4ª Série - Número 1 - Dezembro de 1996 - pp. 19-26

  O TEATRO ESCOLAR NA LABOR

Uma consulta ao Índice Geral da LABOR, elaborado por Falcão Machado e publicado em Junho de 1974, dá-nos conta da divulgação dos seguintes artigos sobre TEATRO:

N.º  – Título do Artigo – Autor

66-68, 70, 72, 73 – Os Presépios ou "Autos Pastoris" da Figueira da Foz – Armando Coimbra.

83 – A nossa comemoração vicentina – José Pereira Tavares.

84 – A crítica social e a natureza do teatro de Gil Vicente – Feliciano Ramos.

87-88 – A Mulher e o Diabo em Gil Vicente  Manuel – Manuel Cruz Malpique.

92 – A comemoração do IV Centenário de Gil Vicente na Universidade de Bordéus – Alfredo de Carvalho

107 – No centenário de Racine – Abel Bonnard

118 – O teatro nos Liceus – M.ª do Céu Novais Faria

119 – O teatro no Liceu – José Pereira Tavares

120 – Ainda a respeito do teatro no Liceu – M.ª do Céu Novais Faria

123 – O teatro no Liceu (esclarecimento) – M.ª do Céu Novais Faria

126 – Ainda a propósito do teatro no Liceu – José de Almeida Pavão Júnior

134 – Ainda, mais uma vez, a propósito do teatro no Liceu – Pitta Simões

144 – O "Frei Luís de Sousa", uma obra dramática e nacionalista – Virgínia de Carvalho Nunes

151 – Apontamentos sobre o "Intermezzo" de Jean Giraudoux – José de Almeida Pavão Júnior

158, 161, 165 – Algumas considerações sobre o "Frei Luís de Sousa" – Mário Fiúza

193 – O teatro alemão (autores e correntes fundamentais) – Elviro Rocha Gomes

194 – Uma interpretação do "Frei Luís de Sousa" – António Salgado Júnior

228, 229 – William Shakespeare (1567-1616) – umas quantas notas de "clínica geral" – Manuel Cruz Malpique

235 – Gil Vicente (1465)-1537). Nos signo dos comedores de rabanetes – Manuel Cruz Malpique

239 – No centenário de Gil Vicente. Depoimento de dois jornais de Coimbra – António José Soares

241 – Gil Vicente no signo de Erasmo (1465)-1537) – Manuel Cruz Malpique

264-267 – William Shakespeare. Foi ele o autor do teatro que corre com o seu nome? – Manuel Cruz Malpique

277 – Crítica a "História do Teatro Português" de Luciana Stegagno Picchio – José Pereira Tavares / 20 /

 

Focalizaremos a nossa atenção na sequência de artigos insertos nas revistas n.º 118-120,126 e 134, por serem aqueles que directamente se relacionam com a história do teatro nas escolas.

Na Labor n.º 119 (Janeiro de 1952), Maria do Céu Novais Faria, professora do Liceu D. Manuel Il, aborda o tema num artigo de 7 páginas. Começa por reflectir sobre o valor social do teatro, partindo duma retrospectiva histórica muito genérica desta manifestação artística que considera "a mais perfeita imitação da vida", com uma função social a cumprir, como um meio privilegiado "de difusão de cultura e um processo de incutir, por sugestões, pela criação de estados psicológicos, uma directriz de vida, a aspiração de um mundo melhor, mais nobre, mais puro".

