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O TEATRO ESCOLAR NA LABOR
Uma consulta ao Índice Geral da LABOR, elaborado
por Falcão Machado e publicado em Junho de 1974, dá-nos conta da
divulgação dos seguintes artigos sobre TEATRO:
N.º – Título do Artigo – Autor
66-68, 70, 72, 73 – Os Presépios ou "Autos Pastoris"
da Figueira da Foz – Armando Coimbra.
83 – A nossa comemoração vicentina – José Pereira
Tavares.
84 – A crítica social e a natureza do teatro de Gil
Vicente – Feliciano Ramos.
87-88 – A Mulher e o Diabo em Gil Vicente Manuel
– Manuel Cruz Malpique.
92 – A comemoração do IV Centenário de Gil Vicente na
Universidade de Bordéus – Alfredo de Carvalho
107 – No centenário de Racine – Abel Bonnard
118 – O teatro nos Liceus – M.ª do Céu Novais
Faria
119 – O teatro no Liceu – José Pereira Tavares
120 – Ainda a respeito do teatro no Liceu – M.ª do
Céu Novais Faria
123 – O teatro no Liceu (esclarecimento) – M.ª do
Céu Novais Faria
126 – Ainda a propósito do teatro no Liceu – José
de Almeida Pavão Júnior
134 – Ainda, mais uma vez, a propósito do teatro no
Liceu – Pitta Simões
144 – O "Frei Luís de Sousa", uma obra dramática e
nacionalista – Virgínia de Carvalho Nunes
151 – Apontamentos sobre o "Intermezzo" de Jean
Giraudoux – José de Almeida Pavão Júnior
158, 161, 165 – Algumas considerações sobre o "Frei
Luís de Sousa" – Mário Fiúza
193 – O teatro alemão (autores e correntes
fundamentais) – Elviro Rocha Gomes
194 – Uma interpretação do "Frei Luís de Sousa"
– António Salgado Júnior
228, 229 – William Shakespeare (1567-1616) – umas
quantas notas de "clínica geral" – Manuel Cruz Malpique
235 – Gil Vicente (1465)-1537). Nos signo dos
comedores de rabanetes – Manuel Cruz Malpique
239 – No centenário de Gil Vicente. Depoimento de dois
jornais de Coimbra – António José Soares
241 – Gil Vicente no signo de Erasmo (1465)-1537)
– Manuel Cruz Malpique
264-267 – William Shakespeare. Foi ele o autor do
teatro que corre com o seu nome? – Manuel Cruz Malpique
277 – Crítica a "História do Teatro Português" de
Luciana Stegagno Picchio – José Pereira Tavares
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Focalizaremos a nossa atenção na sequência de artigos
insertos nas revistas n.º 118-120,126 e 134, por serem aqueles que
directamente se relacionam com a história do teatro nas escolas.
Na Labor n.º 119 (Janeiro de 1952), Maria do Céu Novais
Faria, professora do Liceu D. Manuel Il, aborda o tema num artigo de 7
páginas. Começa por reflectir sobre o valor social do teatro, partindo
duma retrospectiva histórica muito genérica desta manifestação artística
que considera "a mais perfeita imitação da vida", com uma função social
a cumprir, como um meio privilegiado "de difusão de cultura e um
processo de incutir, por sugestões, pela criação de estados
psicológicos, uma directriz de vida, a aspiração de um mundo melhor,
mais nobre, mais puro".
Seguidamente, a autora, reiterando o valor pedagógico do
teatro, defende a ideia de que esta forma de expressão deveria ser
implementada nos estabelecimentos de ensino. E aponta-lhe as vantagens:
excelente "subsídio ao estudo da língua pátria, possibilitando o
alargamento da cultura literária dos alunos (o programa de Português não
incluía mais do que algumas peças de Gil Vicente e um drama de Garrett)
, proporcionando oportunidades para comentários linguísticos, literários
e históricos nas sessões preparatórias dos ensaios, pela leitura
expressiva e comentada da peça a representar", abertas não só aos alunos
intérpretes mas ainda a outros alunos. São salientados ainda outros
aspectos vantajosos: acção divulgadora de cultura entre os educandos,
mas extensiva às famílias e amigos; "processo excelente de desenvolver o
bom gosto e as aptidões artísticas dos alunos"; e, para além do
aperfeiçoamento da leitura expressiva e dialogada nas aulas de
Português, o estudo mais profundo da época, da cenografia e do
vestuário, suscitaria a criação de hábitos de investigação. Como
vantagem mais apreciável é destacada a aproximação dos alunos e de
professores das várias secções, enaltecendo-se a ideia do trabalho em
grupo e da interdisciplinaridade: "obra estreita de colaboração (...) de
todos e para todos", fomentando "a sólida e leal camaradagem – que de
forma alguma exclui o necessário respeito mútuo (...) – , a Estima" e
que comprovadamente aumenta o próprio rendimento escolar. Ainda como
aspecto positivo, aponta Maria do Céu Novais Faria o facto de as
representações escolares contribuírem para "combater a timidez natural
em certas crianças e adolescentes ("a timidez é um verdadeiro
tormento!").
