Silêncio do Inverno

 

Tempo este, grisalho e frouxo
a dar cobertura a uma terra áspera
sulcada por ribeiros à míngua de água
rodeada de extensos areais e baldios
com as veias estioladas, mirradas de dor
por onde já não circula a seiva.
Do monte distante envolto na penumbra
que vai cobrindo com o negro véu
a solidão dos dias mais longos e tristes
traz agora o vento à laia de mensagem
o cheiro reconfortante das flores da murta
que o mesmo vento logo leva de volta
correndo ao longo do esventrado caminho
que, por certo, já não irá dar a Roma
pois sabemos que terminará sem aviso prévio
algures numa inesperada e perigosa curva;
contudo vai alertando em cada passada
para a surpresa dos rumos incertos, intermitentes.


Das noites de lembranças latentes, distantes.
surgem as manhãs imergindo da incerteza
onde todos os sonhos, esperanças, devaneios,
jazem embuçados em promessas improváveis
não indo além do carreiro de formigas sem norte
cujo instinto procura o supremo silêncio do inverno
enquanto vai convocando à reflexão o previsível fim.
Este término que se avizinha em facúndia de oratória
como o prenúncio duma liturgia da vida sem ritual
é apenas salmodiada em cânticos dum eterno adeus.

Julho de 2021

 

 

30-07-2021