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4ª Série - Número 4 - Junho de 2001 - pp. 30-31

Texto Monográfico

 

Nota Prévia 

Nesta tentativa de esboço de um pequeno texto interpretativo da história do Liceu de Aveiro é conveniente fazer, à partida, algumas considerações. Não se pretendeu, nem esse era o objectivo, fazer uma monografia, mais ou menos completa, que jamais caberia nos limites impostos a este tipo de trabalho. Como metodologia optou-se por dividir o trabalho em três partes: os Momentos Significativos, Os Edifícios, as Personagens Marcantes e privilegiar certos períodos considerados de maior fulgor.

 

Momentos Significativos

A Criação

O Liceu de Aveiro é uma centenária instituição criada em 1851, ao abrigo do art. 46 do decreto de 20 de Setembro de 1844, de Costa Cabral, que decidia criar «um Liceu em cada uma das capitais dos Distritos e Dioceses do Reino». Seguia de perto, ainda que de forma menos audaz, a reforma de Passos Manuel, de 1836, que, como se sabe, ficou muito aquém do que estava inicialmente previsto. Tal como muitas outras capitais de distrito, também Aveiro não viu o seu liceu instalado como estava na letra do decreto de 17 de Novembro de 1836.

Os acontecimentos de 1846/47 atrasam a instalação dos liceus criados "no papel" por Costa Cabral. A partir de 1848 a instalação dos liceus acelera-se e, segundo Áurea Adão, em «fins de 1849, encontravam-se organizados todos os liceus programados, com excepção de Viana do Castelo. Os liceus de Aveiro, (sublinhado nosso) Beja, Castelo Branco, Guarda e Vila Real não funcionam ainda em edifícios públicos».(1) Que o Liceu de Aveiro estava criado, disso não temos dúvidas. Tinha sido criado pelo decreto de Costa Cabral. Que o Liceu de Aveiro ainda não estava instalado, também parece não haver dúvidas. As actas de instalação continuam a existir no arquivo da escola e são elucidativas a esse respeito. Que ele esteja organizado, como diz Áurea Adão, é algo que não podemos neste momento confirmar (ou infirmar) pois não temos dados concretos a esse respeito (não conseguimos consultar os documentos que são citados como pertencendo ao Arquivo da Universidade de Coimbra). E continua Áurea Adão: «O ano lectivo de 1850/51 conhece um desenvolvimento acentuado na organização do ensino secundário, nomeadamente na constituição definitiva dos liceus. Enquanto no ano anterior, cinco liceus estão instalados em edifícios particulares, neste ano, falta apenas transferir para edifícios públicos apropriados os liceus de Aveiro e Vila Real.»(2) Aqui as dúvidas que nos assaltam são maiores. No dizer de Áurea Adão o Liceu de Aveiro já estava instalado em 1849/50, ainda que em edifício particular, situação que se mantinha em 1850/51. Ora a instalação de que nós temos conhecimento deu-se no dia 14 de Junho de 1851, / 31 / no Paço Episcopal, que nos parece dever ser catalogado como edifício particular. De qualquer forma urge, de vez, precisar os conceitos de organização e de instalação que nos parecem ser diferentes. Como também urge cotejar as afirmações produzidas em diversas monografias com as fontes citadas por Áurea Adão.(3)

O Liceu de Aveiro considera-se, pois, e até prova em contrário, "interinamente instalado"(4) em 14 de Julho de 1851, sendo seus docentes o Dr. João de Moura Coutinho, primeiro Reitor do Liceu e Comissário dos Estudos do Distrito, Luís Cipriano Coelho de Magalhães, professor de Filosofia Racional e Moral e Manuel Joaquim d'Oliveira Santos, professor de Retórica. E só em 20 de Outubro do mesmo ano e por força de uma Portaria do Conselho Superior de Instrução Pública, de 27 de Setembro, é que se declarou "definitivamente constituído" (5) o Liceu de Aveiro.

Como liceu de província que era, e como a maior parte destes, teve inicialmente uma vida pacata, com um mínimo de cadeiras a funcionar (só as obrigatórias) leccionadas durante alguns anos por apenas três professores. O ensino liceal, em Aveiro, tinha uma carga exclusivamente humanista. Não nos parece que tenha sido um elemento preponderante na vida da cidade, a avaliar pelas informações (ou pela falta delas) que nos dá a imprensa regional desse período.(6) Dois dados finais para caracterizar ainda o liceu dos seus primórdios. Um sobre a qualidade dos professores que integravam o corpo docente do liceu. Germano (ou Jermano, como o próprio escreve) António Pinho, que tinha sido reitor interino em 1856/57 e 1863, Secretário do Liceu em 1869, dá-nos este naco de prosa verdadeiramente irreal: «Sesão solene d'abertura d'o ano letivo de 1869 a 1870. Ano d'o Nassimento de Nosso senhor Jezus Cristo de mil oitosentos e sesenta e nove, no primeiro d'Outubro, neste Liseu d'Aveiro, e na Biblioteca d'ele, onde se axavam reunidos, o Reitor, tambem profesor d'oratoria e Filozofia, os Profesores, de Gramatica e de Latim, d'istoria Cronolojia e Geografia, de Franses e Ingles…»(7) Liberalidades a mais mesmo num período em que as regras ortográficas não eram tão apertadas quanto hoje.

Um segundo exemplo é-nos dado pela referência telegráfica que o Almanaque para 1884 faz ao Liceu de Aveiro. Na parte sobre educação, que refere 4 cadeiras para instrução primária, 2 colégios masculinos e 2 colégios femininos, nada. A única referência ao liceu aparece nos edifícios públicos: «O Lyceu Nacional, inaugurado em Fevereiro de 1860. Importou em grande soma e foi mandado fazer a pedido de José Estevam Coelho de Magalhães.»(8)

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(1) – Áurea Adão, A Criação e Instalação dos Primeiros Liceus Portugueses... , Oeiras, 1982, p. 89.

(2) –  Idem, 91-92

(3) – Cf. Idem, Ibidem.

(4) – Cf. José Pereira Tavares, "História do Liceu de Aveiro”, “Arquivo do Distrito de Aveiro”, vol. lll, Aveiro, 1937, p. 48. Apesar de citadas aqui a partir deste texto de José Pereira Tavares, existem no Arquivo da Escola Secundária de José Estêvão todos os livros de actas do Conselho Escolar, desde a criação do liceu até 1974.

(5) – Idem, p. 49.

(6) – Transcrição de José Pereira Tavares, idem, p.137.

(7)Catalogo-almanach da Imprensa Aveirense, Aveiro, 1884, p. 28.

(8)  – Marques Gomes, Memórias de Aveiro, 1875, p. 127.