Escola Secundária José Estêvão, n.º 17, Outubro de 1996

Manuel Arcêncio da Silva

Breve Análise de um Ciclo Completo do

Curso Tecnológico de Comunicação


1. Objectivos do presente trabalho

Pretende-se analisar alguns dados recolhidos por inquérito às duas turmas do Curso Tecnológico de Comunicação do 12.º ano, no fim do ano lectivo de 1995/96. Estas duas turmas constituem o fim de um ciclo de três anos de um novo esquema de ensino proposto pelos actuais modelos de curricula do Ensino Secundário, denominados Cursos Secundários Predominantemente Orientados para a Vida Activa (CSPOVA).

 

2. Os Cursos Tecnológicos

Os vários Cursos Tecnológicos vieram tentar colmatar uma falha que se fazia sentir no panorama do ensino secundário: a preparação de pessoas para ingressar na vida activa no fim do ensino secundário. Para alguns, seria o ressuscitar dos antigos cursos industriais e comerciais.

Em virtude da apetência dos alunos para estes cursos, provada pela procura verificada, as escolas viram-se na necessidade de efectuar uma seriação dos candidatos que todos os anos tentam a matrícula. Assim, podemos afirmar sem receio que os alunos matriculados em cada início de ciclo serão os melhores dos pretendentes desse ano. É importante sublinhar este facto. Mais tarde voltaremos a este assunto.

Os curricula dos Cursos Tecnológicos têm uma forte componente prática e tecnológica. Todos os cursos exigem a experimentação das teorias expendidas em várias disciplinas ao longo do curso, indo ao ponto de oferecer uma disciplina onde se aplicam, de forma interdisciplinar, os conhecimentos adquiridos ao longo do ano (i. é, Trabalhos de Aplicação, no caso do Curso Tecnológico de Comunicação).

O objectivo destes Cursos Tecnológicos é, já o dissemos, formar jovens com capacidades e competências para dar início a uma carreira técnica na vida activa. A oferta de um estágio profissional no fim do curso sublinha esta componente de inserção na Vida Activa de forma gradual – prevê-se um estágio não remunerado de três a seis meses em empresas que desejem aceitar os jovens diplomados.

No caso do Curso Tecnológico de Comunicação, o objectivo é o de preparar jovens com capacidades e competências para ingressar em empresas de comunicação, sejam elas jornais, rádios, televisões, agências de publicidade, mercado multimédia. É difícil estabelecer uma fronteira profissional para estes jovens, cujas aspirações ultrapassam os limites do possível e entram no campo da realização de sonhos antigos de cada um.

A tarefa do sistema de ensino é orientar os alunos ao longo de três anos de formação académica contínua, com três vertentes bem distintas: a formação geral, equiparada a todos os cursos secundários, compreendendo o ensino da língua materna, da filosofia e de uma língua estrangeira (Francês ou Inglês); a formação específica que versa o estudo de uma outra língua estrangeira (Francês, Inglês ou Alemão), Geografia e, no 12.º ano, Psicologia; a formação técnica-vocacional, que oferece o estudo da Comunicação e Difusão, Tecnologias Informáticas, Métodos Quantitativos e Trabalhos de Aplicação.

Este curriculum de três anos permite, na nossa óptica, uma formação minimamente adequada a quem deseja ingressar numa profissão relacionada com a comunicação social, ou que deseja perceber se tem vocação para uma formação académica de grau superior nessa área do saber humano. Em qualquer dos casos, será uma formação inicial que necessitará de uma continuação em termos mais práticos e já com trabalho de campo bem delimitado, pois este ensino, por força das limitações de tempo, espaço, material, e formação dos docentes, não permite toda a experimentação que seria desejável: as / 18 / escolas não têm estúdios de som para a produção de fonogramas, nem estúdios de vídeo para a produção de videogramas e, mesmo que os tivessem, os docentes implicados não teriam a formação necessária para o correcto manuseamento desses materiais.

Por aqui já podemos encontrar os dois grandes pecados capitais destes cursos: falta de recursos materiais e falta de recursos humanos.

Em relação aos recursos materiais, o Ministério, ao longo destes últimos três anos, tem, timidamente, tentado prover ao apetrechamento das escolas com cursos tecnológicos, só que os materiais chegam tarde para poderem ser integrados em programações sérias, e chegam em quantidades insuficientes para as necessidades reais, bem como as escolas não dispõem de espaços físicos que possam ser afectados definitivamente a esses materiais. Assim, mesmo que as escolas recebessem equipamento para formar um estúdio de som, faltaria uma sala adequada a esse fim e que pudesse ser transformado num estúdio e que pudesse ser desafectada do serviço de "aula normal".

Em relação à formação dos recursos humanos – os professores – jamais se fez fosse o que fosse em termos sistemáticos e sérios. As "Semanas dos Media" são realizações parcelares e que visam a animação da escola e nunca a formação de professores. A formação contínua (FOCO) também ainda não ofereceu qualquer curso neste campo.

À boa maneira portuguesa, faz-se o que se pode com o que se tem...

 

3. A motivação dos alunos e… dos professores

Como se sublinhou no ponto 2, os alunos matriculados em cada início de ciclo serão os melhores dos pretendentes desse ano. Assim sendo, a sua motivação deveria ser alta em relação ao curso, pois ninguém foi obrigado a matricular-se neste esquema curricular e todos os alunos seleccionados colocaram este curso em primeiro lugar na sua lista de preferências de matricula.

Tendo sido criado como uma forma de preparar futuros profissionais, com uma meta colocada a três anos de distância, cedo se constata que poucos são os alunos que estão sintonizados com o pensamento do Ministério, pois todos desejam prosseguir estudos após o ensino secundário – primeira falha do sistema. Conclui-se que os alunos estão mal informados em relação aos objectivos do curso, pois alguns trazem a ideia de que a frequência deste curso lhes dará prioridade na entrada para certos cursos médios ou superiores.