Seguidamente, a autora, reiterando o valor pedagógico do teatro, defende a ideia de que esta forma de expressão deveria ser implementada nos estabelecimentos de ensino. E aponta-lhe as vantagens: excelente "subsídio ao estudo da língua pátria, possibilitando o alargamento da cultura literária dos alunos (o programa de Português não incluía mais do que algumas peças de Gil Vicente e um drama de Garrett) , proporcionando oportunidades para comentários linguísticos, literários e históricos nas sessões preparatórias dos ensaios, pela leitura expressiva e comentada da peça a representar", abertas não só aos alunos intérpretes mas ainda a outros alunos. São salientados ainda outros aspectos vantajosos: acção divulgadora de cultura entre os educandos, mas extensiva às famílias e amigos; "processo excelente de desenvolver o bom gosto e as aptidões artísticas dos alunos"; e, para além do aperfeiçoamento da leitura expressiva e dialogada nas aulas de Português, o estudo mais profundo da época, da cenografia e do vestuário, suscitaria a criação de hábitos de investigação. Como vantagem mais apreciável é destacada a aproximação dos alunos e de professores das várias secções, enaltecendo-se a ideia do trabalho em grupo e da interdisciplinaridade: "obra estreita de colaboração (...) de todos e para todos", fomentando "a sólida e leal camaradagem – que de forma alguma exclui o necessário respeito mútuo (...) – , a Estima" e que comprovadamente aumenta o próprio rendimento escolar. Ainda como aspecto positivo, aponta Maria do Céu Novais Faria o facto de as representações escolares contribuírem para "combater a timidez natural em certas crianças e adolescentes ("a timidez é um verdadeiro tormento!").

Por último, a autora chama a atenção para a importância das festas escolares na aproximação da família e do liceu, "de consequências preciosas para a acção educadora conjugada do Lar e da Escola". Mudam-se os vocábulos, mas mantêm-se as ideias, apetece comentar!...

Termina o seu artigo prometendo futuro texto sobre o tema, lançando um repto a outros colegas para divulgarem o título do seu "mais vasto saber e experiência".

 

Logo no mês seguinte, Fev.º de 1952, na LABOR n.º 119, responde José Pereira Tavares, para quem o teatro no liceu era assunto de "especial simpatia", embora "à margem de quanto os programas oficiais" estatuíam.

Neste seu artigo, J. P. T. faz um conciso historial do teatro didáctico no Liceu de Aveiro. Este relato aproxima-se, na generalidade, do que vinha divulgando a partir do n.º 2 da LABOR, em que iniciava a apresentação de uma "resenha (anual) / 21 / das festas, récitas, excursões e conferências, promovidas pelo Liceu de Aveiro". Na 1.ª delas, referente ao ano 1919-20, apontava esse mesmo ano como aquele que marcou "uma revolução na vida interna do Liceu de Aveiro, no que respeita às relações entre professores e alunos". Na base deste marco estava a organização de um grupo cénico de alunos e alunas dirigida por professores, "cujas representações se destinavam especialmente aos estudantes e suas famílias".

Porque as palavras de José Pereira Tavares falam por si, passamos a transcrever um excerto do artigo em referência (na LABOR n.º 119):

«Apoiado pelo Conselho Escolar e pelo Reitor, logo pusemos mãos à obra, e em Março de 1920 subiam à cena, no Teatro Aveirense, contíguo ao Liceu, o Monólogo do Vaqueiro, traduzido pelo então aluno António Cértima; a Exortação da Guerra, precedida de prólogo elucidativo; e a terceira jornada do Fidalgo Aprendiz, além de duas comédias ligeiras.

Dado o grande sucesso do cometimento, representaram-se, em Maio do mesmo ano, a Inês Pereira, e uma cena da Vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança, de António José da Silva.

Nesse mês, em excursão, exemplificaram alunos do Liceu de Aveiro o teatro de Gil Vicente em Braga, Guimarães, Viana do Castelo e Viseu, com o Monólogo do Vaqueiro, Exortação da Guerra e Inês Pereira. (...)

Seguindo orientação idêntica, representaram-se em 1920-1921 as peças Entre a Flauta e a Viola, de Camilo, e Falar Verdade a Mentir, de Garrett.

Entre esse ano lectivo e o de 1935-1936, representações doutro carácter se fizeram. Em 1936, novo surto de teatro didáctico, sob a direcção do professor Dr. António Salgado Júnior, que escreveu a fantasia Uma Lição de Gil Vicente, na qual perpassavam várias figuras vicentinas: Diabo, Vaqueiro, Paio Vaz e Mofina Mendes; a Velha do Quem Tem Farelos?; o Preguiçoso e o Brigão da Farsa do Juiz da Beira, e as figuras dos pastorinhos – Cismeninha, Joana, Pedrinho e Afonsinho, da Comédia de Rubena. Todas estas figuras foram comentadas pelo ilustre professor no Arrazoado sobre Gil Vicente, penetrante palestra de que a reposição da Lição foi acompanhada em 1937.

