As corporações dos bombeiros são compostas
principalmente por gente do povo, trabalhadores, pescadores, operários,
homens do campo ou das oficinas, das mais humildes profissões sociais.
Isto é uma verdadeira consagração, quase
diria uma auréola de santidade. São os mais pobres, os deserdados, os
que pouco ou nada têm a sofrer com o fogo, são esses mesmos, sem sombra
de inveja, sem ressentimentos da sorte, que mais se esforçam e se
arriscam para salvar a fortuna dos grandes. A mim, só pensar nisto, as
lágrimas me vêm logo aos olhos. Não se pode ter uma alma mais heróica,
mais magnânima.
Mas longe de mim poder pensar que esta
espantosa magnanimidade seja privilégio exclusivo dos braços fortes do
operário ou do cultivador dos campos. Todos se lembram de que, em
Lisboa, quando os sinos tocavam a fogo, o primeiro a aparecer no local
do sinistro, com os cabelos ao vento, com o machado e o martelo nas
mãos, com o coração a desdenhar dos perigos, era o Infante D. Afonso,
muito mais esplendoroso e mais belo no ataque ao incêndio do que pomposo
e cheio de fausto nas cerimónias da corte. Até lhe ficou, com a pressa
desses momentos, o nome popular e ingénuo com que o povo consagrou a sua
pitoresca personalidade e, por assim dizer, lhe gravou no caixão:
Arreda!
E, se aqueles que vivem mais do espírito e
da inteligência do que da força dos músculos, os chamados intelectuais,
não aguentam frente a frente com os esforços de lutas tamanhas, não
deixam no entanto de comparecer no teatro do valoroso combate, fazendo
aquilo de que é capaz a sua carne mais frágil: levar algum balde de água
à mangueira ou ajudar em pequenos acessórios detalhes o génio e o
esforço dos grandes trabalhadores. Todos ali se encontram juntos,
verdadeiramente nivelados, nessa obra de salvação!
Aveiro, 29 de Dezembro de 1956
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