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À sorrelfa, instalou-se
o medo na Razão
quando a Razão já era o medo
a fervilhar nas consciências sem dor
e ofuscando o louco brilho das luzes
na intermitência turbulenta da angústia.
A humanidade foi deslizando pelo seu pé
em passos tão ligeiros, como furtivos
forjados na bigorna que aprimora o raio
tornando-o imprevisível, indesejável, funesto.
Já em rota de colisão com as trevas
ouviu a apocalíptica trombeta, estridente,
ameaçadora mas sem a crueldade bíblica,
e sentiu o rosnar sombrio da Terra
ao erguer-se do terrível pesadelo
e já liberta do seu longo sufoco.
Na distracção dos sonâmbulos incautos
emergiram os perspicazes ansiosos
em segurar as entranhas dum passado
aferrado nas marés altas do presente
mas incapaz de perspectivar o futuro.
Uns querem usufruir de mais vida
aguardando o deferimento do pedido
solicitado a uma Potestade anónima
de empréstimo a fundo perdido
sujeitando-se ao pagamento de altos juros
com prazo indefinido e sem direito a moratória.
Os outros, impacientes empedernidos
temem a morte, mas não a admitem,
imaginam-na escondida em algum desvão
mas desejam-na sempre adiada
e que, no limite, nem sequer aconteça !
Este estranho e tão singular cismar
ressuma das elucubrações em combustão
das matérias dormentes em severas fixações.
A Kagufa vai apertando a cravelha
do magistral buraco, indutor e induzido
de todos os medos do mundo.
Tomba a noite e este frio de nortada
amadurece mas, pelos vistos, não cai
e rodopiando em cordelinhos
com máscara, luvas, e de chicote
vai açoitando com argúcia os indígenas
pespegados na orla da pasmaceira
enquanto três velhos incontinentes
disputam heroicamente à bengalada
a prioridade de utilização muito urgente
de amoniacal urinol público individual
que irá ver-se livre deles, sem mágoa.
Pois é ! "Quem anda à chuva molha-se".
Assim falava o amigo Banana.
Maio de 2020
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