E eis o que a partir de 1940 se tem feito neste Liceu:

1940-1941 – Fidalgo Aprendiz; 1941-1942 – Falar Verdade a Mentir; 1942-1943 – Similia Similibus, de Júlio Dinis, peça então inédita; 1943-1944 – Figuras Vicentinas, arranjo nosso para apresentação de vários tipos vicentinos: Clérigo e diabos Zebron e Danor, da Exortação; Preguiçoso; Namorado; Velha; Todo o Mundo e Ninguém; Cananeia; Físico Torres; Aníbal, da Exortação e Cavaleiros e o Anjo do final do Auto da Barca do Inferno; 1944-1945 – A Volta Inesperada de Castilho; 1946-1947 – A Mulher, de Coelho Neto; 1948-1949 – Exortação da Guerra; 1949-1950 – El-Rei Seleuco, de Camões; 1950-1951- Inês Pereira; e no presente ano (1952) está em ensaios a Assembleia ou Partida, de Correia Garção.

Algumas tentativas idênticas têm sido feitas noutros Liceus. Além daquelas (...) temos conhecimento de uma récita organizada no Liceu de Viseu, em 1936, com as peças Inês Pereira e EI Rei Seleuco.

Nunca é demais encarecer as vantagens do teatro liceal, quando inteligentemente dirigido por professores." / 22 /

De espírito inovador e pioneiro, José Pereira Tavares sonhava para o liceu, embora "em bases mais modestas", "aquilo que estavam fazendo a Direcção do Teatro Nacional e o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra".

Maria do Céu Novais Faria volta às páginas da LABOR, n.º 120, Março de 1952, com o objectivo de cumprir a promessa anteriormente anunciada: "apresentar algumas sugestões relativas às modalidades que as representações nos Liceus podem revestir e a alguns obstáculos de ordem prática".

Lembra, pertinentemente, que "em pedagogia nos deve interessar mais o aspecto interno das coisas que a sua parte espectacular" e de seguida reflecte sobre "o que" representar – escasseava a literatura dramática infantil, mas poder-se-ia lançar mão à adaptação de fábulas e outras poesias representáveis com "o auxílio de um Narrador". As experiências relatadas servem de suporte às convicções: as crianças gostam deste tipo de trabalho que "põe em actividade as suas faculdades imaginativas" – sequencialização de textos produzida pelos alunos, transposição de trechos narrativos em diálogo, são apontadas como possíveis actividades preliminares das representações propriamente ditas.

Já para os alunos mais velhos se propõe a representação de "peças de maior envergadura", anunciando-se como recomendáveis as peças de "teatro de costumes", moderno ou antigo, nacional ou mesmo francês ou inglês. Gil Vicente é o dramaturgo sugerido em destaque, pela sua grande variedade de peças, pela sua actualidade, porque em geral não requer encenação complicada, é "um complemento natural e quase indispensável das aulas de Português dedicadas a este autor. Não é posto de parte o interesse em representar "peças escritas pelos próprios alunos" – jogos florais, sessões culturais, surgem como meios de se impulsionar essa produção.

Para os alunos de níveis etários mais avançados, do 6.º e do 7.º anos, julga Maria do Céu Novais Faria que seria "interessante, embora talvez pedir demais", trabalhar cenas escolhidas de "autores franceses (e até ingleses)". Continua sempre presente a ideia de que estas actividades deveriam ser um "complemento natural das aulas (...), um estímulo para os alunos: criam neles hábitos de investigação, avivam-lhes o interesse pelos problemas literários, aguçam-lhes o sentido crítico, cultivam-lhes horizontes e enriquecem-lhes a cultura".

Como obstáculos, a autora levanta o problema do tempo, contra o qual nem sempre a boa vontade vence. O espírito de colaboração é considerado imprescindível e sugere-se que se desviem "para este trabalho algumas horas consagradas a outras actividades da Mocidade Portuguesa".

