Escola Secundária José Estêvão, n.º 3, Abr. - Jun. de 1991

Estamos em tempo de mudança: projectam-se reformas curriculares e programáticas e novos acertos da rede escolar. A escola é assim, ela própria, um pálido reflexo das grandes convulsões planetárias. Não é, e talvez nunca venha a ser, o motor dos grandes arranques.

O que será então legitimo esperar dela? Que, ao menos, se comporte como um organismo vivo, de preferência consciente. Ou seja, dotado de estruturas capazes de assimilar e, sobretudo, de se reformar, em que cada equilíbrio é uma conquista provisória, promessa de novos desequilíbrios, Instabilidade, renovação, progresso.

Assim deverão ser a escola, o ensino e os seus agentes: sempre em processo. Ensinar/aprender é um permanente desafio. Temos de aprender/ensinar a mudar, num tempo em que planificar, mesmo a médio prazo, parece ser cada vez mais um risco, não suficientemente justificado. Se há que jogar na antecipação (e não tanto, mas talvez também na nossa bem conhecida capacidade de improvisação), há que saber o que antecipar: ganhar o futuro passa por aprender a mudar com a mudança. E a fazê-lo conscientemente.

A escola não é um laboratório, não é um bastião da investigação e muito menos uma academia de artes, mas também não é uma linha de montagem ou um museu arqueológico: espera-se dela que, cada vez mais, seja um organismo vivo, feito com gente viva, testemunho do presente, de um futuro ainda imprevisível. Pedir-lhe Isto não é bastante, mas será talvez demais. Da escola actual esperam-se estruturas mais dinâmicas, susceptíveis de capacitar para as novas exigências que se adivinham. O processo histórico que estamos a viver, na sua complexidade, não se compadece com a mera aquisição de competências. É um processo em aceleração contínua, em que qualquer aquisição rapidamente se transforma em objecto museológico.

Os novos adultos não vão poder simplesmente contentar-se com a aquisição de performances específicas. A criatividade, a apetência cultural (de preferência ecuménica), a abertura de espírito são outras tantas componentes a potencializar. E a potencializar também pela escola, que só conquistará a sua maioridade quando mais que um dispensador de conhecimentos souber tornar-se um objecto de desejo e que, no mínimo, seja um lugar interessante, habitado por gente interessante, onde acontecem coisas interessantes, ou seja, um lugar estimulante. E assim a escola será o que deve ser: o lugar onde apetece viver extra-horário curricular, onde cada acto, cada momento é vivido como um acto cultural, porque a escola, pela sua própria natureza não deve limitar-se a proteger e a recuperar valores culturais. Ela própria deve assumir-se como um objecto cultural, ser a cultura em acto. E o seu património mais valioso são indubitavelmente, as pessoas enquanto não seriadas nem reificadas.

São estas as grandes linhas de orientação que propomos. Não são meros princípios abstractos: são o produto de um mundo em efervescência, incompatível com uma perspectiva burocrática do ensino. Serão estes os pilares da escola a construir, se nós a quisermos, ou não será.

Na sequência destas considerações e, em face das possibilidades abertas pelas reformas em curso, há que proceder a ajustamentos na oferta curricular da escola.

À partida, consideramos não existirem razões que justifiquem alterações de vulto.

Em primeiro lugar, impõe-se que a escola possa recuperar condições mínimas que a tornem num local atraente e num verdadeiro centro de formação de jovens, mais apetrechados nos planos teórico-prático, mais criativos e com mais apetência por valores em risco de se perderem, porque são frágeis e necessitam de um terreno favorável; uma instituição à escala humana, onde existam espaço físico, espaço mental e espaço para relações afectivas, capazes de optimizar um desenvolvimento harmonioso de todos e de cada um. E isto supõe uma redução drástica nos seus efectivos. E, porque nos parece estar esta escola mais vocacionada para os anos imediatamente pré-universitários, sugerimos que tal redução se faça à custa da escolaridade obrigatória. Pesam nesta sugestão uma série de considerações: históricas (as suas origens e / 22 / a força da tradição, a experiência acumulada, a forte implantação na própria comunidade e a influência que nesta exerce, pela sua acção actual e passada e que teve na LABOR uma das suas expressões paradigmáticas mais marcantes}; materiais (as infra-estruturas de que dispõe – Laboratórios, Museu, Biblioteca, Gabinetes diversos, apetrechamento audiovisual e outros, o próprio espaço físico); humanos (um quadro definitivo de pessoal docente, relativamente estável, com uma larga e provada experiência neste nível de ensino e que, pelo prestígio conquistado, continua uma honrosa tradição).

Satisfeitos, pois, os requisitos mínimos, estão garantidas as condições que possibilitam à escola, com custos reduzidos para a qualidade do ensino e da formação dos jovens, nosso primeiro objectivo, continuar a dispensar uma gama de cursos variados, respondendo a uma procura muito alargada e aproveitando ao máximo a polivalência dos seus espaços e dos quadros humanos de que dispõe. Tudo isto torna quase inevitável que a oferta se estenda em áreas que vão dos cursos científicos aos humanísticos. Nesta última área o leque deverá ser alargado em relação ao actualmente existente no 12.º ano, já que assim o exigem a tradição, a dimensão e qualidade do quadro definitivo dos seus professores e o seu valioso património bibliográfico.

Na área científica deverão manter-se os cursos existentes por razões tão óbvias que não carecem de explicitação, com uma única excepção: a componente designada por Curso Técnico-Profissional, que constitui um desvio à vocação dominante da escola.

Resta a componente mais conhecida pelo nome de Educação Visual. Embora seja recente a nossa experiência neste campo, tem sido esta escola a única a proporcionar esta via a toda uma vastíssima população escolar. E, ao menos através de uma parte dos professores que constituem o respectivo grupo disciplinar, tem sido uma fonte de enriquecimento, mesmo em termos de espaço físico e na concepção e concretização dos projectos educativos da escola e outros. Tornou-se, em consequência, um elemento indispensável à dinâmica da escola, do qual há ainda multo a esperar.

O cumprimento do nosso projecto educativo não se esgota, porém, nas disciplinas curriculares. As actividades ditas extra-curriculares, não são marginais ou de somenos importância. A prova está feita, de anos anteriores. Mas, umas ou outras, curriculares ou não, não dispensam o aparecimento de projectos individuais ou de grupo, que levem à efectiva concretização das grandes linhas orientadoras aqui enunciadas. Sem dúvida que há projectos em marcha e ideias que ainda incipientes, poderão, no seu desenvolvimento lógico, encontradas as pessoas capazes de as fazer avançar, virem a ser poderosas alavancas da energética escolar e do espírito que preside ao projecto ora apresentado.

Em conclusão:

Novos projectos precisam-se.

Há projectos em curso, cuja vitalidade se mantém. Está prometida a sua continuidade. Há projectos em fase de arranque.

Precisam-se projectos novos e melhor definição de projectos já anunciados, mas ainda de forma um tanto vaga.

Havemos projectos, havemos expectativas.

Valerá a pena?

«Tudo vale a pena se a alma não é pequena.»


Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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