Reclusão

 

Em cada partida, a ventura
de quem parte sem partir,
desventura de quem fica
sem ficar,
aventura de quem luta
num vaivém sem parar,
na instância da dúvida.


Partiste sem despedida
mas algo de ti aqui ficou:
luz que enxergo na escuridão
deste desencanto crescente
apenas cortado por vaga-lumes
em cada avanço da penumbra;
véu rasgado a deixar entrever
a teia dos beijos, e dos abraços
numa ilusão de mil afectos volvidos;
poção tão libidinosa como pérfida,
mistela de cantárida e dormideira
lançando à emoção o Isco do sonho;
libação entorpecente e repulsiva
de um vinho que virou vinagre
na imagem cativa duma reclusão
ou apenas anomalia, sabotagem,
tentativa de fazer abortar
a descolagem da nave

portadora dos pensamentos inverosímeis

condensados no mantra desta estória.

Novembro de 2021

 

 

14-11-2021