A escolha de elementos para a interpretação das peças suscita outras dificuldades. Aponta-se como "recomendável a formação de um Grupo Cénico do Liceu": aos estudantes com "aptidões artísticas mais evidentes" caberia a actuação em "ocasiões mais solenes (festas de fim de ano, por exemplo), reservando-se aos restantes alunos a possibilidade de levarem a cabo as sessões de carácter mais íntimo".

"O maior dos embaraços – talvez o único grande embaraço sério" – era a separação dos sexos nas escolas. Problema para o qual não encontra a autora solução, "porque a solução que se lhe / 23 / poderia achar seria porventura arrojada demais para se lhe dar aceitamento"..."papéis masculinos ainda são toleráveis, se bem que a custo, em raparigas; mas que assombrosamente ridículos seriam os rapazes a interpretar figuras femininas!".

Quanto à questão dos ensaiadores, sublinha-se o papel do "professor de Português (ou de línguas estrangeiras, para o caso de sessões dedicadas a teatro não nacional)". Num desabafo pleno de actualidade lamenta Maria do Céu Novais Faria a falta de preparação pedagógica neste campo, a necessidade de os professores de línguas receberem "lições de declamação, ou, pelo menos, de dicção", para além da valorização das condições (económicas e outras) em que o estágio se fazia.

 

Na LABOR n.º126, Dez. de 1952, é a vez de José de Almeida Pavão Júnior, do Liceu de Ponta Delgada, voltar ao assunto, "Ainda a propósito de teatro no Liceu".

Reiterando o incontestável valor formativo e pedagógico do teatro, o autor aponta a dificuldade em conciliar o plano moral com o artístico, no momento de aplicar critérios de selecção, não repelindo, por isso, a ideia de "incluir nos programas peças traduzidas de autores estrangeiros cujo mérito seja reconhecido", o que requer que o tradutor possua qualidades que não impliquem a perda do valor dramático do original.

A "imprescindível colaboração" dos professores de Português volta a ser salientada na "indicação dos alunos que lhes pareçam mais aptos para determinados papéis e que não tenham ainda pisado o palco", sendo essencial também o devido respeito pela personalidade daquele que, no trabalho de criação, interpreta determinado papel, "segundo as propriedades do seu temperamento, que conferem ao seu trabalho um aspecto criador".

A dicção merece também um apontamento de J. A. Pavão Júnior: exercícios prévios de dicção ajudam a memorizar o conteúdo das intervenções, auxiliam na expressão e constituem um primeiro estádio da interpretação. A experiência de alguns anos conduzira a "uma longa e honrosa tradição" no Liceu centenário de Ponta Delgada. Por ela tinham já passado peças de Camões, D. Francisco Manuel de Melo, Garrett, Gil Vicente, Castilho, Luís Oliveira Guimarães, Armando Cortes-Rodrigues e Lúcio de Miranda, graças à cooperação de um pequeno núcleo de professores "com a orientação técnica e artística de um amador local, numa estreita colaboração de alunos de ambos os sexos em esplêndida lição de camaradagem", espírito de cooperação, esforço, sacrifício e responsabilidade. As receitas resultantes da venda de bilhetes ao público são mencionadas como fonte de pagamento das "despesas de montagem e vestuário, servindo também para apetrechamento do ginásio do Liceu e de muito material de cena".

Preocupação dominante a não perder de vista é "o cumprimento dos programas", que impõe um conselho: "não prosseguir sem um estudo do problema, dentro de um plano pedagógico devidamente sistematizado", de modo a não prejudicar o funcionamento normal das actividades escolares obrigatórias.

 

Na LABOR n.º 134, Nov. de 1953, é publicado um texto escrito em 2 de Março desse ano pelo professor Pitta Simões, do Liceu Nacional Diogo Cão, Sá da Bandeira, Angola. Apresenta-se este docente com modéstia, que diz ser-lhe muito peculiar e, por isso, já muito conhecida: durante / 24 / cerca de catorze anos fora profissional de teatro, orientador do teatro nacional, designadamente em S. Carlos. Menciona ainda a sua experiência na orientação e organização de "teatro académico, ensaiando, encenando, montando, escolhendo repertório, etc., para as festas anuais escolares".

