a abertura da avenida de ligação da Praça à estação do caminho de Ferro, a feição do velho burgo da vila transformou-se por completo. É outra a sua fisionomia, remoçada com o passeio central das tílias, devendo a grande avenida ficar ainda melhor com as árvores que foram plantadas na rua transversal que desta desce até à ponte do rio Antuã.

No mercado de EstarrejaDesta ponte, varanda de prazer, se desfruta a luminosa paisagem do outeiro da Senhora do Monte, a encosta do Casal, até ao Vidoeiro, e todo o vale desde as alturas de Sentiais até à várzea da Marinha, perdida nos confins da ria. A paisagem de Estarreja é para ser apreciada mais sobre o ponto de miragens bucólicas, do que através da visão de turismo industrial.

O turismo entrou nos domínios da moda; e todos os concelhos pretendem vestir por esse figurino, que realmente se torna atraente. Alguns turistas também se deixam seduzir pela beleza artificial, preterindo os encantos da natureza.

Entendo que engalanar-se cada concelho, por si próprio, isoladamente, consoante o gosto individualista, é critério díspar, do qual resultará, sem dúvida, uma espécie de manta de farrapos, que a ninguém chega a agradar.

Aspectos pitorescos do mercadoO turismo, como indústria nacional, deveria obedecer a um plano de conjunto, principalmente naquelas regiões com unidade geográfica; e nestas condições está a do distrito de Aveiro, banhado a oeste pela ria, laguna formidável de águas interiores e de luz maravilhosa, que as obras de arte, devidamente adaptadas, transformariam num dos maiores e mais ricos prodígios turísticos do país.

Ora se toda a região de Aveiro se presta a turismo náutico, naturalmente está indicada a todos os municípios ribeirinhos uma federação de serviços atinentes ao exercício da respectiva indústria turística.

Não se faz essa federação voluntariamente?

Pelo novo Código Administrativo podem / 106 / ser compelidos, oficiosamente, os respectivos concelhos. E dentro da execução dum plano comum se chegaria à finalidade ria montagem perfeita de serviços turísticos, que atrairiam à Ria enorme frequência de forasteiros, por não haver no país melhor local que se preste a desportos náuticos.

Estarreja, pela situação geográfica, não seria dos concelhos a dar menor contributo. Do cais fluvial junto à estação do caminho-de-ferro faz, pelo seu esteiro, a ligação directa e mais curta com a parte central, e mais larga, de todo o estuário lagunar, com percurso de paisagens lindíssimas.

Estarreja pode, pois, preparar-se para condigna sala de espera das excursões turísticas. Majestoso edifício de linhas sóbrias, os Paços do Concelho não repugnam a uma visita. Concentram, além das salas das sessões camarárias e judiciais, todas as repartições públicas, em cujas instalações e decorações se assinalou o bom gosto e critério dos srs. drs. Juiz Cura Mariano, e Conservador do Registo Predial, Carvalho Silva, na sua passagem pelas presidências do Tribunal e do Município.

A Misericórdia do Concelho, cujo aglomerado de casario faz lembrar pacífica cidadela, é digna de ver-se, com as instalações que constituem o seu modelar hospital, de boas enfermarias e quartos bem montados, a Maternidade, o Asilo para velhos e inválidos e um ninho dos pequeninos para crianças desamparadas, dotação do sr. Dr. Bissaia Barreto, que inteligentemente soube dar o traço de união do seu coração aos corações estarrejenses. Todos os anos, na época das colheitas, os habitantes se juntam em jornada de festivo cortejo com as crianças das escolas para, em piedosa romagem de beleza moral, manifestarem a sua solidariedade, levando ofertas e lembranças a esta grandiosa instituição de caridade local.

Assenta esta «cidadela» em vistoso parque com alamedas de plátanos e tílias, hortas, pomar e jardins com esplanada, de onde se avistam larguíssimos horizontes.

Também são dignos de visita o edifício escolar das Laceiras e a casa de escola do Picôto, legados à instrução popular, com os edifícios da Misericórdia, pelo benemérito Visconde de Salreu.

Na vila, a praça dominical, desde manhã cedo até meio da tarde, é um mercado interessante, pleno de cor e pitoresco, pela variedade que apresenta de utensílios de sabor regional para uso caseiro. São horas passadas com agrado, em curiosa observação do carácter da região, de feitio alegre, as que decorrem no mercado.

Vistas de Estarreja

Nos subúrbios deve ver-se o mercado mensal da feira de Santo Amaro, realizável a 15 de cada mês. Frequentado como os mercados dominicais tem a maior concorrência de gados de todas as espécies, muitos géneros, muitas tendas de lanifícios e fazendas brancas, ourivesarias e locandas de repasto com iguarias regionais.

Uma rua de EstarrejaNas imediações deste mercado, de aspecto rural, há o formoso panorama da «Minhoteira», a meio da estrada transversal que liga a estrada Nacional de Lisboa ao Porto, / 107 / e se prolonga até à região industrial do Caima.

A 2.500 metros da vila, no local denominado Samouqueiro, começa a esboçar-se o bairro industrial da sociedade comercial «Sapec». Já oferecem curiosidade, pela sua grandeza, as casas destinadas a dirigentes, os hangares em lusalite e ferro para a fabricação de soda cáustica, e estão em via de construção as instalações da fábrica do amónio português, empresa dotada com 135 mil contos, de que a Federação Nacional dos Trigos é subscritora com 15 mil contos. Por aqui se pode calcular o incremento que vai tomar Estarreja nas suas actividades industriais, e que já é considerada a vila mais comercial de todo o distrito.

Um aspecto de EstarrejaAo redigirmos esta notícia sobre o concelho de Estarreja, podíamos ser mais minuciosos na narrativa: mas preferimos o conceito da resposta dum bom velhote que, por bambúrrio da sorte, ingressou numa peregrinação a Roma. Pretendiam ouvi-lo sobre impressões de viagem à Cidade Eterna, e dava sempre a mesma e invariável resposta: − aquilo só visto!»

Ora mais vale ver o concelho de Estarreja, nos seus aspectos económico, agrícola, comercial, industrial e turístico, do que falar dele como areias de Portugal.

T. A.

 

 

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