Escola Secundária José Estêvão, n.º 18, Fevereiro de 1997

 

Escolas dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico JOÃO AFONSO DE AVEIRO / Escola Secundária JOSÉ ESTÊVÃO

 

REFLEXÃO PARTICIPADA SOBRE

OS CURRÍCULOS DO ENSINO BÁSICO

 

Primeira Parte

 

I Enquadramento

Aceitando o desafio lançado pelo Departamento de Educação Básica, as escolas EB2/3 João Afonso de Aveiro e Secundária José Estêvão, por iniciativa própria e com o apoio do Centro de Formação José Pereira Tavares – Associação de Escolas do Concelho de Aveiro, decidiram associar-se e realizar, em conjunto, a primeira sessão de reflexão participada sobre os currículos do ensino básico.

A opção por um debate inter-escolas baseou-se nas razões seguintes:

1 – A dimensão global dos documentos enquadradores da reflexão, o carácter claramente transversal das problemáticas de fundo da profissão docente neles equacionadas e ainda a oportunidade feliz de poderem usufruir de um mesmo dia para pensar sobre os currículos do ensino básico permitiram a criação de condições adequadas a um encontro inter-escolas.

Encontro propiciador da abertura da brecha necessária no tradicional isolamento e desconhecimento mútuo em que, apesar da vizinhança, temos vivido.

 

2 – Tratando-se embora de uma escola básica e de uma escola secundária, do nosso ponto de vista, justifica-se plenamente o entrecruzamento de perspectivas: em primeiro lugar, porque grande número de alunos frequenta, sequencialmente, ao longo da sua escolaridade básica, estas duas escolas. Em segundo lugar porque ambas acolhem alunos do 3.º ciclo.

Como estratégia de trabalho optou-se, para a primeira parte do dia, pela realização de trabalho de grupo. Foram constituídos grupos multidisciplinares, inter-escolas, moderados por dois coordenadores, um de cada escola. Não foram impostas regras rígidas, nem quanto ao tempo, nem quanto à forma que assumiria a discussão dos documentos 1 e 2 da reflexão participada sobre os currículos do ensino básico. Esta metodologia levou a que a maioria dos grupos se debruçasse principalmente sobre o documento 1.

Da parte da tarde realizou-se um plenário de coordenadores, aberto a todos os professores que quisessem participar. Ali foram comunicadas e analisadas as conclusões dos diversos grupos e estabelecidos alguns consensos, havendo também lugar para a informação sobre as modalidades de trabalho adoptadas, o grau de participação e o clima verificados nos grupos.

3 – A opção por esta modalidade de reflexão inter-escolas não pretende substituir ou subestimar a reflexão interna, ao nível de escola. Consideramos, no entanto, que o debate que cada uma das instituições terá de ir fazendo poderá tomar-se mais rico se for alimentado por experiências complementares de reflexão realizadas em contextos mais abertos e em colaboração com outros parceiros menos familiares do que os habituais. Considerou-se que este tipo de prática propiciava a visibilização (sic) de novos ângulos de abordagem e o confronto de perspectivas mais vastas e diversificadas favorecendo a abertura às questões de gestão curricular flexível e centrada na escola.

 

4 – As nossas expectativas mais positivas sobre os frutos deste debate inter-escolas não se dirigem, no entanto, para / 6 / resultados com visibilidade imediata.

Temos consciência de que, para além de termos estado a discutir o "novo", de termos mexido em domínios, que praticamente não têm ainda história escrita, estivemos também a fazê-lo duma maneira nova. Trata-se de um primeiro encontro com tudo o que isso implica de aventura e de perplexidade, de lentidão na criação de um clima propício à expressão do pensamento próprio, à interpelação ou inter-crítica.

Confirmamos que a maioria dos grupos não pôde debruçar-se sobre todos os pontos do guião proposto, privilegiando a análise do documento 1, tendo sido bastante consensual a opinião dos participantes de que «no final da sessão é que estávamos prontos para começar».

Não poderá esperar-se, portanto, do trabalho destas duas escolas aquele conjunto de críticas e sugestões que permita, desde logo, entrever uma saída de qualidade para a gestão curricular autónoma e flexível ou para a realização do perfil de competências dos alunos à saída do ensino básico. Contudo, isso sim, fizemos da mudança um processo vivido.

Por outro lado, também, não nos restam ilusões: este dia de reflexão, consagrado nacionalmente, só pode ter um carácter inaugural e um efeito simbólico. Tudo o resto está por fazer e para fazer. Que tenhamos, ao menos, conseguido introduzir na dinâmica do trabalho que temos pela frente esse "quase nada" sem o qual nada muda: a dimensão do encontro.

 

 

II Síntese dos Resultados da Análise dos Documentos 1 e 2

 

Documento 1 :

Gestão Curricular . Linhas orientadoras


1 – Considera-se que a análise feita no documento está, em grande medida, adequada à realidade embora, em alguns aspectos mais adequada ao desejável do que à realidade.

Reconheceu-se que o documento, pela sua generalidade, é gerador de um consenso fácil e, por isso mesmo, algo perigoso. Exige pois um estudo continuado e aprofundado por documentos complementares que o tomem mais clarificador e transparente.