Aponta depois "um problema premente e da mais alta importância (a carecer de estudo e de resolução): o de uma eficiente orientação futura nesse Teatro a criar dentro do Ensino Liceal". O cerne da proposta que poderemos considerar, no mínimo ousada, assenta na "existência de um profissional acreditado, dentro de cada Liceu, (incluído no Quadro), subordinado a um Conselho Artístico, composto por professores formados no ramo das Letras". Esse técnico especializado na "arte cénica" incumbir-se-ia da escolha do repertório, dos intérpretes, da encenação das peças seleccionadas pelo dito conselho. Fundamenta esta proposta com a constatação de que aos professores não é legítimo exigir-se que sejam enciclopédicos, porque não possuem os conhecimentos inerentes a profissionais habilitados por cursos do Conservatório de Teatro.

À semelhança de uma experiência esporádica no Liceu Pedro Nunes, em 1915/16 deveria o Ministério de Educação Nacional "criar, no Ensino Secundário, a cadeira de Arte de Dizer e Interpretação", cuja docência seria assegurada por um pedagogo de teatro, "de preferência com o curso do Conservatório, e, na falta deste, de reconhecida competência profissional", a colocar na escola "mediante concurso documental ou público". "Três grandes vantagens" são afirmadas por Pitta Simões: "...uma séria orientação do teatro escolar", que poria fim a um "desaconselhável amadorismo", e consequente "rapidez de execução e eficiência".

O segundo aspecto positivo seria a implementação da "dicção artística" com todas as componentes desta disciplina da "arte de dizer": ela favoreceria base útil na formação dos alunos com frutos positivos não só para o "Teatro Escolar", também "fabricaria futuros oradores, e perfeitos". Repare-se no tom que hoje se nos afigura caricatural e cómico no excerto e que não resistimos a transcrever: "Quantos e quantos alunos que frequentam hoje o Liceu se destinam a carreiras, cujos atributos encerram a obrigatoriedade do discurso, da palestra e da conferência públicas?...

Os políticos, os advogados, os diplomatas, os ministros, os deputados, etc., e até os próprios professores dos Liceus e das Universidades, não são forçados constantemente a proferir discurso? As suas orações de sapiência?... E se entre eles se encontram excelentes vocações, de quanto ridículo e de quanta inferioridade se revestem outros, nessas andanças – duros ossos de ofício – quando os vemos em atitudes verdadeiramente grotescas numa entonação e inflexão de voz altitonantes, em estilo grandíloquo, em sonoridades tremebundas, de goelas ressequidas, engolindo copos de água uns após outros, de artérias tumefactas nas têmporas, e atormentados por um angustioso jogo respiratório, numa perfeita arritmia de gestos, fatigados, arrasados, terminando numa prostração e afonia, desastrosas, ao cabo de tanto esforço inutilmente despendido!...

O profundo conhecimento da arte de bem respirar e os segredos da arte de bem dizer, poupar-lhes-iam todo este rosário de torturas e atribulações, conquistando-lhes facilmente, sem esforço algum, com dignidade, o interesse e o imenso prazer do auditório a escutá-los, com o / 25 / compensador, merecido e natural aplauso aos seus trabalhos".

Como terceira vantagem "– de carácter social –" aponta Pitta Simões o facto de a medida por ele propugnada poder dar o seu contributo para se debelar a "pavorosa crise" do Teatro Nacional, fruto da "anarquia" que lançava no desemprego, "inclusive os mais geniais, os mais notáveis" . As digressões a África, às províncias e outros recursos eram insuficientes para resolver esse problema que se diluiria se os cinquenta estabelecimentos do ensino secundário existentes na altura dispusessem dos seus próprios pedagogos de teatro.

 

Nem Cruz Malpique (pessoalmente instado a fazê-lo), nem qualquer outro docente corresponderam ao apelo lançado no final deste artigo? A LABOR n.º10 volta a dar à estampa qualquer outro texto específico sobre experiências levadas a cabo no âmbito do "teatro escolar".

