Escola Secundária José Estêvão, n.º 13, Set.- Dez. de 1994


Em várias ocasiões, ao ser citado ou publicado, identificam-me como poeta, matemático e professor de Matemática. O nosso Chefe de Redacção, Manuel Arcêncio da Silva, assim fez a encabeçar a publicação de um texto no boletim da Mediateca da Câmara Municipal da Murtosa.

Só a última classificação tem algum sentido e pode ser considerado próximo da verdade afirmar que Arsélio Martins é professor do ensino secundário de Matemática. O resto é qualquer coisa que pode ter a ver com a mania brasileira e portuguesa de sermos todos doutores ou engenheiros. Vamos tentar ser naturais e simples e, para ajudar a tentativa, vou começar por tentar provar que não devo ser apelidado de "matemático".

Dieudonné é um grande matemático e vai dar-me uma ajuda para esclarecer a confusão correntemente praticada de haver quem chame matemático a um professor de matemática, por exemplo.

"O termo de «músico», na linguagem corrente, pode designar um compositor, um intérprete ou um professor de Música, com sobreposições possíveis entre estas actividades. Do mesmo modo, por «matemático», pode entender-se um professor de Matemática, um utilizador das matemáticas, ou um matemático criador; e a ideia corrente é a que esta última espécie está agora extinta."

Mas tal não acontece, felizmente. E vale a pena esclarecer as diferenças entre o que é um professor de Matemática e um Matemático. Toda a gente sabe o que é um professor de Matemática. E toda a gente pressente que há professores de Matemática que serão matemáticos. Pouca gente saberá o que é ser matemático ou quem são os matemáticos. Diremos que um matemático é aquele que publicou pelo menos a demonstração de um teorema não trivial, ou seja, que descobriu e/ou demonstrou alguma coisa substantiva no desenvolvimento de algum dos imensos ramos da Matemática.

Se é verdade que há matemáticos que nunca foram professores de Matemática, é também verdade que uma grande maioria dos matemáticos se encontram entre os professores, raramente entre os professores do ensino secundário e muito frequentemente entre os professores do ensino superior. De facto, o trabalho dos matemáticos exige grande disponibilidade de tempo e, na actualidade, é no ensino superior universitário que se concentram as disponibilidades de tempo e meios para a comunicação entre os especialistas. / 17 /

O conjunto de provas prestadas para o ingresso e progressão em carreiras do ensino superior, que dependem muitas vezes de trabalhos escritos, a que se dá o nome de teses, levou a que se estabelecesse uma confusão entre professor do ensino superior de Matemática e matemático. Mas a "a grande maioria desses trabalhos é trivial, no sentido de que se limitam a tirar algumas consequências fáceis de princípios bem conhecidos. Muitas vezes, a tese destes "matemáticos" nem chega a ser publicada: inspirada por um orientador, ela reflecte mais a ideia deste que dos autores/ doutores.

Se isto é verdade para o mundo da matemática é verdade para a maioria das outras disciplinas do conhecimento. Um professor de economia pode não ser um economista, podendo ser um utilizador de economias alheias e até ministro.

O mesmo se pode dizer de um professor de Física, de Filosofia ou de Direito.

Agora a confusão pode ainda vir a ser maior. Um professor de Matemática é confundido com um matemático e por ser profissional da educação e ter estudado ciências da educação pode ser confundido com um cientista da educação. Há cientistas a mais para tão pouca produção científica.

Deus nos valha! E por amor de Deus não me arranjem responsabilidades que a minha vida enjeita.

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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