Sabendo-se que os alunos admitidos são os melhores dos candidatos, a motivação dos professores também é grande, pois espera-se trabalhar com alunos "apaixonados" pela arte de comunicar, quer pela escrita, quer pela fala, quer pela dramatização. Porém, cedo se compreende que poucos são os "apaixonados" e menos ainda os que sabem ler e escrever de forma inteligível. Cedo se compreende que os "melhores" estão ali, porque nos outros cursos havia física e matemática...

 

4. Algumas conclusões

Da experiência de três anos de trabalho com alunos deste Curso, podemos facilmente apontar alguns erros que importa corrigir:

a) Motivação dos alunos – a forma como se tem seleccionado os alunos será a forma mais fácil, mas a mais errada de todas, pois a ficha curricular diz pouco do aluno e dos seus interesses pessoais. Importava entrevistar os candidatos aos Cursos Tecnológicos, por forma a perceber a motivação do aluno e a testar as suas capacidades para acompanhar o curriculum proposto.

b) Motivação dos professores – dever-se-iam oferecer aos docentes reciclagens frequentes – o FOCO não tem respondido a esta lacuna, limitando-se a espargir créditos –, tendo em vista a docência de cursos tecnológicos, com as suas vertentes de experimentação e verificação, bem como dando aos professores novas e renovadas competências nas áreas tecnológicas.

d) Recursos Materiais – as escolas necessitam de uma renovação urgente do seu parque tecnológico. Os equipamentos deveriam ser adquiridos / 19 / pelas escolas, com supervisão das Direcções Regionais e do Tribunal de Contas, havendo provisão de verbas em orçamento que pudessem satisfazer a aquisição, actualização e manutenção futura desses equipamentos. As escolas recebem equipamento quando já não podem programar a sua utilização e muitas vezes esse equipamento já está tecnologicamente ultrapassado, sem que se possa devolver ou actualizar. Este facto é claro quando se trata de equipamento informático: os concursos são abertos em Setembro, as adjudicações são efectuadas em Novembro e as entregas em Janeiro... de equipamento de Maio... oito meses passaram sobre esse equipamento... mais que o suficiente para o tornar mais que obsoleto, quer no preço, quer na qualidade. Aqui, o Ministério pouparia alguns milhões de contos em cada ano lectivo, se realmente entregasse às escolas essa tarefa.

A rede escolar deveria ser repensada de forma a oferecer às comunidades em que se inserem as diversas escolas um leque de opções que permitisse que os alunos não necessitassem de deslocações longínquas para frequentar os cursos desejados, permitindo que a distribuição dos alunos pelas escolas ajudasse a "normalizar" as escolas em termos de população discente.

e) Curriculum – seria necessário repensar as várias rubricas de cada disciplina, tendo em consideração a especificidade de cada Curso Tecnológico, de forma a integrar nessas disciplinas os gostos dos alunos. Por exemplo, que sentido fará a um aluno do Curso Tecnológico de Informática estudar as questões relacionadas com o "Generation Gap" em Inglês, quando o que ele quer é ter acesso a informações técnicas? Assim, o Inglês poderia lançar mão a vários recursos – mais que o Francês –, e motivar profundamente os alunos dessa área: milhentas revistas sobre informática com artigos muito bons; a Internet como recurso educativo e de pesquisa bibliográfica, etc.

f) Estágio Profissional – deveria ser integrado no curso e não aparecer como um apêndice optativo. Este estágio deveria ter uma forte componente reflexiva sobre as práticas profissionais dos estagiários, servindo-se de um Seminário como método de corporizar essa reflexão. Este estágio final deveria ser a coroa de dois pré-estágios anteriores e que absorvessem os alunos "durante algum tempo das férias do Verão do 10.º e do 11.º ano. Serviriam para mostrar aos alunos um pouco da realidade que os espera no mercado de trabalho, ao mesmo tempo que os motivaria para continuar o seu trabalho académico ou, noutros casos, poderiam ajudar os indecisos a optar por outro curso, logo no 10.º ano.

 

5. O Inquérito

No fim do 12.º ano do Curso Tecnológico de Comunicação, aplicámos um inquérito à totalidade dos alunos das duas turmas, que tinham feito um percurso de três anos de formação. As respostas estão expressas em termos gráficos.

Não faremos qualquer análise dos resultados deste inquérito, pois apenas se pretendeu coligir opiniões dos implicados que ajudassem a uma reflexão pessoal sobre o trabalho realizado ao longo desses três anos. Não foi um inquérito estudado e depurado para servir como instrumento cientificamente válido, pelo que quaisquer conclusões que se possam retirar enfermam de falta de qualidade e validação. Assim, estas respostas, quantificadas em alguns gráficos, apenas podem servir como espelho de um trabalho realizado com alunos específicos ao longo de três anos. Fecham um ciclo de reflexão pessoal e abrem portas a várias questões que foram sendo apontadas nas linhas acima transcritas. Esperamos que possam ajudar outros a reflectir nesta questão da formação de técnicos intermédios para a sociedade portuguesa, com as portas abertas à Europa.

Numa próxima oportunidade, voltaremos a este tema, apresentando a análise da evolução de uma das turmas ao longo do curso, as suas classificações e o grau de sucesso conseguido pelos alunos, bem como o que aconteceu a esses alunos, se ingressaram no ensino superior, ou se estão no mercado de trabalho.

(Seguem-se, nas páginas seguintes, as questões e os gráficos ilustrativos das respostas)
 

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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págs. 17 a 19