Por último, a autora chama a atenção para a importância
das festas escolares na aproximação da família e do liceu, "de
consequências preciosas para a acção educadora conjugada do Lar e da
Escola". Mudam-se os vocábulos, mas mantêm-se as ideias, apetece
comentar!...
Termina o seu artigo prometendo futuro texto sobre o
tema, lançando um repto a outros colegas para divulgarem o título do seu
"mais vasto saber e experiência".
Logo no mês seguinte, Fev.º de 1952, na LABOR n.º 119,
responde José Pereira Tavares, para quem o teatro no liceu era assunto
de "especial simpatia", embora "à margem de quanto os programas
oficiais" estatuíam.
Neste seu artigo, J. P. T. faz um conciso historial do
teatro didáctico no Liceu de Aveiro. Este relato aproxima-se, na
generalidade, do que vinha divulgando a partir do n.º 2 da LABOR, em que
iniciava a apresentação de uma "resenha (anual)
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das festas, récitas, excursões e conferências, promovidas pelo Liceu de
Aveiro". Na 1.ª delas, referente ao ano 1919-20, apontava esse mesmo ano
como aquele que marcou "uma revolução na vida interna do Liceu de
Aveiro, no que respeita às relações entre professores e alunos". Na base
deste marco estava a organização de um grupo cénico de alunos e alunas
dirigida por professores, "cujas representações se destinavam
especialmente aos estudantes e suas famílias".
Porque as palavras de José Pereira Tavares falam por si,
passamos a transcrever um excerto do artigo em referência (na LABOR n.º
119):
«Apoiado pelo Conselho Escolar e pelo Reitor, logo
pusemos mãos à obra, e em Março de 1920 subiam à cena, no Teatro
Aveirense, contíguo ao Liceu, o Monólogo do Vaqueiro, traduzido pelo
então aluno António Cértima; a Exortação da Guerra, precedida de
prólogo elucidativo; e a terceira jornada do Fidalgo Aprendiz,
além de duas comédias ligeiras.
Dado o grande sucesso do cometimento, representaram-se,
em Maio do mesmo ano, a Inês Pereira, e uma cena da Vida do
Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança, de António
José da Silva.
Nesse mês, em excursão, exemplificaram alunos do Liceu de
Aveiro o teatro de Gil Vicente em Braga, Guimarães, Viana do Castelo e
Viseu, com o Monólogo do Vaqueiro, Exortação da Guerra e
Inês Pereira. (...)
Seguindo orientação idêntica, representaram-se em
1920-1921 as peças Entre a Flauta e a Viola, de Camilo, e
Falar Verdade a Mentir, de Garrett.
Entre esse ano lectivo e o de 1935-1936, representações
doutro carácter se fizeram. Em 1936, novo surto de teatro didáctico, sob
a direcção do professor Dr. António Salgado Júnior, que escreveu a
fantasia Uma Lição de Gil Vicente, na qual perpassavam várias
figuras vicentinas: Diabo, Vaqueiro, Paio Vaz e Mofina Mendes; a Velha
do Quem Tem Farelos?; o Preguiçoso e o Brigão da Farsa do Juiz
da Beira, e as figuras dos pastorinhos – Cismeninha, Joana, Pedrinho
e Afonsinho, da Comédia de Rubena. Todas estas figuras foram
comentadas pelo ilustre professor no Arrazoado sobre Gil Vicente,
penetrante palestra de que a reposição da Lição foi acompanhada
em 1937.
