Acesso à Hierarquis Superior.

Posfácio

À medida que o leitor foi lendo este livro, certamente lhe apeteceu continuá-lo. Ou, talvez, alterar um ou outro episódio, se mais não seja para substituir um verbo por algum termo mais vernáculo. Mas, certamente, continuá-lo.

Aqui é apresentada uma valente lista de alcunhas.

Alcunha – do árabe "al-kuniâ" – significava na origem "o apelido".

E é verdade que muitos apelidos que para aí correm têm em alcunhas coevas a respectiva origem. Quem não conheceu (ou conhece) um senhor Americano, ou um tal Pestana, ou um Tenente? Nas respectivas genealogias, todos estes tiveram, num certo ponto da linha do tempo, razões para adoptarem estes apelidos. Pela minha parte já me cruzei com mulheres e homens com apelidos mais invulgares como "Macara", cuja origem está, não em algum antepassado com má cara, mas provavelmente num trisavô de origem escocesa (Me' Hara); e Borda d'Água, apelido que estaria muito bem aqui pela ria de Aveiro.

Se tudo corresse como de costume, seria possível que, daqui a cem anos, algumas das alcunhas reunidas neste livro viessem a passar a apelidos oficiais. Porém, os costumes e as histórias dos patronímicos já não são as mesmas. Agora, em vez de alcunhas, fala-se em nicknames, certamente por influência da língua inglesa e

sobretudo em virtude do jargão adoptado na Internet. Quem sabe se hoje, bem pesquisado, não encontraríamos algumas das alcunhas / 108 / coligidas neste livro navegando nas redes sociais, nos facebooks e nos instagramas desta vida.

Inventar e atribuir uma alcunha é um dispositivo social com diversas camadas, que é frequentemente adoptado em pequenas comunidades humanas. Implica sempre uma relação afectiva entre a comunidade e a pessoa "alcunhada". Ou seja, a alcunha afecta o indivíduo e, em contrapartida, este passa a inscrever a sua presença de modo mais intenso na comunidade de que faz parte. Este processo pode ter implicações negativas, como o bullying e a maledicência. Mas, por outro lado, o acto de alcunhar pode implicar um lado positivo, de inclusão e de escape ao anonimato. Porque, na verdade, como há dois mil anos escreveu Marco Aurélio: "Dentro de pouco te esquecerás de tudo; dentro de pouco todos te esquecerão".

Este livro reconhece a tragédia do anonimato. Resiste-lhe. E traz-nos historietas de esquina, de encontros fugazes, de chistes e enganos. Faz aquilo que hoje se designa como empoderamento. Neste caso, o empoderamento do anónimo.

A lista de alcunhas coligida pelo Manuel Pacheco é enorme e cobre uma parte grande da vida e das personagens aveirenses na segunda metade do século XX. Na verdade, é difícil balizar cronologicamente a matéria deste livro. Aqui se encontram três ou quatro gerações aveirenses, de filhos da terra, ou de gente que aqui construiu o seu lar. Nem todos são aveirenses ilustres, na medida em que os seus gestos e as suas palavras não chegaram a ter reco-nhecimento oficial, muito menos comendas e medalhas. Mas, por / 109 / outro lado, todos são aveirenses ilustres, porque trouxeram um certo brilho a uma cidade desabrigada, onde se produzem palavras desabrigadas e correm afectos variados, bons e maus.

Talvez o traço mais constante neste fluxo de alcunhas e historietas seja a boa disposição: a brincadeira, o engano e, sobretudo, a capacidade para nos rirmos de nós próprios. Em muitas das alcunhas sente-se um certo picante que fica, secretamente, para quem sabe da coisa. Que o mesmo é dizer: para quem sabe da poda.

Abril de 2020,

Daniel Tércio
 

 

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