 

2 – Entre os aspectos relevantes não considerados na análise destacam-se os seguintes:

▪ Ausência de referência à importância da interacção sistémica na implementação da reforma

▪ Omissão relativa à pluralidade e conflitualidade de interesses dos grupos de pressão sobre a escola, a nível político, económico e cultural

▪ Omissão relativa às expectativas, frequentemente contraditórias dos encarregados de educação pertencentes a segmentos sociais e culturais diferenciados

▪ Ausência de referência à falta generalizada de participação dos parceiros sociais da escola, sem os quais a implementação da reforma é impossível

▪ Ignoram-se todos os pressupostos relativos às condições sociais dos alunos

▪ Ignoram-se as condições reais de funcionamento de grande número de escolas, nomeadamente, as já clássicas:

– superlotação

– ausência de condições físicas mínimas

– elevado número de alunos por turma

– carácter flutuante do corpo docente / 7 /

▪ Não é equacionada a problemática da avaliação e não são referidas as ambiguidades criadas pela própria administração, através de normativos sucessivos e contraditórios

▪ Não é feita uma abordagem do conceito de escola integrativa e dos problemas decorrentes de uma inclusão excessiva

▪ Ausência de análise da situação actual de desmotivação e mal estar dos professores

 

3. Como sugestões foram apontadas as seguintes:

▪ Reflexão participada sobre o que é a educação básica

▪ Discussão e definição do perfil desejável do professor da educação básica

▪ Integração da formação deontológica na formação inicial e continua dos professores

▪ Definição de uma nova função do professor orientada para o acompanhamento e apoio ao desenvolvimento humano dos alunos

▪ Implementação da aprendizagem e do ensino por áreas curriculares, ao nível do 2.º ciclo

▪ Redução do número de professores por turma com a apropriação, para o ensino regular, da filosofia de equipa pedagógica que existe no ensino recorrente.

▪ Redefinição do horário do professor, tendo em conta a complexidade de funções que ele deve assumir na escola básica actual e a importância do trabalho colegial para o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes

▪ Criação de modelos de formação inicial e continua de professores adequados aos problemas e desafios actuais da escola básica

▪ Criação de uma rede nacional de educação pré-escolar com carácter obrigatório

▪ Criação da disciplina de Português, como Língua Estrangeira, como medida de integração dos alunos vindos do estrangeiro

 

4. Relativamente à definição prévia de aquisições nucleares comuns a todos os alunos do ensino básico, considerou-se que ela é não apenas desejável e útil mas absolutamente imprescindível.

▪ Assegura uma certa uniformidade de pensamento sobre o que é fundamental na educação básica

▪ Permite a clarificação sobre os pré-requisitos necessários no início de cada novo ciclo de escolaridade

▪ Cria uma plataforma securizante na programação da aprendizagem e na realização da avaliação

▪ Facilita a articulação entre os ciclos de aprendizagem

▪ Evita que se ande à deriva

 

5. A flexibilização curricular de acordo com as decisões de cada escola foi considerada igualmente pertinente, embora se tenha reconhecido que ela acarreta, inevitavelmente, um acréscimo de complexidade e de incerteza à já muito complexa realidade das escolas.

Os professores estão conscientes de que esta margem de poder e de liberdade não é isenta de dificuldades, dado que contraria totalmente a cultura centralista de currículo que tem sido dominante no Sistema Educativo Português. Quer em termos de condições de realização, quer em termos de efeitos, foi considerado que a flexibilização curricular:

▪ Reforça a importância do Projecto Educativo de Escola

▪ Reclama o trabalho colegial

▪ Promove a autonomia da escola e dos professores

▪ Implica a construção de redes de colaboração entre a escola e a famílias

▪. Implica a construção de consensos e a interacção entre a escola e as instituições da comunidade, requerendo a clarificação de papeis específicos e a partilha de responsabilidades

▪ Reforça a legitimidade da Área-Escola e das actividades de complemento curricular / 8 /

▪ Implica alterações de fundo na concepção e utilização dos manuais escolares

▪ Exige o conhecimento e o reconhecimento da heterogeneidade social e cultural dos alunos

▪ Reclama maior estabilidade ao nível do corpo docente da escola

▪ Requer a colaboração dos Serviços de Psicologia Orientação

▪ Implica a problematização do próprio conceito de flexibilização integrando nele não apenas os conteúdos mas também as metodologias e estratégias de trabalho

 

6. Reconheceu-se a importância acrescida dos órgãos de gestão intermédia tendo sido, por isso, considerado necessário:

▪ Reforçar as competências dos líderes da gestão intermédia

▪ Qualificar os órgãos de gestão intermédia

▪ Promover a troca de experiências e de saberes entre escolas

▪ Considerar a autonomia como uma competência de grupo, a desenvolver em órgãos próprios, descentrando-a da perspectiva individualista em que, frequentemente é pensada

 

Analisando, de modo específico, o papel de alguns órgãos de gestão intermédia considera-se que ao Conselho Pedagógico deve caber a tarefa de definir e implementar a política global da escola.