E eis o que a partir de 1940 se tem feito neste Liceu:
1940-1941 – Fidalgo Aprendiz; 1941-1942 – Falar
Verdade a Mentir; 1942-1943 – Similia Similibus, de Júlio
Dinis, peça então inédita; 1943-1944 – Figuras Vicentinas,
arranjo nosso para apresentação de vários tipos vicentinos: Clérigo
e diabos Zebron e Danor, da Exortação; Preguiçoso;
Namorado; Velha; Todo o Mundo e Ninguém; Cananeia; Físico Torres;
Aníbal, da Exortação e Cavaleiros e o Anjo do
final do Auto da Barca do Inferno; 1944-1945 – A Volta
Inesperada de Castilho; 1946-1947 – A Mulher, de Coelho Neto;
1948-1949 – Exortação da Guerra; 1949-1950 – El-Rei Seleuco,
de Camões; 1950-1951- Inês Pereira; e no presente ano (1952) está
em ensaios a Assembleia ou Partida, de Correia Garção.
Algumas tentativas idênticas têm sido feitas noutros
Liceus. Além daquelas (...) temos conhecimento de uma récita organizada
no Liceu de Viseu, em 1936, com as peças Inês Pereira e EI Rei
Seleuco.
Nunca é demais encarecer as vantagens do teatro liceal,
quando inteligentemente dirigido por professores."
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De espírito inovador e pioneiro, José Pereira Tavares
sonhava para o liceu, embora "em bases mais modestas", "aquilo que
estavam fazendo a Direcção do Teatro Nacional e o Teatro dos Estudantes
da Universidade de Coimbra".
Maria do Céu Novais Faria volta às páginas da LABOR, n.º
120, Março de 1952, com o objectivo de cumprir a promessa anteriormente
anunciada: "apresentar algumas sugestões relativas às modalidades que as
representações nos Liceus podem revestir e a alguns obstáculos de ordem
prática".
Lembra, pertinentemente, que "em pedagogia nos deve
interessar mais o aspecto interno das coisas que a sua parte
espectacular" e de seguida reflecte sobre "o que" representar –
escasseava a literatura dramática infantil, mas poder-se-ia lançar mão à
adaptação de fábulas e outras poesias representáveis com "o auxílio de
um Narrador". As experiências relatadas servem de suporte às convicções:
as crianças gostam deste tipo de trabalho que "põe em actividade as suas
faculdades imaginativas" – sequencialização de textos produzida pelos
alunos, transposição de trechos narrativos em diálogo, são apontadas
como possíveis actividades preliminares das representações propriamente
ditas.
Já para os alunos mais velhos se propõe a representação
de "peças de maior envergadura", anunciando-se como recomendáveis as
peças de "teatro de costumes", moderno ou antigo, nacional ou mesmo
francês ou inglês. Gil Vicente é o dramaturgo sugerido em destaque, pela
sua grande variedade de peças, pela sua actualidade, porque em geral não
requer encenação complicada, é "um complemento natural e quase
indispensável das aulas de Português dedicadas a este autor. Não é posto
de parte o interesse em representar "peças escritas pelos próprios
alunos" – jogos florais, sessões culturais, surgem como meios de se
impulsionar essa produção.
Para os alunos de níveis etários mais avançados, do 6.º e
do 7.º anos, julga Maria do Céu Novais Faria que seria "interessante,
embora talvez pedir demais", trabalhar cenas escolhidas de "autores
franceses (e até ingleses)". Continua sempre presente a ideia de que
estas actividades deveriam ser um "complemento natural das aulas (...),
um estímulo para os alunos: criam neles hábitos de investigação,
avivam-lhes o interesse pelos problemas literários, aguçam-lhes o
sentido crítico, cultivam-lhes horizontes e enriquecem-lhes a cultura".
Como obstáculos, a autora levanta o problema do tempo,
contra o qual nem sempre a boa vontade vence. O espírito de colaboração
é considerado imprescindível e sugere-se que se desviem "para este
trabalho algumas horas consagradas a outras actividades da Mocidade
Portuguesa".
A escolha de elementos para a interpretação das peças
suscita outras dificuldades. Aponta-se como "recomendável a formação de
um Grupo Cénico do Liceu": aos estudantes com "aptidões artísticas mais
evidentes" caberia a actuação em "ocasiões mais solenes (festas de fim
de ano, por exemplo), reservando-se aos restantes alunos a possibilidade
de levarem a cabo as sessões de carácter mais íntimo".