No entanto, consultando o acervo da Biblioteca da nossa Escola Secundária de José Estêvão, encontrámos em arquivo exemplares do Anuário do Liceu de Aveiro, publicado até 1962/1963. Foi deles que extraímos a seguinte relação de representações cénicas feitas por alunos, a qual completa o historial do teatro representado por este Liceu: no ano lectivo de 1952/53, As Estações, de Coelho Neto; Vida do Grande Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança (primeira cena) de António José da Silva; em 1953/54, Figuras Vicentinas, José Pereira Tavares; A Sonata, (peça em um acto) de Chagas Roquete; em 1954/55, de Almeida Garrett, representaram-se Falar Verdade a Mentir, o final do segundo acto de Filipa de Vilhena, O Alfageme de Santarém, (três cenas do segundo acto), Frei Luís de Sousa (cena inicial e cenas finais do segundo acto); Entre a Flauta e a Viola, peça em um acto de Camilo Castelo Branco; Uma Filha para Dois Pais, peça em um acto de José da Câmara Manuel. Em 1955/56, representou-se A Última Visita de Pangloss, revista em três actos e sete quadros de José Pereira Tavares, com colaboração musical de José Paiva Queirós; em 1956/ 57, Coroa de Rosas, peça em um acto de Carlos Morais e O Tesoiro, adaptação de José Pereira Tavares.

Em 1959/60, o Liceu celebrou o V Centenário da Morte do Infante, realizando as Comemorações Henriquinas, nas quais se integrou a representação dos seguintes textos dramáticos: As Henriquinas, peça em dois actos, de Rosa Maria Mortágua Velho; Abraço Fraternal, comédia em um acto; O Bobo, de M. J. Agra Regala; O Sonho do Infante, de Laura Maria Rocha Dias, Monólogo do Infante, de Maria Manuel Vidal Lima; Sonho e Glória, de Maria Otília Simões Martins. Neste ano, foram ainda representadas dramatizações em Língua estrangeira (Mr. Wiggins Paints The Sitting Room, algumas cenas de Julius Caesar, de Shakespeare, Gesprach Am Runden Tisch), O Príncipe das Mãos Vazias, de Adolfo Simões Müller, uma adaptação do Auto de Mofina Mendes, algumas cenas do Bourgeois Gentilhomme, de Molière, A Sapateira Prodigiosa, de Garcia Lorca, Um Pedido de Casamento, de Anton Tchekov, A Gota de Mel, de Leon Chancerell. Já em 1960/61, realizaram-se as Comemorações Condestabrinas, nas quais se integraram representações como: D. Nuno e El-Rei, de Maria Adriana Marques, A Batalha Milagrosa, de Máxima Loff, D. Nuno e os Pobrezinhos, de Maria Armanda Oliveira, Guerreiro e Santo, Maria Rosário Araújo Vidal, A Mais Bela História, Rosa Maria Mortágua Velho, Quadros da Vida de / 26 / Nun'Álvares, Verdade e Fantasia ( jogo cénico) da autoria de Maria Orquídea, alguns passos do Alfageme de Santarém. Foram ainda levados à cena Three Men in a Boat, Tudo Pode Acontecer de Correia Alves, Casamento da Franga, A Palmatória, A Rica e a Pobre, A Florista. Em 1961/62, com direcção e encenação de Guerra de Abreu, representaram-se: Tio Simplício e Amor da... Perdigão (farsa). Em 1962/63, foram apresentados D. Beltrão de Figueiredo, Uma Chávena de Chá e Amor do Finalista, respectivamente de Júlio Dantas, José Carlos Santos e Nunes de Matos.

 

Cremos que a institucionalização do teatro nas escolas não foi para além da sua prática mais ou menos assídua como actividade extra-curricular, complementar. Vivendo um pouco à margem da normatividade instituída, afinal, reconhecia-se-lhe valor como dinamizadora dos saberes tradicionais. No fundo, sem grandes diferenças, este panorama persistiu até à inserção da disciplina de "Oficina de Expressão Dramática" nos currículos contemporâneos.

Começámos com uma história do tempo em que ainda não éramos nascidos... Sabemos que connosco trabalham colegas que poderão dar o seu precioso testemunho sobre o teatro na nossa escola, porque dele tiveram notícia, ou como alunos ou como docentes. Aqui fica, pois, o desafio.

Aveiro, Abril de 1996

Maria Alice L. de Pinho e Silva


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