Foi destacada, particularmente, a importância do Conselho de Turma e a relevância do papel do seu director. De facto, é neste órgão que têm de articular-se o currículo nacional, as opções globais de escola e a especificidade da !uma. A este órgão compete tomar decisões no domínio da gestão curricular, trabalhar no sentido da formação de uma equipa pedagógica, procurar assegurar a coerência e a unidade de acção dos professores. Ao director de turma cabe coordenar todo este processo e ainda assegurar a mediação entre o corpo docente, os alunos e as famílias. A realização séria de tais tarefas, pelo que exige de investimento pessoal, esforço e tempo, requer a requalificação deste órgão e do seu director.

 

Obviamente, considerou-se a Área-Escola como via privilegiada para a flexibilização e diferenciação curricular. A qualidade da realização depende, no entanto, de um conjunto de condições já enunciadas ao longo deste documento.

Do ponto de vista dos professores exige abertura à mudança, favorecendo a capacidade de abordar os saberes de uma forma global e de integrar equipas multidisciplinares.

Como temáticas indicaram-se as seguintes:

▪ Todas as que estão relacionados com a actualidade a nível social, cultural e ambiental

▪ Todos os temas fundadores da pessoa que ajudem os alunos a desenvolver-se e a construir a sua personalidade de modo global e harmonioso

 

Para além de temas propriamente ditos (educação para a cidadania, educação para os media, educação sexual, o meu bairro, Eu e o Outro, etc.) foram destacados processos de trabalho a implementar dada a sua transversalidade e o seu papel formador, como sejam:

▪ Recolha e tratamento de diversos tipos de informação

▪ Trabalho de grupo

▪ Comunicação de saberes

▪ Estratégias de estudo, organização pessoal, memorização, etc.

▪ Concepção e desenvolvimento de projectos / 9 /

 

Documento 2 :

Perfil de Competências à saída do ensino básico

1. Embora se considere fundamental a definição de competências no final do ensino básico, entendeu-se que essas competências deveriam ser melhor definidas para cada um dos ciclos que integram este nível de escolaridade.

A plena integração na sociedade exige uma formação e aprendizagem contínuas e, nessa medida, a definição de determinado tipo de competências é um requisito absolutamente necessário para que esse objectivo seja atingido.

A escola deverá então promover a formação global, mas não pode garantir por si só essa formação, atendendo a que a aquisição de determinadas competências dependem de vivências noutros contextos que não o exclusivamente escolar.

 

2. Todas as competências propostas são pertinentes, mas sublinhou-se que algumas dificilmente seriam adquiridas nos contextos em que a aprendizagem se desenvolve e com as condições físicas e materiais existentes; assim foram identificados os seguintes aspectos:

a) falta de material necessário (vídeos, computadores, livros) para o desenvolvimento das competências 4 e 5.

b) a integração dos alunos de estratos sociais muito carenciados e em muitos casos atingindo mesmo aspectos de degradação.

Para além de apoios de natureza material a todas as escolas, apontou-se ainda a necessidade de definir competências adequadas ao perfil daqueles alunos.

3. Apesar de se reconhecer que este perfil de competências é bastante exaustivo, considerou-se que algumas estão expressas de uma forma vaga e demasiado abrangente. O desenvolvimento do auto-controlo, a compreensão da actividade física e desportiva referendada ao desenvolvimento motor e cognitivo, à saúde e sociabilização do indivíduo, a capacidade de reflectir e usar o sentido crítico em diversos contextos, e o desenvolvimento da manualidade foram algumas das ideias avançadas pelos grupos de trabalho numa tentativa de clarificação dos aspectos referidos no documento.

 

4. Embora se tivesse considerado prematuro discutir as aprendizagens e aquisições nucleares sem o conhecimento dos documentos 3b e 3c, que as definem, entendeu-se que o perfil está adequado aos objectivos e conteúdos de aprendizagem do ensino básico. Salientou-se também a dificuldade de compatibilizar a aquisição de conteúdos com o desenvolvimento de competências transversais.

 

5. Considerou-se, em primeiro lugar, que todas as estratégias capazes de incentivar a participação e o envolvimento dos alunos na vida da escola são aspectos que devem ser objecto de uma reflexão por parte da comunidade educativa, de forma a que se crie o maior envolvimento possível.

A participação nos regulamentos e jornais de escola e o desenvolvimento dos projectos da área escola, qualquer que seja a sua natureza (multidisciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar), poderão ser exemplos da integração dos alunos na vida da escola numa aprendizagem para a cidadania.

Deram-se em seguida exemplos de operacionalização de competências transversais:

a) Reforçar os laços de intercâmbio entre a escola e a família e a escola e a sociedade.

b) Criar condições para uma maior corresponsabilização dos encarregados de educação.

c) Desenvolver actividades extracurriculares que envolvam alunos, professores, comunidade, promovendo o enriquecimento interpessoal.

d) Formar professores para um melhor desempenho nas áreas transdisciplinares e multidisciplinares.

e) Uniformizar critérios dentro de cada escola ■

 

 

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