"O maior dos embaraços – talvez o único grande embaraço
sério" – era a separação dos sexos nas escolas. Problema para o qual não
encontra a autora solução, "porque a solução que se lhe
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poderia achar seria porventura arrojada demais para se lhe dar
aceitamento"..."papéis masculinos ainda são toleráveis, se bem que a
custo, em raparigas; mas que assombrosamente ridículos seriam os rapazes
a interpretar figuras femininas!".
Quanto à questão dos ensaiadores, sublinha-se o papel do
"professor de Português (ou de línguas estrangeiras, para o caso de
sessões dedicadas a teatro não nacional)". Num desabafo pleno de
actualidade lamenta Maria do Céu Novais Faria a falta de preparação
pedagógica neste campo, a necessidade de os professores de línguas
receberem "lições de declamação, ou, pelo menos, de dicção", para além
da valorização das condições (económicas e outras) em que o estágio se
fazia.
Na LABOR n.º126, Dez. de 1952, é a vez de José de Almeida
Pavão Júnior, do Liceu de Ponta Delgada, voltar ao assunto, "Ainda a
propósito de teatro no Liceu".
Reiterando o incontestável valor formativo e pedagógico
do teatro, o autor aponta a dificuldade em conciliar o plano moral com o
artístico, no momento de aplicar critérios de selecção, não repelindo,
por isso, a ideia de "incluir nos programas peças traduzidas de autores
estrangeiros cujo mérito seja reconhecido", o que requer que o tradutor
possua qualidades que não impliquem a perda do valor dramático do
original.
A "imprescindível colaboração" dos professores de
Português volta a ser salientada na "indicação dos alunos que lhes
pareçam mais aptos para determinados papéis e que não tenham ainda
pisado o palco", sendo essencial também o devido respeito pela
personalidade daquele que, no trabalho de criação, interpreta
determinado papel, "segundo as propriedades do seu temperamento, que
conferem ao seu trabalho um aspecto criador".
A dicção merece também um apontamento de J. A. Pavão
Júnior: exercícios prévios de dicção ajudam a memorizar o conteúdo das
intervenções, auxiliam na expressão e constituem um primeiro estádio da
interpretação. A experiência de alguns anos conduzira a "uma longa e
honrosa tradição" no Liceu centenário de Ponta Delgada. Por ela tinham
já passado peças de Camões, D. Francisco Manuel de Melo, Garrett, Gil
Vicente, Castilho, Luís Oliveira Guimarães, Armando Cortes-Rodrigues e
Lúcio de Miranda, graças à cooperação de um pequeno núcleo de
professores "com a orientação técnica e artística de um amador local,
numa estreita colaboração de alunos de ambos os sexos em esplêndida
lição de camaradagem", espírito de cooperação, esforço, sacrifício e
responsabilidade. As receitas resultantes da venda de bilhetes ao
público são mencionadas como fonte de pagamento das "despesas de
montagem e vestuário, servindo também para apetrechamento do ginásio do
Liceu e de muito material de cena".
Preocupação dominante a não perder de vista é "o
cumprimento dos programas", que impõe um conselho: "não prosseguir sem
um estudo do problema, dentro de um plano pedagógico devidamente
sistematizado", de modo a não prejudicar o funcionamento normal das
actividades escolares obrigatórias.
Na LABOR n.º 134, Nov. de 1953, é publicado um texto
escrito em 2 de Março desse ano pelo professor Pitta Simões, do Liceu
Nacional Diogo Cão, Sá da Bandeira, Angola. Apresenta-se este docente
com modéstia, que diz ser-lhe muito peculiar e, por isso, já muito
conhecida: durante
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cerca de catorze anos fora profissional de teatro, orientador do teatro
nacional, designadamente em S. Carlos. Menciona ainda a sua experiência
na orientação e organização de "teatro académico, ensaiando, encenando,
montando, escolhendo repertório, etc., para as festas anuais escolares".
Aponta depois "um problema premente e da mais alta
importância (a carecer de estudo e de resolução): o de uma eficiente
orientação futura nesse Teatro a criar dentro do Ensino Liceal". O cerne
da proposta que poderemos considerar, no mínimo ousada, assenta na
"existência de um profissional acreditado, dentro de cada Liceu,
(incluído no Quadro), subordinado a um Conselho Artístico, composto por
professores formados no ramo das Letras". Esse técnico especializado na
"arte cénica" incumbir-se-ia da escolha do repertório, dos intérpretes,
da encenação das peças seleccionadas pelo dito conselho. Fundamenta esta
proposta com a constatação de que aos professores não é legítimo
exigir-se que sejam enciclopédicos, porque não possuem os conhecimentos
inerentes a profissionais habilitados por cursos do Conservatório de
Teatro.
À semelhança de uma experiência esporádica no Liceu Pedro
Nunes, em 1915/16 deveria o Ministério de Educação Nacional "criar, no
Ensino Secundário, a cadeira de Arte de Dizer e Interpretação", cuja
docência seria assegurada por um pedagogo de teatro, "de preferência com
o curso do Conservatório, e, na falta deste, de reconhecida competência
profissional", a colocar na escola "mediante concurso documental ou
público". "Três grandes vantagens" são afirmadas por Pitta Simões:
"...uma séria orientação do teatro escolar", que poria fim a um
"desaconselhável amadorismo", e consequente "rapidez de execução e
eficiência".
O segundo aspecto positivo seria a implementação da
"dicção artística" com todas as componentes desta disciplina da "arte de
dizer": ela favoreceria base útil na formação dos alunos com frutos
positivos não só para o "Teatro Escolar", também "fabricaria futuros
oradores, e perfeitos". Repare-se no tom que hoje se nos afigura
caricatural e cómico no excerto e que não resistimos a transcrever:
"Quantos e quantos alunos que frequentam hoje o Liceu se destinam a
carreiras, cujos atributos encerram a obrigatoriedade do discurso, da
palestra e da conferência públicas?...
Os políticos, os advogados, os diplomatas, os ministros,
os deputados, etc., e até os próprios professores dos Liceus e das
Universidades, não são forçados constantemente a proferir discurso? As
suas orações de sapiência?... E se entre eles se encontram excelentes
vocações, de quanto ridículo e de quanta inferioridade se revestem
outros, nessas andanças – duros ossos de ofício – quando os vemos em
atitudes verdadeiramente grotescas numa entonação e inflexão de voz
altitonantes, em estilo grandíloquo, em sonoridades tremebundas, de
goelas ressequidas, engolindo copos de água uns após outros, de artérias
tumefactas nas têmporas, e atormentados por um angustioso jogo
respiratório, numa perfeita arritmia de gestos, fatigados, arrasados,
terminando numa prostração e afonia, desastrosas, ao cabo de tanto
esforço inutilmente despendido!...
O profundo conhecimento da arte de bem respirar e os
segredos da arte de bem dizer, poupar-lhes-iam todo este rosário de
torturas e atribulações, conquistando-lhes facilmente, sem esforço
algum, com dignidade, o interesse e o imenso prazer do auditório a
escutá-los, com o
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compensador, merecido e natural aplauso aos seus trabalhos".
Como terceira vantagem "– de carácter social –" aponta
Pitta Simões o facto de a medida por ele propugnada poder dar o seu
contributo para se debelar a "pavorosa crise" do Teatro Nacional, fruto
da "anarquia" que lançava no desemprego, "inclusive os mais geniais, os
mais notáveis" . As digressões a África, às províncias e outros recursos
eram insuficientes para resolver esse problema que se diluiria se os
cinquenta estabelecimentos do ensino secundário existentes na altura
dispusessem dos seus próprios pedagogos de teatro.
Nem Cruz Malpique (pessoalmente instado a fazê-lo), nem
qualquer outro docente corresponderam ao apelo lançado no final deste
artigo? A LABOR n.º10 volta a dar à estampa qualquer outro texto
específico sobre experiências levadas a cabo no âmbito do "teatro
escolar".
No entanto, consultando o acervo da Biblioteca da nossa
Escola Secundária de José Estêvão, encontrámos em arquivo exemplares do
Anuário do Liceu de Aveiro, publicado até 1962/1963. Foi
deles que extraímos a seguinte relação de representações cénicas feitas
por alunos, a qual completa o historial do teatro representado por este
Liceu: no ano lectivo de 1952/53, As Estações, de Coelho Neto;
Vida do Grande Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança
(primeira cena) de António José da Silva; em 1953/54, Figuras
Vicentinas, José Pereira Tavares; A Sonata, (peça em um acto)
de Chagas Roquete; em 1954/55, de Almeida Garrett, representaram-se
Falar Verdade a Mentir, o final do segundo acto de Filipa de
Vilhena, O Alfageme de Santarém, (três cenas do segundo
acto), Frei Luís de Sousa (cena inicial e cenas finais do segundo
acto); Entre a Flauta e a Viola, peça em um acto de Camilo
Castelo Branco; Uma Filha para Dois Pais, peça em um acto de José
da Câmara Manuel. Em 1955/56, representou-se A Última Visita de
Pangloss, revista em três actos e sete quadros de José Pereira
Tavares, com colaboração musical de José Paiva Queirós; em 1956/ 57,
Coroa de Rosas, peça em um acto de Carlos Morais e O Tesoiro,
adaptação de José Pereira Tavares.
Em 1959/60, o Liceu celebrou o V Centenário da Morte do
Infante, realizando as Comemorações Henriquinas, nas quais se integrou a
representação dos seguintes textos dramáticos: As Henriquinas,
peça em dois actos, de Rosa Maria Mortágua Velho; Abraço Fraternal,
comédia em um acto; O Bobo, de M. J. Agra Regala; O Sonho do
Infante, de Laura Maria Rocha Dias, Monólogo do Infante, de
Maria Manuel Vidal Lima; Sonho e Glória, de Maria Otília Simões
Martins. Neste ano, foram ainda representadas dramatizações em Língua
estrangeira (Mr. Wiggins Paints The Sitting Room, algumas cenas
de Julius Caesar, de Shakespeare, Gesprach Am Runden Tisch),
O Príncipe das Mãos Vazias, de Adolfo Simões Müller, uma adaptação
do Auto de Mofina Mendes, algumas cenas do Bourgeois
Gentilhomme, de Molière, A Sapateira Prodigiosa, de Garcia
Lorca, Um Pedido de Casamento, de Anton Tchekov, A Gota de Mel,
de Leon Chancerell. Já em 1960/61, realizaram-se as Comemorações
Condestabrinas, nas quais se integraram representações como: D. Nuno
e El-Rei, de Maria Adriana Marques, A Batalha Milagrosa, de
Máxima Loff, D. Nuno e os Pobrezinhos, de Maria Armanda Oliveira,
Guerreiro e Santo, Maria Rosário Araújo Vidal, A Mais Bela
História, Rosa Maria Mortágua Velho,
Quadros da Vida de
/ 26 / Nun'Álvares, Verdade e Fantasia (
jogo cénico) da autoria de Maria Orquídea, alguns passos do Alfageme
de Santarém. Foram ainda levados à cena Three Men in a Boat,
Tudo Pode Acontecer de Correia Alves, Casamento da Franga,
A Palmatória, A Rica e a Pobre, A Florista. Em
1961/62, com direcção e encenação de Guerra de Abreu, representaram-se:
Tio Simplício e Amor da... Perdigão (farsa). Em 1962/63,
foram apresentados D. Beltrão de Figueiredo, Uma Chávena de
Chá e Amor do Finalista, respectivamente de Júlio Dantas,
José Carlos Santos e Nunes de Matos.
Cremos que a institucionalização do teatro nas escolas
não foi para além da sua prática mais ou menos assídua como actividade
extra-curricular, complementar. Vivendo um pouco à margem da
normatividade instituída, afinal, reconhecia-se-lhe valor como
dinamizadora dos saberes tradicionais. No fundo, sem grandes diferenças,
este panorama persistiu até à inserção da disciplina de "Oficina de
Expressão Dramática" nos currículos contemporâneos.
Começámos com uma história do tempo em que ainda não éramos nascidos...
Sabemos que connosco trabalham colegas que poderão dar o seu precioso
testemunho sobre o teatro na nossa escola, porque dele tiveram notícia,
ou como alunos ou como docentes. Aqui fica, pois, o desafio.
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Aveiro, Abril de 1996
Maria Alice L. de Pinho e Silva
Se se interessa pela actividade da LABOR e pretende
reforçar o grupo de professores que se juntaram para continuar a luta em
defesa da dignificação do exercício do magistério docente, da identidade
e da cultura pedagógica e profissional dos professores, fotocopie a
ficha seguinte e envie-a, depois de preenchida, para
Labor, Associação Cultural de Professores
Escola Secundária de José Estêvão
Avenida 25 de Abril
3810 AVEIRO
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